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Amor incondicional



Amor incondicional
Pedrinho e Augusto:

Amor incondicional significa amor pleno, completo, absoluto, que não impõe condições ou limites para se amar. O amor incondicional  é generoso, altruísta e infinito. Essa é uma das definições que pode  ser encontrada na internet sobre amor incondicional. 
E na vida real? É possível encontrar esse amor incondicional em todas as suas definições? Sim, os exemplos estão por ai e muitas vezes acabam invisíveis aos olhos humanos. Por traz de um exemplo de amor incondicional, sempre tem um coração de mãe, um coração de pai, corações que abrem mão de sonhos pessoais em prol de uma causa. 
A vida do casal Elen de Freitas Costa, 40 anos, e Pedro Donizete Cassiano Rosa, 45 anos, é o exemplo real desse amor incondicional. De amigos na juventude, Elen e Pedro partiram para uma relação mais séria, o casamento, com uma condição, entre outras, imposta por Elen: adotar uma criança. Enquanto aguardavam na fila o momento da adoção, o casal viu chegar Augusto. O amor incondicional foi posto à prova, quando Elen recebeu um telefonema, dizendo que tinha uma criança precisando de um lar, de uma família. Era Pedrinho, um bebê que veio ao mundo com necessidades especiais. Foi um encontro de almas. Uma história de emoções e verdades, retratada nesta entrevista especial para CIDADÃO. Quer conhecer a definição literal de “amor incondicional”? Leia a entrevista com a mãe-enfermeira, Elen:

Em que momento descobriu o desejo de ser mãe adotiva?
Na minha adolescência sempre quis que a minha mãe adotasse uma criança. Quando comecei a namorar o Pedro, eu tinha muito medo de relacionamento sério, medo de não saber como lidar com isso. Era muito na minha, muito fechada, mas, eu me lembro que, quando ele chegou e disse, ou a gente namora ou a gente namora, eu disse que tinha algumas condições. Dentre essas condições, que ele não fumasse, que eu sempre teria animais na minha casa, porque a vida inteira eu tive e ele teria que entender isso, que se ele fosse para o bar com os amigos eu também teria o mesmo direito com meus amigos e que um dia eu adotaria uma criança. Ali, foi o prelúdio de ser mãe. Agora, a mãe que gera, que dá a luz, não pensava nisso. Muitas vezes cheguei a dizer que não seria mãe biológica e muitas pessoas acreditavam até que eu não pudesse gerar, que já tivesse uma desconfiança, mas que não admitia isso, o que nunca aconteceu. Acho que ali estava enraizado que de alguma forma eu seria mãe.
Como você define a experiência de ser mãe em dose dupla: biológica e adotiva?
Não existe diferença. A adoção, em geral, tem que ser de coração, de alma, por empatia, de entender que o ser humano é formado dentro de um ventre, independentemente de ser seu ou não, ele vem com uma história. O meu filho, no caso adotivo, ele não pode pedir, as vezes compreender a história dele, mas ela é contada sempre, desde o primeiro momento. O que existe é essa história, de eu poder contar para as pessoas que uma família ama verdadeiramente duas crianças, independente delas serem de sangue ou adotiva. Eles (Augusto e Pedrinho) se reconhecem como irmãos. O meu marido reconhece tanto o Pedro quanto o Augusto, como seus filhos. Isso pra mim é muito precioso. As vezes para as mulheres é mais fácil amar e se entregar do que o homem, justamente porque elas geram, porque anseiam por isso. No meu caso, sinto muito orgulho e uma privilegiada em poder presenciar essa devoção, essa dedicação que meu marido tem pelo Pedrinho. 

"A minha vontade sempre foi dar um lar para uma criança que precisasse. Então, não foi muito difícil nos apaixonar pelo Pedrinho"

A escolha do nome Pedro foi uma referência ao marido?
O Pedro já veio com esse nome, dado pela mãe biológica e a pedido do meu marido a gente não trocou. O meu filho Augusto foi sugerido que se chamasse Pedro Augusto, mas achei que ia ser muito Pedro na minha vida. Tem coisas que não dá para fugir. Saber que o nome dele era Pedro, assim que cheguei para conhece-lo foi uma surpresa muito grande para mim e para o meu marido, o Pedro pai, como costumo chamá-lo. 

