Neste domingo, 29 de outubro, é o Dia Mundial do AVC – Acidente Vascular Cerebral. A campanha este ano traz como mote “Maior que o AVC”. No pós pandemia da Covid-19, a população brasileira se encontra mais hipertensa, diabética e com sobrepeso. No primeiro semestre deste ano, foram 50.291 mortes por AVC, número acima das mortes por infarto (47.368) e Covid-19 (6.702). Dados impactantes que reforçam a necessidade de uma forte Campanha Nacional de prevenção e esclarecimento. Aproveitando a data, a médica neurologista e neurofisiologista clínica Dra. Francisca Goreth Malheiro Moraes Fantini veio a público esta semana falar dessa emergência médica, durante entrevista na Rádio Difusora FM. A entrevista é um alerta sobre o AVC. Leia:
Por que estão aumentando os casos de AVC?
O AVC já é a maior causa de mortalidade em 2023. No pós-pandemia quando as pessoas se retraíram nos seus domicílios, deixaram de fazer suas avaliações, alguns até interromperam tratamentos cardiológicos, de hipertensão, e a própria Covid é um fator associado. Tudo isso contribuiu para o aumento de casos.
O AVC sempre foi conhecido como doença de idoso, mas jovens estão sendo acometidos?
Nós temos os fatores que podemos modificar e os fatores que não podemos modificar como a causa na etiologia do AVC. O que não podemos modificar? A idade, o sexo, a raça e a história familiar. Podemos modificar, a hipertensão, o diabetes, uso de drogas, uso de anticoncepcionais, o tratamento das patologias associadas, problemas cardíacos, da carótida, o sedentarismo e obesidade. Só que associado a tudo isso, somamos a Covid como fator etiológico, o momento de reclusão, que as pessoas ficaram isoladas, abstinência de medicamentos, ampliando as causas para esse elevado número de casos de AVC.
"O AVC é uma emergência médica com socorro imediato para um hospital"
Quais os sintomas do AVC?
Todo sintoma agudo, seja a perda de força em um membro, a perda súbita da fala, perda súbita de sensibilidade, dor de cabeça intensa, episódio de tontura súbita, então, estamos diante de um quadro agudo que, mantido, é uma emergência e deve ser direcionada ao hospital. Existem dois tipos de AVC, o isquêmico e o hemorrágico. Como o paciente não sabe o que está acontecendo ele precisa ir rapidamente para o hospital para ser investigado e feito o diagnóstico entre um AVC isquêmico ou hemorrágico. Se estivermos diante um AVC isquêmico e esse paciente, da hora que passou mal em casa até ser atendido no hospital, tenha iniciado o tratamento em um tempo inferior a quatro horas e meia, é possível desobstruir essa artéria e esse paciente recuperar o que ele perdeu até aquele momento. Se for AVC hemorrágico, também será feito o tratamento adequado. O AVC tratado, esse cuidado deverá ser para a vida inteira, porque quanto mais avançar a idade, maior o risco de repetir.
É normal a repetição do AVC?
Na verdade, tem que investigar a causa. Se atendo o paciente, trato, mas não investiguei a parte cardiológica nesse paciente eu posso ter causas com riscos de recorrência. Tenho que atender o sintoma inicial, tratar o quadro agudo, tratar as sequelas se tiver, mas também tratar a prevenção de um evento secundário.
"A própria Covid, como um fator associado, contribuiu para o aumento de casos de casos de AVC"
A pessoa pode ter um AVC e não sentir?
São eventos lacunais. Posso ter sintoma imperceptível ou posso ter uma obstrução de uma área pequena, que chamamos de lacuna e se a região do cérebro não tiver eloquência, uma representatividade funcional importante que determina um sintoma, vai passar despercebido. Vai depender da área de atividade cerebral, se tem ou não representatividade. O cérebro é formado por lóbulos e cada um tem uma função, motora, sensitiva, visual e auditiva. Então se pega uma artéria importante, o sintoma será importante, mas se pega uma arteriolosinha pode passar despercebido.
"2023 mostrou que tanto em homens, quanto mulheres, jovens, crianças e idosos, o risco de AVC aumentou exponencialmente"
Mais homens ou mais mulher são vítimas do AVC?
