A frase impactante é do presidente e fundador da Comunidade Novo Sinai de Valentim Gentil, Carlinhos Marques. Segundo ele, a sociedade é refrataria e exclui essas pessoas que vivem em situação de rua. “Essas pessoas precisam ser amadas”, enfatiza. A entidade que hoje abriga mais de 40 pessoas em tratamento contra a dependência química e álcool, vai realizar no dia 1º de dezembro o evento denominado “Jantar Celebrando a Família” no auditório da Comunidade que fica localizada em uma chácara no município de Meridiano, na Vicinal Manoel Barbosa dos Santos. O jantar terá a participação do casal missionário Dunga e Néia. Os convites estão sendo vendidos a R$ 75 (individual) e podem ser adquiridos pelo telefone (17) 98813-5005. A renda será 100% destinada a manutenção da comunidade que atende gratuitamente a todos que chegam voluntariamente para iniciar a luta contra a dependência química e de álcool. Na entrevista que concedeu à Rádio Difusora FM e jornal CIDADÃO Carlinhos Marques fala do trabalho que desenvolve há 19 anos e do esforço para elevar para 66 o número de atendidos. Leia a entrevista:
Como surgiu a Comunidade Terapêutica Novo Sinai?
É uma associação criada em 2005 para acolher pessoas com problema de dependência química e álcool. Hoje temos capacidade para acolher 66 pessoas do sexo masculino, maiores de 18 anos. Não é o número que estamos acolhendo atualmente, mas é a quantidade de leitos disponível. Ingressar na comunidade tem que ser de forma voluntária. Hoje cresceu a ideia da internação involuntária, que seria contra a vontade do acolhido. Há 20 anos quando comecei a me envolver com esse assunto era redondamente contra a ideia de uma internação involuntária, mas depois convivendo vejo que existem situações em que é até necessário. Mas, no nosso caso continuamos com a internação voluntária, onde a pessoa passa por entrevista com nossa equipe e decide se deseja ficar. Não somos uma clínica, somos uma comunidade, ou seja, um grupo de pessoas que se junta em prol de uma causa comum que é colocar a pessoa nos eixos novamente a partir do propósito da sobriedade, que vai muito além do que simplesmente ausência de droga e álcool. Infelizmente vemos muita gente que não usa droga e álcool e não é sóbria. O que é ser sóbrio? Sobriedade é comportamento. A droga entra na vida das pessoas depois de uma droga de vida. Então precisamos atacar essas questões, o comportamento, as carências, as coisas que não se encaixaram desde a infância, desestrutura familiar. Tudo isso é consequência e acaba vindo a droga como elemento compensador. Então não adianta atacar esse elemento compensador sem olhar a causa da carência. Tudo isso se faz com disciplina, atividades inclusivas e espiritualidade.
"Queiram ou não, a droga é prazerosa. O problema são as consequências do prazer das drogas"
Esse trabalho começou em Valentim Gentil?
Nasci em Valentim Gentil. Foi lá que iniciamos o trabalho. Estávamos procurando um local para estabelecer a unidade de tratamento. Essa busca durou alguns meses e a gente notava que quando falava para o que era, as pessoas se esquivavam. Foi quando decidi instalar a comunidade numa chácara de 7 alqueires de minha propriedade em Meridiano. Então, não podia criticar as pessoas que não queriam alugar a chácara para esse fim, se eu tinha uma e não havia cogitado instalar a comunidade nela. Deu esse start, fechamos os olhos e fomos prá lá, era para ser temporário e lá estamos há quase 19 anos.
A inspiração veio de onde?
Pois é, em 2001 a Igreja Católica lançou na época da quaresma a Campanha da Fraternidade com o tema “Vida Sim, Droga Não”. Por acaso, participei de uma reunião e no final foi sugerido que se tivesse alguma atitude. Na época esse tema estava começando a ser debatido, não estava em alta tanto quanto agora. Ouvi um testemunho de uma mãe que até hoje é voluntária na Comunidade. Ela deu o testemunho que dos três filhos, dois eram usuários de droga e tinha acabado de perder o que não era usuário de drogas em um acidente. Aquilo me tocou e no final da reunião fui conversar com ela. Era muito desespero e percebi que tinha que fazer algo. Me abri para pensar nesse problema e foram aparecendo pessoas. Iniciamos o trabalho fazendo encaminhamento para tratamento em outras comunidades terapêuticas. O primeiro que levei foi um rapaz que era meu vizinho e foi encaminhado para uma Casa em Chapadão do Sul (MS). Em 2005, um dos nossos voluntários trabalhava numa casa perto de Nhandeara e essa casa fechou na semana do carnaval e estavam com três pessoas que iriam para a rua, porque não tinham para onde ir. Semana do carnaval três pessoas dependentes químicas na rua, era 100% de chance de recaída. Essas pessoas vieram para Valentim Gentil, ficaram numa casa e depois foram para minha chácara de forma temporária, até arrumar outro lugar para eles. Quando já estava terminando o prazo, um deles veio até mim e perguntou se um amigo não poderia vir. Em vez de irem embora, estava vindo mais um. Então, nesses quase 20 anos se tiver algum mérito, foi o mérito de naquele momento dizer sim, de uma forma meio inconsequente, porque não havia nenhuma estrutura. Quando vimos estávamos com 17 pessoas na casa do caseiro na minha chácara. Hoje, temos uma estrutura com 66 vagas, apartamentos com ar condicionado, auditório para mil pessoas, capela e toda uma estrutura para atender os que são acolhidos. Então, o mérito foi dizer sim lá no começo e, depois, as coisas foram se encaixando e acontecendo como uma proposta divina. Como costumo dizer, o segredo é o sim sincero ao propósito de Deus. O resto vem por acréscimo. Isso não significa que não tivemos problemas, dificuldades, mas hoje falo com toda a humildade que somos referência neste tipo de tratamento, Graças a Deus.
