A frase é da desembargadora e presidente do Tribunal Regional Federal – 3ª Região – Marisa Ferreira Santos, presente no Ação Cidadã Noroeste – por um
mundo melhor – que aconteceu na quarta e quinta-feira na praça Joaquim Antônio Pereira, quando mais de 30 serviços foram prestados gratuitamente à população. A abertura do evento ocorreu exatamente no Dia Internacional da Mulher – 8 de março – que levou a desembargadora a apontar os avanços da sociedade em relação ao trabalho da mulher. Como Chefe do Poder Judiciário Federal nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul ela disse ter enfrentado uma certa discriminação no passado. “Hoje não, tanto que fui eleita presidente com votos também dos homens”, afirmou na entrevista que concedeu ao jornal CIDADÃO e Rádio Difusora FM. “Estamos evoluindo”, enfatizou a desembargadora, ao citar que na promoção que ocorrerá no TRF-3 nos próximos dias são três mulheres que concorrem. “Elas foram escolhidas para concorrer e nem se levantou a questão se eram mulheres ou homens. Como essa questão nem foi colocada é que percebemos que andamos 100 anos num dia”. Ela comentou ainda a dificuldade histórica da mulher, maioria na população, ainda ser pouco representada nos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário. “Está mudando”, avisou. Leia a entrevista:
O que move o TRF-3 organizar eventos de cidadania em praça pública?
Nós estamos cumprindo uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que determina que todos os tribunais do país tenham ações voltadas para as populações vulneráveis. Começamos fazendo em São Paulo na praça da Sé, foram dois eventos onde atendemos cerca de 20 mil pessoas. Agora estamos vindo para o interior do estado de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. Chegamos a Fernandópolis que está sob a jurisdição da Justiça Federal de Jales onde também estamos atendendo os municípios vizinhos.
Esse primeiro evento é uma espécie de teste para eventos similares em outras cidades?
Sim. O que nós pretendemos é levar cidadania a quem precisa. Percebemos que quando junta tanta gente interessadas nesses serviços é porque existe uma carência. Procuramos atender a pessoa na sua necessidade, por isso essa gama de serviços que prestados por diferentes instituições que aderiram a esse projeto. O resultado é maravilhoso.
"Quando a gente traz esses serviços para a praça pública, cumprimos a função social da Justiça"
Essas ações de cidadania mostram que ainda falta chegar conhecimento e informação para que ela conheça seus direitos básicos?
Sem dúvida, o problema da população vulnerável é que ela tem dificuldade de acessar o próprio prédio onde o serviço é prestado. Quando a gente traz o serviço para a praça pública, ela acaba tendo sua necessidade sanada. Cumprimos então a função social da Justiça. Temos pessoas em situação de rua que não conseguem acessar os serviços básicos porque não dispõem de documentos. Com esta ação, colocamos ele a par dos seus direitos e procuramos atende-lo na sua necessidade básica.
A mulher seria a parte mais vulnerável e que precisa desse atendimento?
Ela não tem nem tempo de ter essa informação. Então, quando ela vem aqui é esclarecida dos seus direitos, da sua documentação, principalmente da questão previdenciária, porque normalmente uma mãe de família que passa a vida cuidando da casa, quando fica idosa não tem uma aposentadoria. E hoje ela pode ter. A legislação permite isso, facilitou muito para que a dona de casa, que não trabalha fora, consiga ter seu benefício. É o típico esclarecimento que é fornecido aqui, em um evento como esse.
A Justiça Federal não está em todas as cidades e esse evento é uma forma dela se fazer presente na vida da população?
Exatamente isso. Não estamos e dificilmente estaremos em todos os municípios do Brasil, pelo tipo de causa que a Justiça Federal julga. As questões como violência doméstica, pensão alimentícia, inventários, vão para a Justiça Estadual. Para a Justiça Federal chegam as causas federais que envolvem órgãos como Receita Federal, INSS, entre outras. Mas, nós podemos vir aqui e é o que temos feito com muito sucesso. A Justiça Federal de Jales abrange uma região muito grande que incluem cidades como Fernandópolis e Santa Fé do Sul.
