Durante os Jogos Olímpicos do Japão o grito da ginasta Simone Biles colocou um tema no centro das discussões: a saúde mental. Mas, a questão da saúde mental não está restrita a discussão entre atletas de alta performance. A pandemia do coronavírus afetou a vida de milhões de pessoas. “Todas as pessoas foram afetadas de alguma forma, seja pela ansiedade ligada à transmissão do vírus, o impacto psicológico do isolamento, ou fatores como desemprego, dificuldade financeira e exclusão socioeconômica”, diz a médica de Fernandópolis Dra. Daniela Cruz. Nesta entrevista ao CIDADÃO ela faz uma abordagem ampla dos efeitos da pandemia na saúde mental e trata de um tema que também merece ampla discussão: o suicídio. Estamos vivendo o “Setembro Amarelo”. “O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. São registrados mais de 13 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo”, expõe a médica. O tema foi tabu por muito tempo, mas a campanha “Setembro Amarelo” da Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina está quebrando essa barreira. “Falar é a melhor solução”, diz o tema deste ano. A entrevista com a Dra. Daniela é um alerta para todas as pessoas. Leia:
Qual a avaliação que pode ser feita das consequências da pandemia na saúde mental da população?
Recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS), alertou que o confinamento imposto pela pandemia e os reflexos da crise na saúde e na economia terão um “impacto prolongado” na saúde mental mundial. Todas as pessoas foram afetadas de alguma forma, seja pela ansiedade ligada à transmissão do vírus, o impacto psicológico do isolamento, ou fatores como desemprego, dificuldade financeira e exclusão socioeconômica.
Ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, são os transtornos mais comuns na pandemia?
Uma pesquisa DATASUS, divulgada em novembro de 2020, apontou que a ansiedade foi o transtorno presente em 86,5% dos 17.491 indivíduos adultos ouvidos pelo Ministério da Saúde, seguido de estresse pós-traumático (45,5%) e depressão grave (16%), no primeiro ano de pandemia.
"Os reflexos da crise na saúde e na economia terão um impacto prolongado na saúde mental mundial"
Muitas famílias perderam entes queridos e sequer puderam realizar o velório; outras viveram o drama de longas internações e agora convivem com sequelas. Como conviver com situações tão extremas?
A não realização de rituais de despedida pode acarretar uma dificuldade na experiência e elaboração do luto. O velório é um espaço seguro de expressão do sofrimento, além de um momento em que se pode receber afago de pessoas queridas e realizar ações simbólicas de despedida. Os rituais são atos simbólicos que nos ajudam a expressar nossas emoções diante de uma perda, é uma forma saudável de organizar nossas emoções, que estão todas bagunçadas naquele momento. Portanto, todas essas limitações certamente têm um impacto negativo. As sequelas da “Covid Prolongada”, refletem os impactos negativos na recuperação de muitas pessoas que sofrem por terem sido infectadas. E ainda existe um outro agravante: pacientes que já apresentavam quadros de transtornos mentais podem ter esses quadros psíquicos agravados. Além disso, o abalo psicológico tende a tornar esse indivíduo ainda mais vulnerável frente à necessidade da retomada de atividades cotidianas, limitando suas ações e potencializando respostas negativas ao aparelho inconsciente. Diante deste cenário, reforça-se o fato de que a saúde mental precisa e merece atenção. A busca de apoio e acompanhamento de um profissional especializado é fundamental, uma vez que os reflexos da contaminação comprometem a qualidade de vida do recuperado e deixa evidente que, não são apenas sintomas físicos que perduram após a recuperação.
Durante as Olimpíadas a saúde mental dos atletas ganhou destaque e chamou a atenção do mundo. Pandemia e pressão foram demais para esses atletas?
O fim das Olimpíadas de Tóquio mostrou um misto de sentimentos. Sensações de alegria, frustração e uma discussão que precisa estar em destaque: a saúde mental. Simone Balis foi esse “grito” do desespero. A ginasta norte-americana trouxe à tona um problema vivido por vários atletas, principalmente em períodos de pressão. Da necessidade de mostrar resultado, corresponder ao público e encarar as redes sociais. Essas podem ser algumas das situações que interferem nas ações e comportamentos dos atletas. O “desistir” da Biles abriu discussão de como os nomes do alto rendimento encaram psicologicamente o estresse e as expectativas. Essa edição foi muito difícil, principalmente pela questão da pandemia. A saúde mental é essencial na vida de qualquer pessoa e no esporte, a interferência é considerada maior, pois reflete na performance de um atleta, em pontos como equilíbrio emocional, concentração, motivação e a autoconfiança na preparação para uma competição como Olimpíada, por exemplo.