"Convencer a pessoa que é dependente químico a buscar ajuda é o passo mais difícil para a família"
Hoje, a Comunidade Novo Sinai acolhe quantas pessoas?
Hoje, acolhemos em torno de 40 pessoas. Essas outras 24 vagas são de apartamentos que estão prontos. Construir é uma coisa, vai devagar, para, retoma, até concluir. Agora, na hora que você coloca uma pessoa lá dentro é necessário ter uma estrutura para dar suporte a ela. Por isso, estamos caminhando bem devagar. Estamos agora pleiteando uma ajuda do Governo Federal que abriu uma licitação para esse tipo de trabalho. Estamos pleiteando 33 vagas que o governo possa subsidiar com 50% dos custos. Entramos no edital e esperamos conseguir isso. Todo o atendimento na Comunidade Terapêutica Novo Sinai é gratuito, desde a chegada dos três primeiros meninos lá em 2005, é regra não se cobrar nada. Acontece de uma família ter uma condição melhor oferecer pagar pela internação para furar a fila. Não é possível. Tem fila, tem que seguir a ordem, não importa se é morador de rua ou filhinho de papai, sem qualquer pagamento. Claro que recebemos doações e é comum nos dias de visitas, familiares levarem cestas básicas. Recentemente no vendável que atingiu a comunidade, houve destelhamento de alojamento, lavanderia e arrancou o forro de parte do auditório. Fizemos uma campanha na internet e conseguimos doação de praticamente todo o material necessário para recuperar os estragos.
Como a Comunidade sobrevive atualmente?
Até 2018 a comunidade vivia com 100% de doação. Em 2018, o governo lançou através do Ministério da Cidadania uma proposta para subsidiar 50% das vagas que comprovasse ter disponível. Comprovamos na época 44 vagas e firmamos um contrato de 22 vagas. Então, hoje temos 22 vagas subsidiadas pelo governo federal. As outras 22, são mantidas através de doações e eventos que realizamos. A nossa entidade recebe pessoas de todo o Brasil.
"Todo o atendimento na Comunidade Terapêutica Novo Sinai é gratuito. Desde 2005, é regra não se cobrar nada"
Como as pessoas chegam na Comunidade em busca de ajuda?
A pessoa quando aceita passar por esse processo é porque, infelizmente, ela já chegou no fundo do poço, ou como dizemos lá, no fundo da fossa. Queiram ou não, a droga é prazerosa. Ninguém quer fugir do prazer. O problema são as consequências do prazer das drogas. Então, convencer a pessoa a buscar ajuda é o passo mais difícil para a família, porque a pessoa precisa quebrar todo um processo dentro dela, desde o relógio biológico que é um dos primeiros a ser afetado. Normalmente quem usa droga, dorme de dia e fica acordado à noite. A primeira coisa que fazemos na Comunidade é colocar isso em ordem. E ouvir as pessoas, porque não interessa o passado. Aliás, a Comunidade foi programada para isso. Desde a entrada tem a oração de São Francisco, frases em cada árvore estimulando ele entrar, passar pelo portal da entidade, onde está escrito “Novo Sinai, sorria você está sendo amado”. E isso é uma verdade. Essas pessoas precisam ser amadas. Acho que são os leprosos do século 21, que infelizmente a sociedade é refrataria, exclui. Posso afirmar que conheci pessoas fantásticas, talentosas e que usam droga. E conheci um monte de gente que não usa droga e não vale nada. A pessoa ter entrado nessa vida, não pode ser a régua para traçar a personalidade.
Hoje quando vemos os moradores em situação de rua que são invariavelmente usuários de drogas, muitos perguntam se essas comunidades terapêuticas têm alcançado bons resultados. O que você diz da Novo Sinai?
A média de recuperação o pessoal diz que é baixa, mas o que acontece. A doença da dependência química é progressiva, incurável e fatal. Isso é definição de 1962 da Organização Mundial de Saúde. Vamos pegar o incurável. Ele não terá cura, ele vai viver com isso o resto da vida. Recebemos, não faz muito tempo um rapaz que tinha feito um tratamento em Jaci com o Frei Francisco que é referência, e que fazia 18 anos que estava sóbrio. Bastou uma cervejinha para desencadear o processo novamente. Ai, as pessoas olham isso como um caso que não deu certo. E não é assim, é uma visão distorcida. Recaída acontece em todo tratamento seja qual for a doença. O que eu digo é, se conseguirmos salvar uma pessoa, já valeu a pena. Vemos que há muita desinformação da sociedade. Se uma pessoa descobre um câncer, a família se junta e se une para ajudar a pessoa no tratamento. Descobre uma pessoa da família que está usando droga para ver o que acontece? Todos correm e logo vem a qualificação de que a pessoa não presta. Só que essa família muito provavelmente ficou a vida toda incentivando. Nesses 19 anos nunca recebemos ninguém lá que tenha colocado a melhor roupa, passado o melhor perfume porque tinha certeza que aquele dia iria usar crack. Ninguém sai de casa para usar crack. Só que as pessoas usam álcool, que é uma droga legal e estimulada, e partir do uso do álcool, quebra-se o senso de consequência e da mesma forma que você dança como não dançaria, conversaria com a menina que sóbrio não teria coragem, pega seu carro a 180 por hora, se alguém chegar com a droga você vai experimentar. Isso é nítido para nós que lidamos com essa situação. Vemos hipocrisia da sociedade que incentiva e depois abandona.