"Daqui 30 anos, certamente, nós mulheres seremos 50% ou mais na magistratura e também no legislativo"
A mulher é maioria na população, no número de eleitoras, mas ainda não é maioria nos Poderes da República, incluindo o Judiciário onde ela representa 38% dos juízes. O que falta para a mulher assumir lugar de destaque nos três poderes?
As mulheres têm realmente essa dificuldade histórica de chegar. Não faz tanto tempo assim, não tem nem 100 anos que nós temos direito ao voto. Até 1979, a mulher para ter uma conta bancaria ela precisava de autorização do marido e, se não fosse casa, precisava da autorização do pai. Hoje isso mudou. São lutas, mas apontar assim sobre uma carreira é apenas a ponta do iceberg. O problema é na base. Mulher é que para primeiro de estudar porque vai cuidar dos filhos, da família. Isso vai acontecendo em todos os níveis. O que acontece hoje na Magistratura, esse índice de 38% é um número muito otimista. As mulheres estão chegando agora, porque a mentalidade do mundo está mudando, os homens estão mais colaborativos, dividindo mais as tarefas, ajudando a cuidar dos filhos que não fica só por conta da mãe. Mas, isso é agora. As mulheres da minha geração não tiveram isso. A gente tinha que fazer tudo e, estudar, e trabalhar e tentar uma carreira. Hoje é diferente, daqui 30 anos certamente seremos 50% ou mais na magistratura, nas carreiras públicas e também no legislativo.
A senhora no comando do Tribunal Regional Federal – 3, que é o maior do Brasil, encontra alguma resistência ou preconceito por ser mulher?
Já senti, hoje não, tanto que fui eleita para a presidência. Os homens também votaram em mim. Haverá uma promoção nos próximos dias em que concorrem três mulheres e elas foram escolhidas para concorrer e nem se levantou a questão se eram mulheres ou homens. Ninguém se preocupou com isso. Estamos evoluindo. Depois que a lista de promoção foi formada e tinha três mulheres é que fomos nos ater e perceber que foi a primeira vez que isso acontece no Brasil. Na Justiça Federal, pelo menos aqui na terceira região que é São Paulo e Mato Grosso do Sul, essa discriminação está sendo dissolvida, lentamente, mas está. A maior prova é que sou a sexta mulher a ser eleita presidente e tem três mulheres sendo escolhidas para serem promovidas por merecimento. Não se considerou o fato de serem homens ou mulheres, negros ou brancos.
O problema se resolve quando essa condição não é colocada, não?
Exatamente. Como essa questão nem foi colocada é que percebemos que andamos 100 anos num dia. Foi algo que só nos demos conta depois.
"A carreira da magistratura já não é mais atraente como antigamente. Na terceira região faltam 109 juízes"
Como chefe do Poder Judiciário Federal no Estado, a senhora percebe que a população ainda tem dificuldade de enxergar no poder judiciário como local onde ela será socorrida em sua demanda?
Acho que nem sempre ela encontra por conta da grande demanda que a gente tem. Aqui na terceira região faltam 109 juízes. A carreira da magistratura já não é mais atraente como antigamente por conta de remuneração e uma série de outras questões. E a gente tem um acervo muito grande de ações. O que vem parar no judiciário demora para ser resolvido, mas não é porque não se trabalha. É só olhar o que ocorre aqui onde estão vários juízes voluntários trabalhando e tentando resolver demandas. Temos um acúmulo muito grande de processos e isso piorou muito na pandemia.
Esse é o maior dilema da Justiça?
É o maior dilema. Enquanto não tivermos um quadro completo de juízes é difícil realizar um trabalho satisfatório. Fazemos vários concursos, mas passam 20, 30, não conseguimos preencher as 109 vagas.