"O retorno (às aulas) acaba sendo difícil até para quem estava doido para voltar, porque percebe que as coisas não são como antes"
A vacinação está permitindo uma volta controlada à rotina. O que isso pode influir para a saúde mental dos jovens que estão retornando para o ambiente escolar e vida social?
Depois de tanto tempo de pandemia, crianças e adolescentes acabaram se acostumando com a rotina em casa. E agora voltar à rotina não é tão fácil como parece. As crianças, por exemplo, já se acostumaram a estar em casa e a ficar com os pais, e não tem essa facilidade de se organizar para retomar ao normal. Já o adolescente passou todo este período recluso, dedicando boa parte do tempo à diversão no meio online, então para ele entrar novamente na rotina não é uma tarefa fácil. Ele ficou durante todo este período usando a liberdade para atender suas responsabilidades diárias, sem a mesma disciplina de horários como era antigamente. Com o avanço da vacinação e o retorno a atividades presenciais, como a volta às aulas, familiares devem ficar atentos a eventuais dificuldades de socialização que possam ter sido provocadas pelo período de isolamento. Algumas crianças tinham dificuldades sociais e acabou que a pandemia reforçou isso. Mas esse retorno acaba sendo difícil até para quem estava doido para voltar, porque percebe que as coisas não são como antes: a escola está diferente, as regras estão diferentes, são novos protocolos. O que fará a diferença nesse processo de adaptação a realidade às aulas presenciais (e vida social) é o olhar atento e a escuta sensível dos pais (e educadores), em uma comunicação não agressiva e que assegure o acolhimento.
Setembro é o mês da campanha de prevenção ao suicídio? Como lidar com esse tema tão delicado?
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, organiza nacionalmente o Setembro Amarelo. O dia 10 deste mês é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. São registrados mais de 13 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. A primeira medida preventiva é a educação.
Muitas pessoas ainda têm dificuldade em tratar desse assunto. É ainda um tabu?
Durante muito tempo, falar sobre suicídio foi um tabu, havia medo de se falar sobre o assunto. Especialmente com o sucesso da campanha Setembro Amarelo, essa barreira tem sido derrubada e informações ligadas ao tema passaram a ser compartilhadas, possibilitando que as pessoas possam ter acesso a recursos de prevenção. Saber quais as principais causas e as formas de ajudar pode ser o primeiro passo para reduzir as taxas de suicídio no Brasil, onde atualmente 32 pessoas por dia tiram a própria vida.
"Durante muito tempo, falar sobre suicídio foi um tabu, havia medo. Falar é melhor solução"
Quais são as principais causas relacionadas ao suicídio? Existe meio de prevenir? Quais são os sinais que precisam ser observados?
A tentativa de suicídio pode acontecer entre pessoas de qualquer faixa etária, gênero ou classe social. Porém alguns fatores podem ampliar o risco, como depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, abuso de substâncias. Segundo a OMS, cerca de 90% dos casos de suicídio poderiam ser prevenidos. Muitas vezes, o simples fato de ter com quem conversar pode mudar aquela situação, no entanto, é importante destacar que a ajuda médica e psicológica é necessária. É por isso que “Falar é a melhor solução” é o slogan da campanha deste ano. Podemos ficar atentos ao isolamento, mudanças marcantes de hábitos, perda por interesse por atividades de que gostava, descuido com aparência, piora do desempenho na escola ou trabalho, alterações no sono e no apetite, frases como “preferia estar morto” ou “quero desaparecer” podem indicar necessidade de ajuda. A ajuda pode vir de um profissional de saúde mental, amigo, parente, colega de trabalho ou escola, professores, ou alguém que está próximo a quem precisa e também dos voluntários do CVV, que são treinados para conversar com pessoas que estejam passando por alguma dificuldade e que possam pensar em tirar sua vida. Para conversar com um voluntário, basta ligar para o telefone 188, gratuito, que funciona 24 horas.
Existe uma receita para cuidar da nossa saúde mental?
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o conceito de uma pessoa saudável é bem mais que a simples ausência de doença, deve ser um completo estado de bem-estar físico, mental e social.Portanto, saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade. Não existe uma receita, mas vale algumas dicas para cuidar da nossa saúde mental: Praticar o Autocuidado; Aceitar-se como você é e viver a sua própria vida. Não queira ser como outra pessoa, seja você mesmo, goste de quem você é; Mantenha-se ativo diariamente – faça atividades físicas; Adquira novas habilidades, exercite seu cérebro; Mantenha o equilíbrio entre as responsabilidades e atividades de lazer; Reserve um tempo para ter contato com sua família com seus amigos; Relaxe, sempre separe um tempinho para fazer algo que gosta; Preze sempre por uma boa noite de sono; Mantenha cuidados básicos com um estilo de vida saudável. Procure alimentar-se corretamente; Busque ajuda sempre que sentir que não está bem, você não precisa sofrer sozinho, conte com a sua rede de apoio.