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É possível evitar o golpe do motoboy? Promotor diz que sim



É possível evitar o golpe do motoboy? Promotor diz que sim

O promotor Dr. José Rafael Guaracho Salmen Hussain, autor da denúncia contra a quadrilha que aplicava o “golpe do motoboy”, desmantelada a partir de uma investigação iniciada em Fernandópolis na chamada operação "Card Phishing" desencadeada em agosto, em entrevista ao CIDADÃO e Rádio Difusora, fez um alerta às pessoas sobre esse tipo de crime. “Esse é um dos poucos que o sucesso do crime e o prejuízo da vítima dependem da informação que a própria vítima passa, de modo que pode ser evitado”, diz. “Jamais forneça senha de cartão por telefone ou rede social. O estelionatário age na busca do momento de facilidade que a vítima apresenta para praticar o delito”, acrescenta.A investigação que começou com duas, depois cinco teve no total 13 pessoas da organização criminosa denunciadas pelo promotor que ele calcula tenha desviado milhões de reais. A entrevista, a seguir, é um alerta sobre como evitar esse golpe. Leia: 

A quadrilha do motoboy foi descoberta a partir de um caso em Fernandópolis. A partir do inquérito, qual foi a ação do Ministério Público?
Até então não se sabia de pelo menos duas pessoas agindo em Fernandópolis desde 2020. Essas pessoas foram surpreendidas, depois da informação passada pela vítima à polícia, uma delas já estava com a vítima pegando o cartão de crédito e a outra no hotel. Com a pessoa do hotel foram localizados vários cartões de crédito em nome de pessoas que não eram eles e várias máquinas de cartão de crédito. Até então, se suspeitava sim da possível prática de estelionato, mas não se sabia ainda a dimensão do crime e o vulto dessa organização criminosa. A partir disso, o delegado Dr. Renan Ongarato instaurou investigação e através dos contatos contidos nos telefones celulares dessas duas pessoas é que se descobriu essa organização criminosa voltada para a prática de crimes de estelionato cometidos da seguinte forma: eles entravam em contato com as vítimas por meio de telefone, faziam uma articulação para passar a ideia que a ligação provinha do banco e ali diziam que o cartão havia sido clonado, passava o valor de uma compra que a vítima não fez e diante da surpresa da vítima, falavam que o cartão precisava ser bloqueado e que para isso precisaria  da senha e que uma pessoa do banco iria pegar o cartão para ser substituído.  As vítimas, normalmente pessoas de idade, de boa-fé, passavam as senhas e entregavam o cartão. A partir daí, a quadrilha fazia a movimentação financeira. Descobriu-se então que essas duas pessoas estavam praticando crimes e dentro desse grupo havia mais gente. Depois de uma investigação bem feita da Polícia Civil, capitaneada pelo Dr. Renan Ongarato, essa organização, entre tantas que vem atuando no Brasil com essa prática, foi desmantelada. Foi feita a denúncia contra essas pessoas identificadas por crime de organização criminosa e lavagem de dinheiro. A denúncia foi oferecida em 15 de setembro e já foi recebida pelo juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca. 

Quais os aspectos que nortearam a denúncia?
A denúncia está embasada na organização criminosa, que é a união de quatro ou mais pessoas, estruturalmente organizada voltada para a prática de crimes com a pena superior a quatro anos. No caso, é o estelionato que eles cometiam, mediante fraude. A lavagem de dinheiro entrou também, porque na organização criminosa algumas das pessoas constituíam microempresas de fachada para ter maior facilidade na aquisição de máquinas de cartão de crédito usadas para fazer a movimentação fraudulenta. E esses valores entravam por essas empresas e, depois, eram distribuídos, isso para dar um ar de regularidade. Esses valores indevidamente obtidos pelo crime estavam sendo lançados no sistema financeiro através da lavagem que dissimulava a origem desse dinheiro. 

"A denúncia está embasada na organização criminosa estruturalmente organizada para a prática de estelionato e lavagem de dinheiro"

Quantas pessoas foram denunciadas?
A investigação começou com duas, depois cinco e, mais à frente, outras tantas. No total foram 13 pessoas denunciadas.

Cada pessoa tinha uma função especifica na organização criminosa?
Exatamente. Tem dois principais agentes que angariavam os demais e eram responsáveis por abrir empresas, orientavam como agir, cobravam ações dos demais integrantes, vamos trabalhar, usavam a expressão trampo (você vai no trampo hoje?). para se referir a ligações. Outras pessoas, normalmente do sexo feminino geralmente trabalhavam de forma remota, em casa, ou nas empresas de fachada, fazendo ligações, como e fossem atendentes de instituições financeiras. Outras agiam como mototáxis e cobravam de 250, 300, 500 reais para irem a determinado endereço buscar os cartões das vítimas e levavam para os demais agentes que eram os responsáveis por fazer o desvio através das máquinas. É uma organização com divisão de tarefas e bem estruturada.

