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“As pessoas ainda resistem em cuidar da saúde mental”



“As pessoas ainda resistem em cuidar da saúde mental”

Nesta semana, o surfista tricampeão mundial Gabriel Medina anunciou que não vai disputar as duas primeiras etapas do circuito mundial para cuidar da saúde mental. A decisão foi taxada de “ato de coragem”. Os personagens preocupados com a saúde mental só trocam de nome a cada semana. A demanda da saúde mental só cresce. Principalmente por conta da pandemia da Covid-19, alerta a médica psiquiatra Dra. Camila Sampaio, ao falar do “janeiro branco”, mês dedicado ao tema. “As pessoas ainda resistem em cuidar da saúde mental. No começo do ano as pessoas fazem planos, estabelecem metas. Precisamos colocar nessa folha em branco também como objetivo cuidar da saúde mental”, diz.

Médica formada em 2010, “nascida, criada, crescida e formada em Fernandópolis”, como diz, ela atua desde a formatura em PSF – Programa Saúde da Família. “Vendo a demanda na saúde mental crescer tanto, busquei especialização em psiquiatria. O meu foco é a saúde mental”. A entrevista é um alerta para esse cuidado, além de desmistificar que psiquiatra é médico de louco e chamar a atenção para o autoconhecimento. Leia

Qual a importância de se falar sobre o “janeiro branco”?

A gente fala muito da saúde mental, pontualmente, no mês de setembro, na campanha “setembro amarelo” de prevenção ao suicídio. Verificou-se que vamos precisava falar mais sobre o assunto, porque a demanda da saúde mental só cresce. A pandemia potencializou esse problema. As pessoas são resistentes aos cuidados com a saúde mental. Em 2014, para suprir a necessidade de mais informação sobre a saúde mental, surgiu a campanha “janeiro branco”. O mês de janeiro foi escolhido porque geralmente no ano novo, as pessoas fazem suas promessas, estabelecem metas, planos e objetivos. E precisamos colocar nessa folha em branco também como objetivo cuidar da saúde mental.

Como a terapia multidisciplinar pode ajudar no cuidado com a saúde mental?

Quanto mais o atendimento e cuidado com a saúde mental for multidisciplinar, quanto mais a gente conseguir integrar e interagir (médico psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional) e abordar de forma ampla esse paciente, melhor vai evoluir. Geralmente o médico psiquiatra vai orientar as medidas que o paciente precisa adotar e, se necessário, prescrever uma medicação para o ajuste bioquímico do cérebro. Os demais profissionais vão colocar as medidas de suporte no dia a dia, para que aquele paciente entenda o que está vivendo e saiba conduzir a situação da melhor maneira. É muito importante a abordagem da psicologia, onde a pessoa começará a trabalhar o autoconhecimento. De onde vem isso? Eu falo muito de ansiedade, mas qual é a origem da ansiedade. Hoje estamos vivenciando casos de ansiedade exacerbada por conta até da pandemia da Covid. Não adianta mascarar, tapar o sol com a peneira, aliviar o sintoma e não tratar a causa.

Estamos vivenciando o casos de ansiedade exacerbada por conta até da pandemia

Quando indicar terapia ou medicamentos?

Tudo é indicação. Existem casos leves onde não existe a necessidade de medicamentos e os pacientes até estranham quando a gente prescreve que terá que fazer acompanhamento com psicólogo, com terapia semanal no primeiro mês para posterior avaliação. O paciente estranha porque acha que vai ao médico psiquiatra e sairá de lá com uma receita na mão. Se você avalia ser um caso leve, não existe desajuste bioquímico do cérebro, não tem porque entrar com medicação. Ela precisa de terapia. Quando a gente faz um tratamento multidisciplinar temos uma evolução muito melhor do paciente. Eu oriento muito o paciente a não focar apenas na medicação, quando prescrevo, mas oriento muito sobre o cuidado com o dia a dia, desde a hora que acorda até a hora de dormir, os novos hábitos para que a rotina dele seja satisfatória. Se a rotina não estiver adequada, como terá uma saúde mental legal?

Há ainda muito preconceito quando se fala em saúde mental?

