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Cyberbullying e estupro virtual, perigos que rondam a internet



Cyberbullying e estupro virtual, perigos que rondam a internet

Com as aulas remotas, necessidade imposta pelo
distanciamento social em meio a pandemia do coronavírus,
as crianças e adolescentes ficaram mais expostas ao ambiente virtual. Ambiente que contribuiu para aumentar de forma vertiginosa a prática do cyberlullying considerada
ainda mais perigosa por ultrapassar qualquer fronteira física
e podendo levar a consequências desastrosas.
O alerta é da Doutora em Ciências da Educação, Pedagoga, Psicopedagoga, Historiadora e Especialista em Bullying e Cyberbullying, a fernandopolense Cléo Fante. Segundo ela, “é um problema extremamente preocupante e que deveria estar na ordem do dia de todos os governantes, secretários de educação e de saúde, gestores de escolas públicas e privadas”. Mas, não é o que acontece.
Além do cyberlullying, ela faz outro alerta para o que é chamado de estupro virtual. “O estupro virtual acontece bem mais do que imaginamos, tendo como vítimas mais crianças e adolescentes que adultos”. Nesta entrevista ao CIDADÃO, Cléo Fante trata do problema que deve estar na preocupação de escolas e pais. Leia:

Por conta da pandemia e distanciamento social, as preocupações se voltam para o aumento de casos de cyberbullying entre estudantes que passam maior parte do tempo no ambiente virtual. É um problema para se preocupar?
Certamente, é um problema extremamente preocupante e que deveria estar na ordem do dia de todos os governantes, secretários de educação e de saúde, gestores de escolas públicas e privadas. No entanto, não é isso que vemos acontecer. O problema continua sendo relegado a segundo ou terceiro plano ou a nenhum plano. Enquanto isso, crianças e adolescentes continuam carregando a dor do bullying, que se tornou híbrido assim como o ensino. Ao mesmo tempo são atacados na escola e na internet, é um tormento inigualável, que não tem trégua. Importante ressaltar que o Brasil, antes da pandemia, ocupava a segunda posição em índices de cyberbullying, 29%, em um ranking de 28 países, perdendo para a Índia, com 32% e à frente dos EUA, com 27%. Outro dado relevante é que um em cada três estudantes era vítima de bullying na escola e um em cada cinco era o autor. Durante a pandemia, algumas pesquisas têm chamado a atenção para o aumento vertiginoso do cyberbullying na maioria dos países. Portanto, a sociedade deve se preocupar com o cyberbullying e seguir o alerta da Unesco para o regresso às aulas - independente do modelo, se presencial ou híbrido – e a possibilidade do aumento da evasão escolar e os riscos do cyberbullying.

 

"Crianças e adolescentes continuam carregando a dor do bullying, que se tornou híbrido assim como o ensino"

Como identificar quando uma criança está sofrendo o cyberbullying?
Tanto os pais quanto as escolas devem estar atentos aos sinais, que geralmente são emitidos pela criança ou adolescente, como tristeza, angústia, medo, alteração de humor, insônia, choros frequentes, desculpas constantes para não estar junto aos demais membros da família ou para não frequentar as aulas, aflição e nervosismo extremados, comportamentos tensos ou agressivos ao utilizar o celular ou computador. Comentários depreciativos ou irritadiços em relação aos colegas, dentre outros.


"As redes sociais são o principal ambiente onde inúmeras violações são praticadas e sofridas"

Onde é mais comum acontecer o bullying digital (redes sociais, jogos, whatsapp)?
Dados de pesquisas realizadas pelo Instituto IPSOS apontam que as redes sociais são o principal ambiente.  É nesse local onde inúmeras violações são praticadas e sofridas. No entanto, durante as aulas online também ocorre o cyberbullying e nem sempre o professor tem percepção ou conhecimento do fato.

