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A violência contra a mulher



A violência contra a mulher

No mês que vem a Lei Maria da Penha vai completar 16 anos. No cargo como delegada titular da DDM – Delegacia de Defesa da Mulher – de Fernandópolis há 18 meses, Sarah Marques de Souza, concedeu entrevista ao jornal CIDADÃO e Rádio Difusora FM no momento em que vários casos de violência contra a mulher repercutiram no Brasil, caso do médico anestesista do Rio de Janeiro filmado estuprando mulher na sala de parto após ministrar alta dosagem de sedativo, e na nossa região, em José Bonifácio, da mulher em cárcere privado que pediu socorro atirando bilhete no quintal da vizinha. “Entendo como maior desafio a conscientização das mulheres vítimas de violência de seus direitos, e a busca por um acolhimento não penal a elas, o qual faça com que conservem suas decisões de não se manter no ciclo de violência a que são submetidas”, destacou a delegada que só este ano já abriu 225 inquéritos para apurar diferentes tipos de violência contra a mulher. Leia a entrevista:

As mulheres ainda enfrentam momentos difíceis nos dias de hoje?
Ainda são momentos muito difíceis para as mulheres, apesar das conquistas que elas alcançaram ao longo desses últimos anos. Ainda vivemos numa sociedade muito machista onde o patriarcado ainda é muito forte. Parece que as mulheres, nos dias de hoje, em relação a estupros e abusos, não têm ainda tantos direitos sobre o próprio corpo. 

Qual a realidade em Fernandópolis?
Os casos de estupros de vulneráveis, acredito que sejam os mais recorrentes. O mais triste no caso de estupros de vulneráveis é que são sempre praticados por pessoas próximas, um familiar e até o próprio pai. Em outras vezes é o companheiro da mãe. Além da violência que a criança sofre, a família se desestrutura e afeta todo o relacionamento interfamiliar. O trauma para a criança e para a família é inimaginável.

"O mais triste no caso de estupros de vulneráveis é que são sempre praticados por pessoas próximas"

Ocorre de a família tentar encobrir a situação?
Acontece casos, por exemplo, entre irmãos em que a mãe afasta o agressor, não dormem mais junto, mas todos continuam ali, na mesma casa, com risco continuado para a criança. E como a mãe vai se portar nessa situação em que os dois são filhos? Essas denúncias, por vezes, são as próprias crianças que fazem na escola, contou para um amigo, e chega ao Conselho Tutelar ou a própria escola faz a denúncia.

Tem-se por norma dizer que essa violência ocorre mais na população mais pobre  É mito ou verdade?
A violência, tanto sexual como de forma geral contra a mulher, acontece em todas as esferas da sociedade. O que acredito que aconteça é que nas camadas mais altas ocorra uma subnotificação. As vezes as mulheres buscam uma assistência psiquiatra, psicológica e não procura a Delegacia de Defesa da Mulher. Tenta abafar para não gerar um escândalo.
Tivemos recentemente na região uma mulher pedindo socorro por um bilhete arremessado para o quintal da vizinha. Cárcere privado ainda é um crime recorrente?
Sim, muitas mulheres com medo de denunciar o agressor se submetem a todo tipo de violência até tomar coragem para pedir ajuda, denunciar. Aí entra o papel dos vizinhos, familiares, para ajudar essa mulher, ao perceberem mudança de comportamento, porque em geral, a violência não começa fisicamente o que seria mais escancarada, às vezes, se caracteriza pela violência psicológica, ameaça, coação e a mulher vai se fechando, iniciando um ciclo de violência até que chega a agressão física. 

"A Lei Maria da Penha foi um grande avanço, inclusive na fixação das medidas protetivas"

