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“A população percebeu melhora e deu crédito para a intervenção”



“A população percebeu melhora e deu crédito para a intervenção”

A frase é do provedor/interventor da Santa Casa de Fernandópolis Marcus Chaer durante entrevista ao CIDADÃO, quando fez um balanço da gestão e dos resultados  já alcançados, principalmente na meta de humanização do atendimento.

“Cobramos que atendimento no SUS seja idêntico ao prestado para o paciente particular ou de convênio. Hora que a população percebeu isso, deu crédito para a intervenção”, afirmou.

Segundo ele, a Ouvidoria foi ampliada para saber o que estavam pensando do atendimento. 
“Tivemos um aumento de 400% no número de pessoas ouvidas e mesmo assim tivemos um aumento de quase 600% nos elogios. Hoje a informação tem mais qualidade, não fica restrito ao ‘fui mal atendido’, mas vem com mais informações que ajudam a corrigir os problemas. Isso é reflexo da humanização e de ser melhor ouvinte”, acrescenta. 
Chaer assumiu a gestão do hospital em 13 de dezembro de 2019 em meio à crise que resultou em operações da Polícia Civil na investigação de esquema de fraudes. Em fevereiro, o Poder Judiciário decretou intervenção na Santa Casa e Chaer assumiu então como administrador judicial. Veja os principais trechos da entrevista ao CIDADÃO:

Quase um ano no cargo de provedor e interventor na Santa Casa. Qual o balanço?
Nós iniciamos a gestão no dia 13 de dezembro de 2019 e a intervenção ocorreu em 19 fevereiro. Logo que a intervenção se iniciou nós tivemos pouco tempo para se adequar, é uma novidade para todos, e já veio a pandemia o que deu uma desestabilizada no nosso planejamento. Se for para fazer um panorama de ponto positivo e negativo, eu traria como negativo a pandemia porque importou em muito serviço, afetou o corte de gastos e aumentou os custos hospitalares. Mas, o ponto positivo é que, por esta parada forçada de certos serviços, a gente conseguiu organizar e enxergar melhor o cenário. Uma coisa que a gente fala desde o começo é que aqui não havia nada estruturado, em poucos setores se via alguma coisa funcionando. Não havia um dado real no setor financeiro de quanto se devia, quando entrava de receita, quanto saia. Se você fosse no faturamento, no financeiro e na contabilidade, eram três valores diferentes para a mesma entrada. Levamos pelo menos dois meses para conseguir levantar os dados. Muitos erros crassos que a gente pegou e foram passados à polícia, alguns que culminaram inclusive na intervenção, apesar da investigação estar em andamento há pelo menos dois anos. Conseguimos, a partir destes dados identificar o déficit da Santa Casa, essa é a dívida, a gente tem que começar deste ponto. Na primeira coletiva eu disse que, na minha opinião, faltava gestão. Não que o financeiro fosse fácil, é um desafio, as Santas Casas são deficitárias, entidade filantrópica, tabela SUS. Não tinha noção dessa realidade até entrar aqui. Mas, a gente viu uma luz no fim do túnel. 

"Estamos investindo em humanização e cobramos que o atendimento no SUS seja idêntico ao particular"