Bullying ou cyberbullying.  Qual é mais nocivo?
Difícil precisar qual é o mais nocivo, pois, mensurar o sofrimento de alguém é impossível, especialmente, quando se trata de criança ou de adolescente. No entanto, os abusos virtuais, devido à velocidade que se propagam, a dificuldade de identificar a autoria e, sobretudo, do não esquecimento do fato, as tornam mais nocivas. Como apagar aquilo que ficou gravado na mente de quem teve acesso a um conteúdo difamatório ou de um nude (pessoa nu). Ainda há que se atentar para o fato de que a repetição da ação praticada pelo autor é automática, por meio do curtir, comentar, compartilhar. Por outro lado, dependendo do conteúdo tende a viralizar e controlar é impossível, o que dimensiona tanto o constrangimento quanto a impotência de se defender. Sem dúvida, nesse sentido, o cyberbullying é muito mais nocivo.

Como as escolas e os pais podem identificar e agir contra o bullying digital?
Além dos sinais que devem alertar os pais e as escolas para a possibilidade de vitimização, é preciso muita orientação às crianças e adolescentes para que não se envolvam em tais práticas. O agir deve ser no sentido preventivo. Portanto, orientar para o uso ético, respeitoso e responsável da internet. É preciso que o usuário saiba que todo o conteúdo postado é de sua responsabilidade e que curtir e compartilhar significa estar de acordo, ou seja, solidário com o conteúdo e autoria. Também é importante que saiba que dependendo do teor do conteúdo é passível de responsabilização, de acordo com o Regimento Interno Escolar e o ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma vez, identificado o bullying digital, isso ocorre por meio do conteúdo, a recomendação é salvar e fazer cópia. Não responder aos ataques, bloquear o autor para que não persista em suas ações. Dependendo do caso, pode ser tratado na esfera escolar, com a presença dos pais dos envolvidos. Se houver gravidade, procurar um Cartório de Registros, para validar o conteúdo (Ata Notarial) e registrar boletim de ocorrências, podendo buscar reparação pelos danos, na esfera criminal e ou cível. De acordo com a LDB- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – artigo o 12º - é dever das escolas prevenir o bullying e cyberbullying e outras formas de violência e promover a cultura de paz em seu ambiente. O descumprimento da legislação poderá ser visto como omissão, resultando sanções para as mesmas.  

Essa situação, em função da pandemia e confinamento, contribui para comprometer a saúde mental dos estudantes?
Posso assegurar que sim. Vamos pensar em um primeiro momento em crianças pequenas, em idade pré-escolar. Com o fechamento das escolas, as famílias tiveram que encontrar formas de gerir seu tempo e oportunizar condições para garantir o ensino remoto das crianças. Porém, é sabido que na primeira infância (de 0 a 6 anos), não é recomendável o ensino à distância, por questões de saúde e pedagógicas. Quanto às condições de saúde, não é recomendável o uso de telas para crianças até 2 anos de idade e de 2 anos a 5 anos, não deve exceder de uma hora. A partir dos seis anos, duas horas diárias, divididas em períodos ao longo do dia. O excesso, como temos visto, além de prejudicar a postura e a visão, pode atrai-las para conteúdos inapropriados (como a pornografia, exploração sexual e violência) e comprometimento da saúde mental, podendo agravar ou gerar transtornos, como de ansiedade, estresse, depressivo, alimentar, sono, fobias, dentre outros. Também, pode gerar déficits de concentração, aprendizado, motricidade e comprometimento no desenvolvimento cerebral. Quanto às condições de aprendizagem, a BNCC-Base Nacional Comum Curricular, adverte que a criança aprende por meio de experiências lúdicas, concretas e interativas, o que não é possível por meio do ensino remoto. Assim, o aprendizado da criança fica comprometido, uma vez que o aprender se dá por meios de vivências significativas, emocionais, com o brincar, socializar, conviver. Aliado a tudo isso, o distanciamento social e ambiental, de coleguinhas de turma, professores, rotina escolar, dos avós e outros familiares, além das perdas e preocupações familiares, resultam impactos significativos à saúde mental das crianças, que apresentam conhecimento fantasiado em relação à Covid-19 (percepção pessoal infantil), gerando medo exagerado e insegurança, tristeza, infelicidade. Esses são alguns dos efeitos imediatos que se pode observar, no entanto, ainda há que se estudar os efeitos pós- pandemia.