O senhor pediu bloqueio de bens, prisões?
 Foi feito pedido pelo próprio delegado no inquérito, antes do processo, o Ministério Público concordou e o juiz deferiu o pedido do delegado. Depois, melhor analisando todo o inquérito, quando no oferecimento da denúncia eu pedi o bloqueio de valores em nome dos demais identificados, pedi para levantar a existência de empresas individuais em nome dos demais envolvidos, pedi para se levantar o extrato dessas contas pessoais e das empresas dos envolvidos, para se saber a movimentação financeira, e também pedi a prisão preventiva dos demais. O delegado já havia pedido a prisão preventiva de cinco dos integrantes que foi deferido judicialmente, só que desses cinco, três do sexo feminino foram colocadas em liberdade por conta de terem filhos menores e hoje é um entendimento que está na lei e havia sido consagrado por jurisprudência, mas outros dois, os principais do inquérito, continuam presos. Porém, fiz o pedido de prisão preventiva dos demais quando do oferecimento da denúncia em 15 de setembro, até a data de ontem (quarta-feira), o juiz não tinha decidido sobre isso.

"Infelizmente, esse tipo de crime vai ocorrer porque sempre existirão pessoas de boa-fé"

Na ação, essa quadrilha trabalhava com dados das pessoas, o que induzia na crença de que a ligação era verdadeira, não?
Sim. É um ponto muito importante de se observar, porque a gente teve acesso pelas interceptações e conversas, de que esses membros da organização criminosa, conseguem levantar lista de clientes de instituições financeiras, ainda não identificada ou por meio de próprios funcionários dos bancos e normalmente se referem a pagamento em troca dessa lista, em valores de R$ 1.000, R$ 1.500, e também pelo próprio mercado clandestino. Não se sabe como, mas essas listas saem dos bancos. É uma falha que existe. De posse de todos os dados, eles davam o ar pra vítima de que efetivamente tratava-se de pessoas do banco ou responsáveis pelas empresas dos cartões de crédito. Fazia parte do engodo, para deixar a pessoa segura e, mais do que isso, eles trabalhavam com aparato tecnológico, uma delas chamada de URA (Unidade de Resposta Audível) que assim que falavam com as vítimas e elas diziam que iriam ligar para o banco, os próprios criminosos orientavam ligar para o número 0800 impresso atrás do cartão. A pessoa desligava, porém, com esse aparato tecnológico eles seguravam a linha e quando pessoa ligava para o 0800, na verdade caia naquela mesma ligação e a vítima então recebia a confirmação de tudo aquilo que eles falaram anteriormente, tudo para induzir a vítima em erro. Os motoxistas já chegavam na vítima com informações detalhadas e diziam ser do banco, enviado para pegar o cartão para ser substituído. Interessante que a movimentação era rápida e muitas vezes as próprias empresas de máquina de cartão suspeitavam das transações atípicas que eram bloqueadas. Mas, por conta da constituição de empresas, a quadrilha tinha mais de uma máquina para repor a bloqueada. 

Tem ideia de quanto foi movimentado por essa quadrilha?
Infelizmente, foi pedido na denúncia, o extrato de toda movimentação e levantamento de outras contas. Até agora só foi informado nos autos o bloqueio, mas não o extrato. Mas, garanto que foi mais de milhões. Eu dou um exemplo: uma das mulheres que fazia o trabalho de ligação, que teve a prisão decretada, mas que foi colocada em liberdade por habeas corpus, numa das conversas, fala que tem uma conta dela bloqueada com R$ 80 mil. Você faz uma conta, são 13 integrantes identificados, mas tem muito mais que isso, uma delas que fazia atividade só de ligação, fez referência a uma conta com esse valor, imagina o vulto disso tudo.

"O estelionatário age na busca do momento de facilidade que a vítima apresenta para praticar o delito"

Qual a sua percepção desse tipo de crime? 
Infelizmente, isso sempre vai ocorrer porque sempre existirão pessoas de boa-fé. E o estelionatário, ele se aproveita disso e anda conforme a evolução tecnológica. Vemos hoje o que está acontecendo em relação a PIX, sequestros relâmpagos, então, os criminosos vão se aproveitar disso. O que vejo neste crime como característica dele próprio, que é um dos poucos que o sucesso do crime e o prejuízo da vítima dependem da informação que a própria vítima passa, de modo que pode ser evitado. Diferente do roubo, onde a vítima não tem como impedir a ação, mas nestes casos sim. A pessoa tem que ficar atenta e não passar senha por telefone ou meio de rede social. Jamais. E na dúvida, jamais entregar informações pessoais. Se for o caso entre em contato com seu gerente, vá até ao banco. Por que, quando os cartões são clonados a gente se desespera com medo do prejuízo, mas em todos os casos de clonagem, quando a vítima não facilita para que isso ocorra, não se preocupe, porque as empresas de cartões e instituições financeiras têm que ressarcir a pessoa. Se receber esse tipo de ligação, procurar manter a calma, entrar em contato com algum familiar e fazer toda a movimentação de cautela para se confirmar isso. A partir da confirmação da clonagem, ai sim, tomar as medidas necessárias. Repito, jamais passar informações de senha, CPF, tem sempre que duvidar dessas ligações. O estelionatário age na busca do momento de facilidade que a vítima apresenta para praticar o delito.

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