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“Ainda não vencemos a guerra”



“Ainda não vencemos a guerra”

A frase, em tom de alerta, é do médico infectologista Dr. Márcio Gaggini que esteve nos dois lados da pandemia da Covid-19: como médico da linha de frente e como paciente no ano passado, quando testou positivo para Covid e precisou ser internado por uma semana. “Já tomamos muitos sustos nessa pandemia, por isso precisamos ter ainda um pouco de cautela, de prudência. Ainda não podemos dizer que vencemos essa guerra”, disse nesta entrevista ao CIDADÃO e Rádio Difusora. 
Depois de 570 dias, desde o registro do primeiro caso, o médico diz que estamos em um momento muito melhor, fruto da vacinação que já atinge mais de 70% da população com as duas doses. Isso, segundo ele, contribuiu até mesmo para reduzir o impacto da variante Delta (de origem indiana) que chegou a região. “Esse momento que estamos vivendo, de alívio, é devido a adesão da população à vacinação. Não podemos baixar a guarda”, alertou. 18 de outubro é o Dia do Médico e para o médico Márcio Gaggini é Dia de Gratidão. “Não me vejo em outra profissão, se nascesse outras vezes, escolheria ser médico. Sou agradecido pelo reconhecimento das pessoas em relação ao trabalho médico”, assinala. Leia a entrevista:

Podemos dizer que o pior da pandemia já passou?
É difícil falar isso em relação a Covid-19, é um inimigo perigoso, já tomamos vários sustos, era só baixar um pouco a guarda e ela voltava com força total. Isso aconteceu umas quatro a cinco vezes durante toda essa pandemia. Só que agora, é uma situação bem diferente. O que traz um pouco mais de alívio é a quantidade de pessoas já vacinadas, o que mostra um quadro diferente. Mas, falar que já ganhamos a guerra é um pouco cedo. Mas, que estamos em momento muito melhor isso é fato e se deve a adesão da população na vacinação que foi excelente. Nosso município foi um dos melhores na vacinação na região e isso, graças à população, que entendeu e aderiu a vacina. Por isso, a gente lembra, principalmente quem ainda não tomou a segunda dose da vacina, que procure completar a vacinação para ter uma proteção total. 

Quem ainda estava incrédulo em relação a vacina, o resultado mostra a eficácia da vacinação?
O nosso maior medo era a variante Delta quando chegasse por aqui e causasse ainda mais problemas. E ela já chegou no Estado de São Paulo e na região, mas não teve muito impacto, provavelmente, a gente imagina, pelo fato de grande parte da população já estar vacinada. Hoje temos quase 90% com uma dose e cerca de 70% com a vacinação completa, fora os que já tomaram a terceira dose. Além dessa situação da vacinação, tivemos grande número de pessoas que entrou em contato com o vírus e de forma recente, próximo da chegada da variante Delta. Tivemos dois picos grandes de casos, em março e junho/julho. A gente imagina que essas duas situações criaram uma situação inadequada para a variante Delta. Espero que seja isso mesmo, mas não podemos diminuir a nossa responsabilidade em relação ao uso de máscaras e não ficar aglomerando muito. 

"A Covid é um inimigo perigoso e falar que já ganhamos a guerra é um pouco cedo, temos que ter prudência"

Já há alguns movimentos pela flexibilização da máscara ao ar livre. Qual a sua opinião?
Em locais abertos, se não tiver aglomeração, acho que já teria uma segurança para quem já tomou as duas doses da vacina. Agora, locais fechados, com a aglomeração creio que deveria permanecer por algum tempo, por segurança. Tivemos alguns exemplos no mundo, Estados Unidos e Israel, que na minha opinião, precipitaram na retirada da máscara. Vejam que os Estados Unidos voltaram a ter maior número de óbitos e de diagnósticos no mundo, como foi o caso de Israel também. Já estamos acostumados com a máscara e continuar por mais alguns meses para ter o controle de vez da pandemia é uma questão de prudência, até porque a variante Delta está entre nós e não sabemos se pode surgir nova variante. Esse é o nosso maior medo.