Por que os pais devem se preocupar com os filhos neste momento e o que podem fazer?
Os pais devem se preocupar com os filhos ainda mais neste momento. Devem lembrar que, assim como os adultos, eles também têm dificuldades de adaptação à nova realidade, como às normas sanitárias, confinamento, distanciamento dos amigos e parentes, preocupação, sofrimento com perdas, insegurança em relação ao futuro e aos problemas familiares, que acabam por ter conhecimento, além do clima familiar que nem sempre é equilibrado e saudável. Somam-se a tudo isso, a dificuldade no ensino remoto ou híbrido - para muitos sem computadores ou smartphones, baixo sinal ou ausência de acesso à internet –, o excesso de tarefas escolares, longa jornada diante da tela e sem supervisão adulta, falta de concentração, de ambiente ideal para o estudo, de alimentação e lazer, dentre tantos déficits que poderíamos elencar. E, há ainda, o problema do cyberbullying que é preciso considerar como entrave na aprendizagem e no desejo de querer frequentar as aulas e continuar no formato de ensino, que é obrigatório. Os pais, apesar de todas as preocupações, problemas e dificuldades que podem estar enfrentando neste momento, devem extrair de dentro de si, forças suficientes para acolher os filhos, acalentar, auxiliar, orientar e se colocar disponível para que se sintam seguros, protegidos, amados. Dessa forma, quando há essa aproximação e confiança, os filhos não temem relatar as dificuldades da vida, tendo os pais como exemplos e alicerces.

Na sua ótica, qual o impacto em nossas crianças e adolescentes causados pela pandemia, bullying e cyberbullying?
O impacto mais visível neste momento, como resultado da pandemia, bullying e cyberbullying está no processo psicosssocioeducacional. Para muitos será impossível conviver com o medo gerado pela pandemia, com a opressão dos colegas na escola e na exposição negativa na internet. Alertamos que se nenhuma política pública for pensada e programas implementados nas escolas, em um trabalho interssetorial e multiprofissional, a educação, a saúde e a economia serão impactados gravemente. É certo, que se elevarão o déficit de aprendizagem, os índices de absenteísmo, a evasão escolar, a improdutividade, os conflitos relacionais, a violência nas escolas. Por outro lado, as doenças físicas e emocionais, as consultas, internações e medicações, as taxas de depressão, automutilação e suicídios.

"O estupro virtual acontece bem mais do que imaginamos, tendo como vítimas mais crianças e adolescentes que adultos"

A senhora participou de uma live na última semana onde além do “cyberbullying”, tratou-se do “estupro virtual”.  Neste caso, como se configura o estupro virtual?
O estupro virtual acontece bem mais do que imaginamos, tendo como vítimas mais crianças e adolescentes que adultos. Na prática, acontece quando o abusador, vai aos poucos se identificando com o abusado, ganhando a sua confiança, seduzindo mansamente. Geralmente, começa com a troca de fotos pessoais ou de lugares, depois partes do corpo. Quando está mais íntimo, pede para abrir a câmera e mostrar o corpo, as partes íntimas, pode ensinar ou pedir a masturbação. Apesar de não ter contato físico, ambos estão em um mesmo espaço cibernético e o abusado se vê acuado, obrigado a satisfazer sexualmente o abusador.

É possível imaginar o mundo pós pandemia, após essa necessária exposição no mundo virtual?
Impossível imaginar o mundo pós pandemia sem a internet, sem as relações virtuais, sem a divulgação de imagens e conteúdos associados ao trabalho ou às relações sociais e familiares. O trabalho remoto é uma das maiores experiências já realizadas na história humana, com reuniões online, videoconferências, consultas médicas, terapias, pesquisas científicas e muito mais. Na educação, embora saibamos que a tecnologia não substituirá as aulas presenciais e nem o ambiente escolar, o ensino híbrido é tendência que se fortalecerá cada vez mais.

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