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“A nossa vida está acima de tudo. Vivos conseguiremos superar esta crise"



“A nossa vida está acima de tudo. Vivos conseguiremos superar esta crise"

A frase é do jovem presidente da Acif – Associação Comercial e Industrial de Fernandópolis – Mateus Morales. No comando da entidade, que reúne 80% do PIB da cidade, Morales diz que o impacto da quarentena por conta da pandemia do coronavírus que atinge o mundo “é gigantesco e as consequências graves” para a economia de Fernandópolis. Ele fala em queda de 90% em setores considerados não essenciais. Nesta entrevista ao CIDADÃO, o presidente da Acif diz que o prefeito chegou a criar um Comitê Gestor da Crise, mas na prática foi muito pouco efetivo. “Várias reuniões foram feitas, mas, por diversos motivos, o que era planejado ou proposto não foi implementado”, disse. Morales anuncia o lançamento nos próximos dias de um Market Place de Fernandópolis. “É um site de compras on-line onde os empresários da cidade poderão vender seus produtos e serviços”, diz. Leia a entrevista:

Completamos esta semana dois meses de quarentena imposta pela pandemia do coronavírus. É possível dimensionar o impacto nos setores que movem a economia de Fernandópolis? 
O impacto está sendo gigantesco e as consequências graves. O principal gerador de renda e empregos de Fernandópolis ficou praticamente 30 dias sem funcionar, com zero de faturamento. Após a flexibilização e permissão do drive thru, o cenário melhorou um pouco, porém muito aquém do que poderia estar. Em conversas com empresários da cidade, constatou-se que a queda nas vendas se aproximou de 90%. Nos segmentos considerados essenciais, que tiveram suas atividades flexibilizadas, a queda foi na ordem de 30%. Ou seja, a quarentena causou um grande estrago na economia local.

Qual setor é o mais atingido e quem conseguiu se reinventar em meio à crise?
Com certeza foram os setores considerados não essenciais, tais como roupas, calçados, beleza, restaurantes, bares, móveis, escolas entre muitos outros. Para sobreviver à uma situação dessas não é nada fácil, porém é fundamental se reinventar de diversas formas. A mais utilizada são as vendas pela internet. Quem já estava adaptado com esse canal sofreu menos. Dados apontam que as vendas pela internet cresceram 40% (ou mais, dependendo do setor), e que 71% das pessoas passaram a comprar mais pela internet. Porém, muito importante também em momentos de crise é olhar ainda mais para dentro do negócio, em todos os seus detalhes. Uma gestão financeira rigorosa é imprescindível para a empresa, pelo menos, sobreviver à esta crise. Infelizmente poucas fazem um controle rigoroso do fluxo de caixa, dificultando, assim, a tomada de decisões acertadas e necessárias e nos momentos mais adequados. Essa crise está sendo muito dura, mas tenho certeza de que quem inovou, aprimorou, geriu seu negócio com mais eficácia e eficiência sobreviverá e sairá mais fortalecido e preparado para os desafios da economia pós crise. Historicamente sempre depois de uma crise há uma fase de crescimento. Creio que quem se reinventou vai conseguir aproveitar a nova e boa fase que virá.

"A Acif representa quem faz o coração da nossa cidade pulsar e realmente quer o bem da cidade"

Como presidente da Acif, tem participado do Comitê Gestor da Crise criado pelo prefeito André Pessuto. Qual cenário está em debate?
O Comitê Gestor da Crise realmente foi criado, entretanto, na prática foi muito pouco efetivo. Várias reuniões foram feitas, mas, por diversos motivos, o que era planejado ou proposto não foi implementado. A Acif cumpriu e bem o seu papel, discutiu, sugeriu, apoiou, porém, era apenas uma coadjuvante no processo, sem nenhum poder de decisão. 

O risco de demissão em massa existe. Isso está ocorrendo?
Em consulta feita com os escritórios de contabilidade da cidade constatou-se um aumento considerável nas demissões. Houve também suspensões de contrato de trabalho e redução de jornada. Verificou-se também que praticamente não ocorreram admissões.  Nossa cidade vinha com um histórico favorável no quesito empregabilidade. Agora o cenário se reverteu. Quando mais tempo a crise perdurar mais demissões ocorrerão. É uma questão matemática, quanto menor o faturamento das empresas, mais cortes serão feitos. O empresário não tem outra opção, mesmo porque os compromissos se mantiveram e muito pouco foi feito para aliviar a carga que recai sobre quem gera emprego e renda. 

Os prefeitos da região estão propondo ao governo plano de reabertura gradual do comércio a partir de junho. Como a Acif avalia?
A Acif concordou com o primeiro mês de quarentena. Nossa visão era que nesse período a administração pública pudesse focar no aprimoramento do sistema de saúde e se munir de testes em massa para poder combater o vírus com mais planejamento e assertividade. Já no segundo mês de quarentena, nossa entidade defendeu um plano de reabertura gradual. Inclusive propomos várias vezes à prefeitura defender junto ao governo e à justiça uma flexibilização mais ampla. Várias cidades implantaram uma flexibilização maior que a nossa. Creio que algo a mais deveria ter sido feito pelo poder público local nesse sentido. O plano de reabertura proposto pela nossa entidade seguiria todos os protocolos de segurança e os empresários deveriam assinar um termo de compromisso, que caso descumprissem, sanções seriam impostas. Acreditávamos que com o sistema de saúde mais bem estruturado, testes disponíveis para identificar os contaminados e tratamento adequado aos mesmos, aliado à reabertura gradual e responsável dos estabelecimentos, nossa economia teria mais chances de uma recuperação mais sustentável. A cabeça de quem empreende, pensa diferente daqueles que governa. A realidade é outra e os interesses invariavelmente são divergentes.