A desorganização dos números atrasou o planejamento?
Sabíamos que o quadro era ruim e fizemos uma projeção de 40 dias e demoramos 60 dias, um atraso de quase um mês. O que apertou a gente no cronograma era que o andamento dos processos de fluxo do hospital não girava. Uma das atitudes que a gente tomou foi criar um setor de gestão da qualidade hospitalar. O objetivo final do setor é adquirir selos de qualidade, ISO, ONA, padronizando os atendimentos internos, normas, rotinas e procedimentos operacionais padrão. Melhorou muito, mas ainda é uma Santa Casa parada no tempo. Vou dar o exemplo do prontuário, tudo ainda no papel. A gente está há um ano tentando implementar o prontuário eletrônico e ninguém sabia o que fazer, era só um colaborador e se essa pessoa entrasse de férias ou ficasse doente, o setor parava. A ideia desse setor de gestão da qualidade é organizar todos os outros em uma empresa de fato. É o que a gente diz desde o começo, na minha visão pessoal, nunca se tratou a Santa Casa como empresa. É um hospital filantrópico, o foco é o paciente, a humanização, mas, você tem que ter gestão. Está gastando muito, tem que cortar, tem que aumentar receita, senão a empresa não gira. Não é só pedir emendas, chorar, e achar que é assim mesmo. Apesar de ser uma realidade, não precisa ser uma realidade durante anos.
Como foi esse processo de reorganização da Santa Casa em meio a pandemia?
Planejamento. A partir do momento que a gente tem a pandemia como foco e a prevenção, focamos nisso e a partir daqui a gente desenvolve o planejamento, adapta e adequa os outros setores para que funcionem de acordo com a pandemia. Vou dar o exemplo do centro cirúrgico que, por conta dos anestésicos usados na Unidade de Covid, tivemos que reduzir o número de cirurgias. Com isso foi mais fácil tirar um ou dois colaboradores do cirúrgico para mandar para a ala da Covid. Antes mesmo de recebermos orientações dos órgãos de Saúde, nós já tínhamos o nosso plano de contingência. A gente sabia que ia chegar e precisava estar preparado. Graças a Deus, foi tudo corrido, mas quando chegou estávamos preparados. 
Quais as dificuldades de associar a necessidade para atender a demanda, que é regional, e investir em pessoal e equipamentos?
Logo que chegamos vimos a folha de pagamento como grande. Depois de um tempo, a gente associou que os procedimentos de alta complexidade demandam quantidade maior de profissionais altamente qualificados, caso da unidade de nefrologia e hemodiálise que tem um custo alto. Quando chegamos dava prejuízo, hoje está empatando. A gente ajustou as coisas. Estamos focando na parte do RH (Recursos Humanos), que é o nosso capital humano, buscamos qualidade, em vez de quantidade. Não havia treinamento, um procedimento a ser seguido, um escalonamento de horário, sem um fluxo organizado. Decidimos investir em treinamentos para ter um bom atendimento, boas práticas, liderança, ou seja, começar a cobrar muito nessa questão da humanização, da valorização do colaborador. Hoje, quando contratamos um profissional da enfermagem, por exemplo, no primeiro mês ele vai passar por treinamento em todos os setores do hospital, para que quando precisar cobrir um colega ele tenha qualificação necessária para o atendimento. Ampliamos nossa Ouvidoria, sem contratar novos funcionários, para melhorar o nosso atendimento. Tivemos um aumento de 400% no número de pessoas ouvidas e mesmo assim tivemos um aumento de quase 600% nos elogios. Hoje a informação tem mais qualidade, não fica restrito ao ‘fui mal atendido’, mas vem com mais informações que ajudam a corrigir os problemas. Isso é reflexo da humanização e de ser melhor ouvinte.

"Nossa ideia, pós intervenção, é que a Santa Casa saia com seu novo estatuto coberto por uma bandeira transparente"