Como médico que acompanha a pandemia desde o início, como o senhor definiria essa experiência que viveu?
Outro dia conversava com o pessoal de enfermagem do hospital e eles comentaram que tinham assistido uma palestra que proferi alguns anos atrás onde dizia que, como infectologista, gostaria de vivenciar uma pandemia. Era uma vontade que tinha na época. Mas, se soubesse que iriamos ter uma pandemia tão devastadora como essa, não usaria essa palavra. Foi muito desgastante para todos. Hoje, vendo o que está acontecendo, a situação melhorando, parece que era um sonho que estava distante, porque sempre que a gente acreditava que estava terminando a pandemia, ela vinha com uma nova variante e começava tudo de novo, com internações, superlotação, de óbitos. Foi tudo muito triste. Tudo que a gente passou e vendo hoje com poucas internações, mostra que a vacinação está sendo eficaz em relação a internação e aos casos graves. Por isso, por tudo que já passamos, ainda é momento de se ter muita prudência. Não dá para comemorar que a pandemia terminou, porque ainda não terminou. Estamos caminhando para o fim, mas ainda é difícil saber quando vamos poder comemorar isso. O prognóstico é positivo.


"É assustador olhar para traz e ver o que passamos, o quanto a pandemia foi devastadora"

O enfrentamento da pandemia exigiu muitos desafios, porque o mundo não estava preparado para enfrentar uma situação como essa. Por isso o desgaste?
Agora que estou trabalhando normalmente, porque meses atrás estávamos trabalhando muito diante do volume de casos e de exigência da pandemia. É assustador olhar para traz e ver o que passamos, o quanto a pandemia foi devastadora e afetou até mesmo cuidados com outras doenças que acabaram sendo ainda mais negligenciadas. Agora teremos que correr atrás para recuperar os prejuízos, com medo de voltar tudo que a gente passou na pandemia. 

Muitos que passaram pela Covid enfrentam sequelas e isso está refletindo no atendimento do Cadip?
São muitas as pessoas que estão vivenciando sequelas precisando de fisioterapia pela gravidade da doença. Conseguimos dar um atendimento digno com a equipe na Secretaria de Esportes e tem a equipe de fisioterapia do Cadip que faz um trabalho sensacional para ajudar esses pacientes que enfrentam as dificuldades do pós-covid. Essa é outra situação que teremos que conviver. Eu fiquei internado uma semana, não precisei de intubação, perto do que eu vejo o que ocorre com alguns pacientes que ficaram intubados por muito tempo e conseguirem sair do hospital, não tem como não causar um trauma. São pacientes vencedores, verdadeiros heróis, porque conseguiram passar por tudo isso e estão lutando ainda para ter uma qualidade de vida melhor.

"Estamos caminhando para o fim da pandemia, mas não sabemos quando vamos poder comemorar. O prognóstico é positivo"

Em algum momento o senhor chegou a perder esperança nessa guerra contra a Covid?
O pior momento que vivenciamos foi em março. Estava de plantão num final de semana e, infelizmente, estávamos com a UTI da Santa Casa superlotada, a enfermaria lotada e a UPA com 28 pacientes tentando leito. Foi um momento difícil, mas que revelou a solidariedade. Foram momentos tristes, de chegar em casa, achando que ia ser incapaz de superar tudo isso. Mas, foi também gratificante ver o quanto o ser humano é capaz de ajudar o outro, o que a equipe da UPA e do hospital fizeram naquele momento para vencer aquela dificuldade terrível. Teve um dia, de livre e espontânea vontade, a equipe do hospital saiu do serviço e apesar de bem desgastada, foi ajudar a equipe da UPA no final de semana no cuidado aos pacientes. Juntos conseguimos superar aquele momento. Foi uma guerra, buscamos sempre dar o melhor de nós. 

Dia 18 (segunda-feira) é Dia do Médico. Como o senhor se sente como profissional da medicina, vivenciando essa pandemia?
Eu sou uma pessoa muita agradecida a Deus por ter escolhido essa profissão. Não me vejo em outra profissão, se nascesse outras vezes, escolheria ser médico. Sou agradecido pelo reconhecimento das pessoas em relação ao trabalho médico. Não tenho palavras para agradecer esse reconhecimento pela população por tudo que fizemos. Esse reconhecimento é a melhor parte de ser médico, isso faz parte da nossa história. Por isso sou muito grato. 

Que mensagem deixa à população?
Estamos num momento de reta final, estamos torcendo para isso, mas o que vai ajudar mesmo é manter os cuidados, como o uso da máscara, neste final de ano, tentar evitar grandes aglomerações sem a proteção. Fazendo isso não vamos prejudicar quem já foi muito prejudicado na pandemia, que é a questão da economia. E também não queremos que mais famílias sofram perdas irreparáveis de pessoas queridas que se foram nessa pandemia. Peço principalmente aqueles que estão com a vacina atrasada que procurem colocar em dia a vacinação. Quanto mais pessoas vacinadas, mais segurança teremos.

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