A frase é de Milton Edgard Leão, 74 anos, prefeito na época em que Fernandópolis aprovou sua nova Lei Orgânica com base na nova Constituição promulgada em 1988 e criou o regime estatutário no serviço público que deu origem ao Iprem – Instituto de Previdência Municipal. Era o seu segundo mandato de prefeito (89 a 92). “Pintavam como se fosse a grande solução, porque, imaginava-se que com os cofres públicos assumindo a previdência do servidor público, seria uma nova era”, disse nesta entrevista.
Ao ler a edição passada de CIDADÃO, quando o economista e ex-secretário de Planejamento Edson Damasceno fez o alerta de que as dívidas de médio e longo prazos da Prefeitura chegam a quase meio bilhão de reais e compromete o futuro da cidade até 2053, exclamou: “Isso é assustador”.
Passados mais de 30 anos dessa iniciativa, Leão diz que não imaginava que o sistema “revolucionário” viesse se transformar em “bola de neve” para o município, comprometendo seu futuro. Todavia, o ex-prefeito faz críticas a gestões que passaram pela prefeitura. “Muitos prefeitos esqueceram que aquilo lá (o Iprem) era uma despesa que precisava ser paga todo mês para que aquele funcionário que está ali trabalhando pudesse se aposentar ao cumprir seu tempo”, disse. Ele considera assustador o quadro retratado pelo ex-secretário de Planejamento da prefeitura, Edson Damasceno e propõe unidade de esforços para buscar a solução. Leia a entrevista:
O senhor era prefeito na época pós promulgação da Constituição de 88 que estabelecia aos municípios a responsabilidade de criar seu regime próprio de previdência, o que ocorreu em seu governo. Como foi?
Nessa época, após a promulgação da Constituição Federal foi preciso criar a Lei Orgânica dos Municípios, assim como as constituições estaduais. A nova Constituição indicava que os funcionários pagos pelos cofres públicos passassem para o regime estatutário, ou seja, não haveria mais o funcionário celetista, contratado pelo regime da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. Então, na época, tivemos que criar a Constituição Municipal (Lei Orgânica), implantar o regime estatutário e fazer concurso para os funcionários da prefeitura para ingressarem no novo regime.
"O novo regime veio como solução para o problema de cabide de empregos nas prefeituras"
Nenhum funcionário era concursado na época?
Não, nenhum funcionário era concursado, ninguém era efetivo. Esses funcionários tiveram que prestar concurso, passar por um regime probatório de dois anos, para ter estabilidade. Os novos cargos que foram surgindo foram preenchidos com concursos, para advogado, para médicos, dentistas, enfermeiros, etc. Como prefeito, eu vivi a implantação da nova constituição e dos primeiros funcionários do regime estatutário da prefeitura e que hoje já estão aposentados pelo Iprem que foi uma imposição da nova Constituição da República.
Naquela época se anunciava o Iprem como revolução no serviço público?
Exatamente, pintavam como se fosse a grande solução, porque, imaginava-se que com os cofres públicos assumindo a previdência do servidor público, seria uma nova era. Acreditava-se que os municípios estariam preparados para a gestão. De fato, naquele momento, a prefeitura tinha essa condição. Lembro que ainda repassava o valor para o Iprem na data aprazada. Mas, com o tempo, o inchaço da máquina pública, o compadrio, a politicalha que tanto prejudica, acabou comprometendo a situação até chegar esse ponto. Além disso, nossa cidade foi perdendo nesse tempo suas maiores indústrias, o Frigorifico Vale do Rio Grande, a WTW, Faleg, Curtume Fasolo, indústrias que impulsionavam o desenvolvimento. Hoje a nossa cidade vive do comércio, que resiste bravamente até mesmo à pandemia do coronavírus, e das nossas faculdades, que precisamos vê-las cada mais ativadas, como exemplo a nossa Fundação Educacional, quando criamos o curso de Enfermagem e Obstetrícia. Depois inventou-se muita coisa em cima da FEF o que tornou a dívida insuportável, mal caminho para as coisas. Então, vejam o prejuízo enorme para a economia da nossa cidade.
Isso tudo dá causa a falta de capacidade da prefeitura para ser o motor do desenvolvimento da cidade, gerando a estagnação?
Realmente o poder público está sem essa capacidade, sem receita. Mas, preocupa também que neste momento deveríamos estar focados em projetos geradores de emprego. Veja o descaso que houve todo esse período com nossos distritos industriais, tanto os antigos quanto os criados depois, como o atual que está surgindo a caminho de Meridiano. Essa incapacidade de geração de novos empregos é que nos preocupa, num momento que se faz muita obra em duplicidade, que não se define prioridade, uma liderança de atuação e incentivo para atrair novos empreendimentos. Acho que não seria momento de derrubar rodoviária, construir rodoviária, reconstruir pela quarta vez a praça central. Isso não deveria ser a prioridade absoluta. A prioridade do povo é outra, é por empregos. Faltam estímulos. Veja a preocupação que as notícias sobre a faculdade de Medicina geraram, porque sabemos que a cidade depende hoje dos estudantes de fora que ajudam impulsionar a nossa Fernandópolis. O Edson (Damasceno) foi preciso, quando afirma que é hora de todos sentarem e conversar sobre o futuro da cidade, buscar uma solução única.
"Eu sou apavorado com o sofrimento que a nossa cidade poderá passar se não tiver muito juízo"
Quando o senhor, ainda prefeito, assinou o projeto para criação do Iprem, imaginou que 30 anos depois, estaria discutindo esse problema?