 O senhor estabeleceu um plano de metas. Como está a execução?
Senão fosse a pandemia, estaríamos mais próximo de alcançar a nossa meta de equilíbrio. A pandemia gerou e gera um custo absurdo para o hospital. Veio um dinheiro do governo federal especifico para a Covid-19, de R$ 2,5 milhões, mas em três, quatro meses o dinheiro acabou. O custo que a pandemia acaba gerando não é só de mão de obra, mas dos insumos cujos preços aumentaram demasiadamente. Hoje ouvimos dos colaboradores que não falta nada. Trabalhamos com material de qualidade com estoque para 30 a 40 dias. Esse custo extra da pandemia acabou atrapalhando nosso planejamento. Nossa preocupação agora é sair da pandemia de uma forma saudável para que consigamos reduzir esse custo. A gente está acumulando um déficit por conta da pandemia e qualquer valor a mais acrescentado no déficit faz uma diferença absurda. Está mais distante esse equilíbrio, mas ainda é uma meta a ser alcançada. Nossa preocupação agora é sair bem da pandemia.
A pandemia vai ter, então, um impacto nesse plano de metas?
A meta estabelecida é de longo prazo, de quatro anos pelo menos, para ter o hospital redondo. A meta de curto prazo era começar a ter uma leve diferença no prazo de um ano, o que a gente está tendo agora com um pouco de melhora no atendimento, melhora na receita, temos feito mais cirurgias particulares mesmo na pandemia, aumento no atendimento particular o que se deve a credibilidade. Mas a meta para dois anos seria o hospital já equilibrado financeiramente. Com a pandemia a gente imagina que isso vai atrasar pelo menos uns seis meses. O ideal é a gente cumprir o plano de metas para quatro anos, mas seria aceitável ter o hospital respirando em até dois anos e com isso poderemos focar em outros projetos. Vou dar um exemplo, a gente tinha um foco com determinado dinheiro para abrir o pronto-socorro pediátrico. Foi investido e já está dando resultado. Temos também o projeto de clínicas especializadas dentro da proposta de gerar mais receitas. Mas, teremos que também cortar gastos. Um exemplo, a gente pagava em torno de mil reais a ampola de anestésico agora estão vendendo a cinco mil e estamos usando três, quatro vezes mais esse anestésico. Só o custo desse medicamento está gerando ônus de 800, 900% maior. A saúde financeira é a nossa preocupação de curto prazo.
Qual visão quer passar da Santa Casa para a sociedade civil?
A Santa Casa é uma instituição privada, é filantrópica, trabalha com dinheiro do SUS, do governo e tem que prestar atendimento de qualidade. Muitas pessoas entendiam que a Santa Casa era deles, havia possivelmente uma panelinha, era o tal de não me toque. Hoje a população entende que o hospital está a serviço dela. Cobramos o que atendimento no SUS seja idêntico ao prestado para o paciente particular ou de convênio. Hora que a população percebeu isso, deu crédito para a intervenção. Aquele médico ou funcionário que não estava atendendo no tempo hábil porque estava fazendo qualquer outra coisa em vez de estar ali no trabalho dele, não está mais aqui. Eu acredito muito no esforço conjunto, não só da população em geral, a quem somos gratos, mas também das entidades e principalmente das autoridades. Nossa ideia, pós intervenção daqui a alguns anos, a gente não sabe o tempo que vai durar, é que a Santa Casa saia com seu novo estatuto coberto por uma bandeira transparente, onde a mesa diretora terá acesso a todos os setores, todos poderão fiscalizar, sim, porque embora seja uma entidade privada, mas quando se trata de dinheiro público, todos têm que fiscalizar. Isso é obrigação de todos. 

"Vamos trazer um centro de pesquisa para cá. Somos um hospital de ensino e temos que ter esse foco"

Embora a meta seja buscar o equilíbrio, a Santa Casa também quer avançar com projetos de pesquisas?
O hospital, para crescer, para melhorar, tem que se equilibrar. Então o nosso objetivo de curto prazo é buscar esse equilíbrio, a saúde financeira. Esse equilíbrio não atingiremos se não tiver foco na humanização, na busca de credibilidade, para que a gente possa trazer dinheiro novo para ampliar o hospital. A Santa Casa é um Hospital de Ensino. No Brasil são 81 hospitais com esse selo e Fernandópolis tem um deles com residência multidisciplinar. Nosso plano é trazer um Centro de Pesquisa para cá para ampliar a importância do hospital para a comunidade, para a região, focando nosso trabalho um pouco mais em responsabilidade social. A partir do momento que focarmos em pesquisa e ensino, vamos atrair mais investimentos. Hoje temos atendimento de duas especialidades de alta complexidades, estamos pleiteando o credenciamento de uma terceira que é a cardiologia. Temos uma estrutura fantástica aqui no Iacor. O objetivo é que o hospital seja ampliado se equipare em estrutura com os melhores da região para que tenhamos várias fontes de receita, não apenas cirurgia e internação, mas que se tenha pesquisa, na área da infectologia. Nós temos aqui dois infectologistas fantásticos, Dr, Márcio Gaggini e Dr. Mauricio Favaleça. Com isso esperamos iniciar a residência com curso de especialização em infectologia. Estamos montando quartos exclusivos para infectologia, porque a gente tem um projeto a médio prazo. Vamos trazer um centro de pesquisa para cá. Somos um hospital de ensino e temos que ter esse foco.

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