O conceito de que psiquiatra é médico de louco vem muito de clínicas de internações, de novelas, filmes, de pessoas internadas, camisa de força. Isso criou o estigma. Psiquiatra cuida da saúde mental. Ansiedade não é loucura, mas faz parte da saúde mental. O psiquiatra cuida dos desajustes da saúde mental, desajustes emocionais do paciente. Lidar com emoções é muito difícil. A gente nasce com ansiedade, que é a ansiedade fisiológica, aquela que precisamos ter e nos alerta quando existe perigo, como por exemplo, quando atravessar uma rua e saber que precisa olhar para os dois lados. Agora, quando ela (a ansiedade) começa a causar prejuízos no dia a dia, a famosa taquicardia, falta de ar, começa a suar pés, mãos, tem tremor, dificuldade de concentração, lapsos de memória, porque a pessoa tem tantos pensamentos acelerados que não consegue manter o foco em alguma coisa, essa ansiedade está exagerada. É uma emoção que está desajustada. Olha aí o psiquiatra vindo cuidar de uma emoção que não é loucura. As pessoas precisam entender que existe um pré-conceito. Por isso, a importância da campanha “janeiro branco” para dizer que tudo que é relacionado a emoção, faz parte do atendimento do psiquiatra, não só apenas quem tem algum distúrbio que as pessoas chamam de loucura.

Sempre digo, busque ajuda quando estiver desconfortável, seja em que área for do nosso corpo, inclusive na saúde mental

É cada vez mais comum falar em depressão e muitos ainda tratam como frescura?

Depressão é uma doença que vem do emocional. E quando dizemos que depressão é frescura estamos julgando. Quem somos nós para mensurar e julgar o que outro está sentindo? Não podemos nem mesmo nos julgar. Precisamos entender se o que estamos sentindo é adequado ou não. Se não está adequado preciso buscar ajuda e o psiquiatra é esse profissional que cuida disso. Depressão, ansiedade ou qualquer outro transtorno mental não são frescura. Não podemos banalizar o que o outro está sentindo ou vivendo. Isso só ajuda piorar o quadro. A pessoa precisa ser acolhida, não ser julgada.

Em que momento a pessoa vai saber que precisa buscar ajuda?

Sempre que estiver sentindo um desconforto. Por que se está desconfortável é sinal de alguma coisa não está Ok. A maioria das pessoas sente sintomas físicos e por conta disso procuram o profissional relacionado a esse sintoma físico. Começa a sentir formigamento, tremor, procura o neurologista, a dor no peito procura o cardiologista. Tudo bem. Ninguém tem que saber se é caso para o psiquiatra ou cardiologista. Mas, o importante é procurar um profissional médico que vai investigar e vai indicar acompanhamento. Se o cardiologista investigou a dor no peito e descartou problema cardíaco vai indicar psiquiatra. Sempre digo, busque ajuda quando estiver desconfortável, seja em que área for do nosso corpo, inclusive na saúde mental. O desconforto emocional gerado, por exemplo, pela ansiedade gera cansaço, fadiga. É o que chamamos de excesso de futuro no presente. Chega um ponto que a pessoa pifa, assim como a máquina pifa senão tiver a manutenção adequada. Um desconforto que não foi cuidado no tempo devido pode ter consequências no futuro.

Temos que derrubar as crenças daqueles que não querem remédio e daqueles que querem o remédio

Tem também o estigma do tratamento?

Já se criou a ideia de que vai ao psiquiatra, diz o que que está sentindo e o médico vai prescrever receita com um remédio que vai resolver. É aquela coisa de tratar o sintoma e não a causa. Nem sempre é preciso medicamento, mas quando for, por que não? Quem tem diabetes toma medicamentos, pressão alta toma, por que esse preconceito com medicamento para a saúde mental? Em contrapartida, a gente também não pode depositar todas as expectativas no remédio. Ele não vai fazer tudo sozinho. Ele vai corrigir apenas o desajuste bioquímico, mas não é porque tomei o comprimido que sarei, tipo fórmula mágica. Se tivesse um remedinho que é a fórmula mágica que você toma e plim, resolveu tudo, a gente punha na caixa d´água, todo mundo tomava a água e ficaria tudo bem. Não existe essa mágica. Somos seres individuais, cada caso é um caso, cada um tem sua vivência, cada um tem a sua genética. Por isso, cada caso tem que ser avaliado individualmente, ser feito um diagnóstico único da pessoa. Temos que derrubar as crenças daqueles que não querem remédio e daqueles que querem o remédio porque espera dele a mágica. Nem um, nem outro, na medicina não é oito, nem oitenta. O importante é que as pessoas não tenham medo, nem vergonha em buscar um psiquiatra.

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