Quem nasceu primeiro, o Augusto ou o Pedrinho?
Cronologicamente falando, o Augusto nasceu primeiro. Ele é de junho de 2010 e o Pedrinho nasceu em novembro de 2011. Mas o processo do Pedrinho começa bem antes da chegada do Augusto. A adoção começa bem antes. Conforme o tempo foi passando e como a adoção era um desejo, acabei optando por engravidar. O meu plano era adotar primeiro e depois engravidar. Era um desejo meu, não havia motivo especifico, mas Deus faz as coisas muito bem, porque tendo o Augusto, passando pela experiência da maternidade, quando fui chamada para conhecer o Pedrinho, não tive dúvidas. Não posso dizer que foi amor logo de cara, não posso dizer que foi por curiosidade, por pena. Foi uma mistura de todos os sentimentos de ser humano, voltado para outro ser humano que estava ali precisando de um lar. E a minha vontade sempre foi dar um lar para uma criança que precisasse. Então, não foi muito difícil nos apaixonar pelo Pedrinho e não compreender porque tantas famílias tinham dito não para ele. 
Sabemos que o processo de adoção é demorado e geralmente, os pais adotivos preferem crianças brancas, ainda nos primeiros anos de vida. Mas vocês adotaram uma criança com deficiência. Por quê?
Não foi uma escolha adotar uma criança com deficiência no primeiro momento. Não foi. O processo de adoção é muito rigoroso e você escolhe até a cor do cabelo, do olho, se você aceita isso, não aceita aquilo. É uma coisa muito dolorosa quando se vai responder um questionário desse. Confesso que as únicas opções que a gente tinha colocado era que não queríamos uma criança com deficiência e, se pudéssemos, gostaríamos que fosse uma menina, porque tinha certeza que teríamos um menino. Então queria adotar uma menina Quando recebi a ligação sobre o Pedrinho foi que soube que era uma criança diferente, contrário de tudo aquilo que tinha desenhado naquele papel, naquelas perguntas. Era um recém-nascido, branco, sexo masculino, que vinha de outra comarca. Naquele telefonema eu soube que tinha uma criança com necessidades especiais precisando de um lar. Ali, naquele telefonema, está a primeira decisão: quero te conhecer. A segunda decisão foi de ligar para minha mãe pra saber o que ela achava, porque ali eu soube que ele tinha alguma coisa, mas não sabia o quê. E a terceira, foi comunicar o Pedro pai se nós podíamos conhece-lo. Quando eu vou com a minha mãe conhecer o Pedrinho e a gente entra na UTI Neonatal de Jales, eu vejo aquele menininho, que tantas famílias já tinham passado por ele, que tantas famílias tinham lhe negado o direito de ter um lar, ali eu soube que iria sofrer muito se o meu marido também negasse. Por que no meu coração, ali eu soube junto com a minha mãe, que de alguma forma ele já era nosso. E soube que não ia ser mãe de uma menina, ia ser mãe de mais um menino e que adoção era isso. Adoção é você adotar aquilo que é precioso, que precisa de você. Adotar uma criança não é você colocar nela características que você quer, A adoção é você olhar e se entregar. Foi o que a gente fez com ele. Eu falo, por experiência, que você saber o caminho que vai trilhar é uma coisa, trilhar esse caminho é outra. Digo isso, porque passei o final de semana inteiro escolhendo nome porque queria mudar o nome dele. E o Pedro pai não ficou sabendo. Ele só soube que o Pedrinho tinha o mesmo nome que ele na segunda-feira, quando fomos conhece-lo. E lá, ele conversou individualmente com a juíza, depois fui eu e depois nós dois juntos. E ele falou uma coisa que eu nunca quero esquecer; se eu tinha certeza que queria fazer isso, porque ali estava uma criança que precisava de um lar. Na terça-feira, eu me internei com o Pedrinho no hospital em Jales e na quarta-feira eu autorizei uma gastrostomia, que é uma cirurgia para se alimentar direto no estomago, porque o Pedrinho não suga, o que amedrontava a maioria dos casais. Isso não me amedrontou, porque sabia o que era, por isso a importância da enfermagem na minha vida. Fiquei quase duas semanas com ele em Jales, onde o meu marido atravessava dia sim, dia não, de Votuporanga, onde ele trabalha, até Jales, e a noite voltava para Fernandópolis. Minha mãe ficou cuidando do meu filho de 1 ano e seis meses. Na época a gente tinha uma outra criança na minha família, que tinha perdido a mãe e que minha mãe tinha assumido também cuidar dele, a pedido da mãe antes de falecer. Então nós tínhamos três bebês, um de 1 anos e 6 meses, um outro de oito meses e o Pedrinho de dois meses. Foi uma loucura que nos fez muito bem e nos ensinou muito.
O que mudou na sua vida pessoal e profissional com a chegada do Pedrinho?
Minha vida mudou totalmente, deu um giro de 180 graus. Do dia para a noite estava com duas crianças, dois bebês, não voltei a trabalhar. A Elen toda arrumadinha, que usava salto, vaidosa, passou a ser uma Elen que não dormia, porque tinha uma criança que chorava muito, com 15 pontos na barriga e que precisava ser alimentada pela barriga. Uma criança que chorava só de uma maneira, não tinha lágrimas. Minha vida mudou de uma tal maneira que não sei dizer como a gente conseguiu passar por isso, superar tantas dificuldades. Tivemos que aprender do zero. Nossa rotina passou a ser médicos, terapia ocupacional, fono, fisio, medicações, encaminhamentos, fui aprendendo o que é o SUS, descobrindo janelas quando portas eram fechadas, conhecendo anjos e como eles são preciosos. Se me arrependo? De forma alguma. Deixei de crescer como profissional, para crescer como ser humano. Ele (Pedrinho) me ensinou que temos que valorizar o que temos perto da gente. 