Nunca imaginei isso, porque muito foi desvirtuado ao longo do tempo em relação aos compromissos da prefeitura. Muitos prefeitos esqueceram que aquilo lá (o Iprem) era uma despesa que precisava ser paga todo mês para que aquele funcionário que está ali trabalhando pudesse se aposentar ao cumprir seu tempo. Não vimos responsabilidade em muitas lideranças em respeito às nossas instituições e nossa população.
Não é o caso de demonizar o Iprem?
Não, o Iprem representa o interesse de milhares de famílias. Além disso, o instituto foi uma proposta aceita pelas lideranças, pelas Câmaras da época e pelo povo, como solução do problema de cabide de empregos nas prefeituras. O Iprem também tem seus desvios, compra prédios e paga funcionários muito caros. Tem coisas que precisam ser corrigidas.
Conselheiro do Tribunal de Contas chegou a sugerir que Fernandópolis possa pensar em retornar ao Regime Geral da Previdência, abrindo mão do Instituto de Previdência Municipal. Acha viável?
Vejo muita dificuldade nisso. A própria Previdência enfrenta seus problemas, tem mais de 2 milhões de pessoas na fila esperando aposentadoria. Como você vai chegar no Ministro e convencê-lo a aceitar de volta o Iprem, com os prédios que recebeu das dívidas? Temos que buscar um acordo. Acho um quadro difícil de se viabilizar.
Esse comprometimento da cidade pelos próximos 35 anos com uma dívida de médio e longo prazos da ordem de meio bilhão de reais, é assustador?
Não sou especialista em economia, mas quando vi o Edson Damasceno falando daqueles números, realmente é assustador. É terrível e dá muito medo. Isso causa extrema preocupação, não apenas porque sou carimbado de nascimento, de casamento, de filhos, netos, de pai que traçou as ruas de Fernandópolis. Eu sou apavorado com o sofrimento que a nossa cidade poderá passar se não tiver muito juízo. Temos que pensar seriamente que, se tivermos que pagar essa dívida nesses termos, não há receita e haverá muitas dificuldades.
Sem uma solução acordada, a cidade vai sofrer?
Vai sofrer muito. Não só porque se trata de uma dívida impagável, mas principalmente porque ela tolhe a existência de quaisquer outros projetos que poderiam assegurar uma atividade de progresso para a nossa cidade.
Esse ano teremos eleições municipais. Qual o cenário que o ser visualiza diante dessa situação que foi exposta pelo ex-secretário de planejamento?
Temos que entender a mensagem que o Damasceno quis passar, de que é necessário um trabalho conjunto, de muitas cabeças pensando, para assumir compromissos e um planejamento para que todos possam cumprir e fiscalizar o seu cumprimento. Isso é a forma de se tentar dar viabilidade ao futuro da nossa cidade. O diálogo é a única forma para buscar o consenso em torno de um esforço comum, unindo todas as forças.
"O diálogo é a única forma para buscar o consenso em torno de um esforço comum, unindo todas as forças"
Damasceno chega a expor seu pensamento em torno de candidatura única e de um plano de longo prazo para tirar a cidade dessa arapuca. Acha viável candidatura única?
Acho difícil, porque sempre haverá sonhos antigos que querem ser realizados, sempre haverá aqueles sonhos de pessoas que lutaram e se prepararam para isso. É tolher uma iniciativa que não pode ser impedida. Acho sim, que mesmo numa disputa, ao final aquele que vencer terá que conversar com todos para ajudá-lo a tocar o barco. Sozinho ele não conseguirá superar essa realidade. Eu não queria passar a imagem de pessimista, mas a gente está tão chocado, decepcionado com situações em nível nacional e até estadual. Com a aproximação da eleição, o diálogo vai ficando mais complicado. Por isso, entendo ser difícil pensar em candidatura única. Mas, eu quero lembrar da imagem que o José Pontes, Moacir Molina e tantos outros criaram quando me procuraram para me ajudar, e ajudaram, com a criação da Associação de Amigos. É preciso que aquela imagem volte para ajudar Fernandópolis e não algum candidato.
Diante deste cenário, qual deve ser a postura dos candidatos, tanto a prefeito, quanto a vereador, para quebrar o pessimismo que domina o eleitor?
Acho que tem que ser o discurso da realidade, não fugir dos problemas que temos pela frente. Discurso de ter o compromisso sério em ouvir a comunidade, as lideranças, para investir o pouco recurso que tem. Na verdade não tem, terá que contrair em dívidas. Enfrentar a realidade é o primeiro passo. Depois, outros atributos, como responsabilidade, liderança, moral e estofo necessário para enfrentar essa situação.
Aos 74 anos, já pendurou as chuteiras políticas?
Ah, sim. Não teria mais condições, até gosto de política, não me furto participar, mas oferecer o meu nome a julgamento das urnas, não há mais possibilidade. Já tive a oportunidade de servir (como vereador e duas vezes prefeito) e creio que fiz com o maior esforço possível, cumpri minha cota. Mas, não me furtarei em dar palpites.
Nesse momento crucial para Fernandópolis, qual mensagem deixa para políticos e população?
O recado é que temos que continuar acreditando que existem homens honestos, que existe honradez e que é preciso diminuir o egoísmo pessoal. Nós, como povo, temos que ajudar, mas também punir quando houver desvio de conduta.