"Nossa classe é responsável por mais de 80% do PIB do município. Geramos 90% dos empregos formais"

Tem como projetar o tempo que será necessário para recuperação da economia no pós pandemia?
É uma equação muito difícil de ser feita. Economistas e especialistas tentam prever esse prazo de recuperação, mas qualquer afirmação nesse momento é precipitada. Não sabemos exatamente quando será descoberta uma vacina para o Covid19, e nem temos unanimidade na medicina quanto aos medicamentos eficazes para combater e tratar a doença. Portanto, projetar um tempo nesse momento é algo muito difícil de fazer. A Acif está incentivando as pessoas a consumirem ainda mais na cidade. Dessa forma, poderemos fortalecer nossa economia e nos recuperarmos mais rapidamente. Não há outra saída senão nos reinventarmos. Nesse sentido criamos em tempo recorde e será lançado nos próximos dias um Market Place de Fernandópolis. É um site de compras on-line onde os empresários da cidade poderão vender seus produtos e serviços. Será uma forma de movimentar, fortalecer e recuperar a economia da cidade nesse momento. 

O projeto “Repensando Fernandópolis 2025” lançado no final do ano passado pela Acif trazia proposta para tirar a economia de Fernandópolis da fase “crescendo conforme a maré” para um ambiente de negócios virtuoso. Como fica esse plano agora?  
O Repensando Fernandópolis 2025 veio na hora mais do que certa. A Acif defende que o crescimento econômico da cidade deve ter um planejamento inteligente e profissional, baseado em dados oficiais, focados em metas de curto, médio e longo prazos, e inspirado em projetos já viabilizados e com resultados extremamente positivos para todos os setores. Dessa forma, o Repensando Fernandópolis 2025 é a única alternativa que o município terá para se reestruturar economicamente. A crise que estamos passando atinge a todos, inclusive o poder público. O município está investindo dinheiro não previsto para combater o vírus. Além do que terá uma diminuição considerável na arrecadação e aumento da inadimplência. Se continuarmos a fazer tudo da mesma forma que fizemos até agora, com o agravante de estarmos dentro da maior crise de saúde e econômica dos últimos tempos, vamos continuar “crescendo conforme a maré”. E podem ter certeza que o nosso mar será muito mais revolto e, consequentemente, mais prejudicial para todos nós. O poder público tem que parar de improvisar e agir de maneira técnica e profissional, despir-se dos vícios e privilégios políticos. Faz tempo que eles patinam, enquanto os empreendedores, apesar de tudo e todos, avançam.

A pandemia é mundial, mas no Brasil ela vem associada às crises econômica e política. Esse é um ambiente de alto risco?
É muito triste constatar tudo isso que estamos vivendo e convivendo em nosso país. Além dessa crise sem precedentes na saúde, passamos por uma instabilidade política muito grande, e esse ambiente fragilizado gera muita instabilidade econômica e aumento do risco Brasil. É fácil constatar isso. Quem investe quer estabilidade, regras claras, perspectivas positivas de futuro, alinhamento de ações, principalmente em situações mais graves. O quadro atual do país, em todos os níveis, gerará a curto prazo um custo adicional muito mais alto que para outros países mais estáveis. Não tenho dúvidas de que o custo Brasil se elevará e os juros deverão encarecer, bem como a concessão de crédito será ainda mais seletiva. Dessa forma, sobrará menos recursos para a saúde, educação, investimentos, entre outros. Resumindo: não há milagres nesse campo, esse clima de instabilidade política que o Brasil está vivendo prejudicará e muito a nossa recuperação econômica.

"O poder público tem que parar de improvisar e agir de maneira técnica e profissional, despir-se dos vícios e privilégios"

A Acif está preparada para liderar um projeto de recuperação econômica da cidade?
Com certeza! A Acif representa quem faz o coração da nossa cidade pulsar e realmente quer o bem da cidade. Nossa classe é responsável por mais de 80% do PIB do município. Geramos aproximadamente 90% dos empregos formais da cidade. Nada melhor que esses agentes que fazem mais e melhor liderem um projeto de recuperação econômica, desde que haja um ambiente político favorável. As cidades e países exemplos em recuperação e crescimento econômico fizeram dessa forma: setor privado na liderança de criação projetos para fazer a economia crescer e o poder público executando-os de forma planejada, racional e inteligente. A única saída está no esforço concentrado de todos, sem picuinhas, interferências menores e outras pretensões. Sei que aqui não é fácil, mas creio que seja nossa única tábua de salvação. 

Que mensagem deixa aos empresários e trabalhadores de Fernandópolis?
Apesar do momento turbulento que estamos passando, temos que pensar positivo, acreditar que dias melhores certamente virão. Temos que exercitar nossa criatividade e fazer diferente, nos ajustar às circunstâncias de forma rápida e eficiente. Estamos em um momento de disruptura. Acredite firmemente que é uma oportunidade ímpar para recomeçar de novo, tanto profissional quanto pessoalmente. Se proteja e proteja os seus. Siga todos os protocolos de saúde e segurança. A nossa vida está acima de tudo. Vivos conseguiremos superar esta crise, projetar e viabilizar um novo futuro.
 

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