"A adoção tem que ser de coração, de alma, por empatia, de entender que o ser humano é formado dentro de um ventre"

Como você e seu esposo chegaram ao consenso sobre a adoção do Pedrinho?
No fim de semana, antes de irmos conversar com a juíza, eu expliquei tudo a ele o que sabia sobre a paralisia cerebral, embora ainda não tivesse um diagnóstico fechado e ainda hoje não tem, eles colocam como “diagnóstico não fechado”. A paralisia do Pedrinho é leucomalacia periventricular bilateral. A decisão foi nossa, dos meus pais e dos pais do Pedro. Por que? A gente sabia que iria precisar da ajuda de todo mundo. O Pedro me perguntou: Você tem certeza? É um desejo seu, que vai ser meu, mas você não poderá voltar a trabalhar, vai continuar dependendo de mim? E sei que você não gosta disso. Eu precisei pegar o Pedrinho no colo, sentir o seu calor. O Pedro não, ele não precisou nem pegá-lo no colo. 
Você falou de anjos na sua vida. Quem são eles?
São as pessoas que sempre estendem a mão, fazem uma oração, ligam para perguntar e dizem que estão para o que precisar. Pessoas que arrumam uma consulta, médico, cirurgia, medicação, contribuem para o bem-estar dele. Sou muito grata as nossas famílias, às pessoas que apareceram no decorrer desses anos na nossa vida, que de alguma forma ajudaram pela sobrevivência dele. Pedrinho é muito amado, muito querido. Ele faz festa, ele é muito bem recebido onde a gente vai. Agradecer a Deus que dá forças a mim, ao meu marido que batalha no trabalho, enquanto fico em casa para cuidar deles. E vejo quanto isso faz diferença na vida do Pedro, do Pedrinho e do Augusto.

"Eu abdiquei de uma vida profissional, mas o meu crescimento como ser humano é muito maior"

E de que forma essa experiência de ser mãe biológica e adotiva te ensinou sobre a vida e, especialmente, sobre amor incondicional?
Amor de mãe é verdadeiro, é, de fato, o amor incondicional, não tem diferença dos meus filhos. Acho até estranho dizer que um é adotivo e outro biológico. De alguma forma a gente adota os dois. Eu abdiquei de uma vida profissional, mas o meu crescimento como ser humano é muito maior. Eu acho que empatia, essa palavra que veio agora em tempo de pandemia, veio pra ficar. Sempre usei ela, de você se colocar no lugar da outra pessoa. É isso que o Pedrinho e o Augusto me ensinam, todos os dias, me colocar no lugar deles para tentar entender o que cada um sente.

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