É mais prevalente nos homens, mas sempre ficando atento que o uso de anticoncepcional aumenta esse risco com relação às mulheres, além da hipertensão, do diabetes, obesidade, sedentarismo, que potencializam o risco de AVC. Teoricamente seria pelo fato dos homens trabalharem fora o que gerava mais ansiedade, mas essa questão foi mudando ao longo da história. Hoje a mulher também sai para trabalhar e, por isso, está praticamente igual. O ano de 2023 mostrou que tanto em homens, quanto mulheres, jovens, crianças e idosos, esse risco de AVC aumentou exponencialmente.
O AVC tem relação com a genética?
Tem que avaliar os fatores associados (diabetes, hipertensão, cardiopatias, coronariopatias, doenças da carótida, entre outros). Então temos uma história familiar como fator de risco não modificada. Aí vou trabalhar os fatores que posso modificar para diminuir esse risco.
Qual é o tipo de AVC mais perigoso?
Os dois levam a óbito, os dois levam a sequelas graves. Então, como no domicilio o paciente não sabe o que está ocorrendo, se é isquemia ou hemorragia, ele tem que ser socorrido imediatamente. A gravidade é diretamente relacionada a lesão que está ocorrendo, a qual artéria está comprometendo. AVC de maneira geral é uma emergência médica, tem de ser socorrido imediatamente, porque a sequela vai depender da cadeia de socorro e atendimento.
No caso é acionar o SAMU que tem o pessoal treinado?
Desde 2007 que os Samus do Brasil receberam treinamento para essa emergência. Essa campanha mundial começa em 2007 onde, naquela ocasião, os Centros no Brasil estavam sendo estruturados onde a hoje a presidente mundial a Dra. Sheila Martins, era quem coordenava o início de tudo isso. Nós participamos das primeiras reuniões e começamos a estruturar os primeiros 37 centros onde, no interior de São Paulo, Fernandópolis fazia parte, enquanto Rio Preto se estruturou com o Hospital de Base a partir de 2012. Então, nessa cadeia de atendimento todos eram treinados, desde o porteiro, ao emergencista, e toda a enfermagem destes 37 centros, incluindo Fernandópolis. E os Samus faziam parte dessa rede de atendimento.
Quais os procedimentos podemos fazer em casa para identificar um AVC?
A família pode pedir para paciente sorrir, porque perceberá se o rosto tem paralisia ou não. Se houver um desvio, a pessoa pode estar tendo uma paralisia na face. Posso pedir para a pessoa abraçar ou elevar os membros. Se um dos membros abaixar, é um sinal. Posso pedir para que ele fale uma palavra, que ele pode conseguir ou não. Com isso tenho um sorriso que está torto, um braço que está caído. Então, se tenho um, dois ou três destes sintomas, isso caracteriza uma urgência. O paciente tem de ser levado para o hospital o mais rápido possível.
O tratamento exige a intervenção de uma equipe multidisciplinar?
Sim. O cérebro tem dois hemisférios. Sai estimulo motor do esquerdo e do direito. A força é cruzada quando chega no tronco. Então o AVC que ocorre no hemisfério esquerdo vai ter perda de força do lado direito. Se for do lado direito, terá perda de força do lado esquerdo. Quando ocorre a perda da força do lado direito e esse paciente come com a mão direita, escreve com a mão direita, o centro da fala dele predominantemente será no lado esquerdo. Então, quando tem um AVC na região do hemisfério esquerdo, o paciente perde a força do lado direito e perde a fala. Nessa fase aguda, já é solicitado o acompanhamento da fisioterapia e da fono. E intervenção da equipe multidisciplinar está diretamente ligada a solicitação do médico que está conduzindo o tratamento. E essa intervenção vai continuar com o paciente em domicilio. Tem um amigo de Matão que realizou um trabalho onde ele fazia seis horas de fisioterapia diária. Ele imobilizava o lado bom para o paciente só utilizar o lado ruim. Quanto mais fisioterapia o paciente fizer nos 30, 60 e 90 dias a resposta será melhor. Senão fizer, em dias o paciente começará a ter dores, espasticidade, que só vão melhorar se intervir com aplicação de toxina botulínica que é muito cara e a fila de espera no Lucy Montoro é imensa. Então, o que é assertivo precocemente é a reabilitação.