E quando a mulher, mesmo vítima da violência, não quer se desvincular do companheiro por sua dependência? Qual a maior dificuldade para tirar a mulher desse convívio tóxico?
A maior dificuldade na apuração desses crimes é quando a mulher, mesmo machucada, nega a agressão do companheiro. Mas, muitas vezes no caso de ameaça, injúria, que são crimes que dependem da vontade da mulher, da representação, não tem como a DDM tomar alguma providência em relação ao crime se a mulher não quiser. É aí que entra o apoio dos familiares e amigos para que a mulher consiga sair desse ciclo de violência. Não é só a dependência financeira, mas também existe a dependência psicológica, onde a mulher agredida acha que é assim mesmo, que ele é bom para os filhos, supre as necessidades da família ou que ele fez isso uma vez porque estava nervoso ou porque bebeu. Em geral, os extremos da violência contra a mulher estão muito associados com bebida, com droga. Já nos casos de lesão corporal, a ação penal é pública e incondicionada, não depende de a mulher querer ou não que a agressão seja apurada. E se ficar comprovado que realmente foi agredida, o agressor será punido e qualquer pessoa pode denunciar. Neste caso, não vale a máxima de que em briga de marido mulher não se mete a colher, tem que meter a colher sim. 

A chegada da lei da Maria da Penha, que completa 16 anos em agosto, contribuiu na proteção da mulher?
Foi um grande avanço. Inclusive na fixação das medidas protetivas ajudou demais, ainda precisa de muitos avanços porque uma lei em si não fará com que a sociedade como um todo pense diferente, mas, com certeza, foi um grande avanço. O artigo 7º da Lei elenca alguns tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Assim, são exemplos mais comuns de crimes que se enquadram na Lei Maria da Penha a lesão corporal, o estupro, a ameaça, os crimes contra a honra, o furto, o dano, além dos crimes recentemente inseridos no Código Penal, perseguição e violência psicológica contra a mulher.

A questão das medidas protetivas, existe agilidade para afastar o agressor?
As medidas protetivas são rapidamente analisadas. O judiciário tem 48 horas para decidir sobre uma medida protetiva e intimar tanto o agressor quanto a vítima. O delegado tem esse poder em cidades que não tem sede de comarca. Aqui em Fernandópolis, não posso fixar uma medida protetiva. A DDM serve como intermediário para encaminhar o pedido da ofendida até o Judiciário. Em muitos casos é questão de horas a decisão do juiz com um rol de medidas para proteção da vítima. Se o agressor burlar a medida estabelecida é determinada a prisão, sem fiança. 

"Na prática, o feminicídio passou a ser um crime hediondo e a progressão de pena é muito mais rigorosa"

Qual o crime mais recorrente em Fernandópolis?
O crime de ameaça, porque é um crime que evolui para formas mais grave de violência e, como depende da vontade da mulher, muitas vezes ela procura a delegacia uma vez, duas, três vezes notificando ameaças e depois se reconcilia com o agressor e retira o processo. Além da subnotificação dos casos. Por isso é importante que a divulgação da Lei Maria da Penha e dos direitos das mulheres tem contribuído para que elas denunciem os abusos. Esse ano mesmo já instauramos 225 inquéritos.

O crime contra a vida da mulher passou a ser denominado feminicídio. O que mudou na prática?
Na prática, o feminicídio entrou para o rol de crime hediondo e a progressão de pena é muito mais rigorosa por um crime praticado pelo fato único e exclusivo dela ser mulher. Antes os crimes contra mulheres entravam no rol dos homicídios.

O estupro antes era qualificado quando ocorria a conjunção carnal em si. Hoje é mais amplo?
Houve a junção de dois tipos penais e o crime de estupro agora não é só a conjunção carnal, mas qualquer ato, como constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. E quando falamos do crime de estupro não é apenas aquele da violência forçada pelo indivíduo que faz a abordagem na rua.  Às vezes você tem um relacionamento com a pessoa, até íntimo, mas ela ultrapassa os limites que você impôs naquele momento. 

A DDM, em breve, volta para sua casa própria?
Acreditamos que até o final do ano estaremos retornando para a nossa sede ao lado do Tribunal de Contas. O prédio está em reforma e quando for concluída oferecerá melhores condições de trabalho para toda a equipe. Vai ficar ótimo, porque lá teremos inclusive sala de acolhimento.

Quais as formas da mulher chegar até a Delegacia da Mulher?
São vários meios. Ela pode fazer o registro da denúncia através da Delegacia Eletrônica (delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov) na internet onde encontra um campo específico para a violência doméstica, podendo inclusive fazer o pedido de medida protetiva. Ela pode denunciar através do disque 180, através do telefone da DDM (3442-2634) ou mesmo ir a sede da delegacia na Rua Rio Grande do Sul, nº 2885, bairro Coester.

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