A frase é da médica mastologista Dra. Karoline Ilidio. Segundo ela é preciso desmistificar a palavra sempre carregada de estigma e que levou muita gente a ter temor. Mas, a situação está mudando. Segundo a médica, “a mortalidade por câncer diminuiu absurdamente. Antes não era assim. Por isso ficou o estigma da palavra câncer, da doença maligna ou mesmo de quem se refere a ela como aquela doença”. A mastologia é a especialidade médica que estuda, diagnostica, trata e previne as doenças da mama. Formada em medicina em Fernandópolis, a médica fez residência em cirurgia e se especializou em mastologia e tumores ginecológicos das mulheres. É a primeira especialista nesta área que atua na cidade. No Outubro Rosa e na semana em que se celebrou o Dia do Médico (18 de outubro) e o Dia Internacional de Combate ao Câncer de Mama (19 de outubro) a entrevista é com a médica Karoline Ilidio. Leia...
A senhora é a primeira médica mastologista de Fernandópolis. Conte sobre essa especialização?
Eu me formei em Medicina aqui em Fernandópolis e durante minha especialização em cirurgia geral, que é uma área que gosto muito, percebi que também gostava muito da área oncológica, de tratar pacientes com câncer de forma geral e não apenas de mama. Acabei me apaixonando pelo câncer de mama durante essa residência de cirurgia geral e decidi fazer especialização nesta área do câncer ginecológico e de mama, ou seja, no tratamento das mulheres com doenças neoplásicas. Teve uma pessoa da família, uma tia, que teve câncer de mama bem nessa época em que estava decidindo o que fazer e isso me fez decidir pela área, porque acompanhei de perto. Gosto muito de tratar o câncer e gosto de falar de câncer. Falar sobre câncer desmistifica a palavra e a gente consegue lidar de uma forma mais natural com a doença que vai acometer em algum momento alguém que a gente conhece, senão a gente mesmo. Ninguém está isento de ter a doença.
"Falar sobre câncer desmistifica a palavra e a gente consegue lidar de uma forma mais natural com a doença"
Até hoje ainda tem gente que tem medo até de falar a palavra câncer, não?
Sim, principalmente as pessoas mais idosas tem ainda um grande temor da palavra. O câncer existe desde antes de Cristo e era uma doença considerada muitíssimo maligna, ou seja, que matava grande parte das pessoas e daí vem a crença de que a pessoa que tem o câncer está fadada a morrer pelo câncer. É importante falar sobre isso, justamente para as pessoas entenderem que não é mais como antigamente. A mortalidade por câncer diminuiu absurdamente dos anos 80 prá cá e isso representa muito pouco tempo, não temos ainda uma geração depois dessa mudança da mortalidade. Antes disso, os tratamentos eram muito agressivos, o paciente sofria bastante e muitas vezes não sobrevivia. Por isso ficou o estigma da palavra câncer, da doença maligna ou mesmo de quem se refere como aquela doença.
Estamos no Outubro Rosa de prevenção do câncer de mama e muitas mulheres ainda tem receio de fazer o exame preventivo, justamente por medo de descobrir a doença...
É verdade. Muitas costumam dizer que não vão procurar para não achar. Temos que desmistificar isso também, porque se você encontra algum problema de saúde, qualquer que seja, na sua fase inicial, o tratamento, o manejo daquela doença fica muito fácil. Muitas doenças crônicas que a gente conhece hoje, diabetes, pressão alta, entre outras, tem tratamento com menos sequelas desde que descobertas no início. E o câncer também é assim. O câncer hoje é considerado uma doença crônica na nossa população. Muitas pessoas terão o câncer, conseguirão se curar e quando não se curar, vão conviver com ele por muitos anos. O procurar, entre aspas, os rastreamentos são importantes por isso, para a gente pegar a doença no início e conseguir fazer um tratamento menos invasivo.
"A maioria das mulheres que recebe o diagnóstico de câncer de mama vai ficar curada, vai morrer de outra coisa"
As campanhas de rastreio são geralmente propostas para mulheres de mais idade e hoje estamos vendo mulheres com menos de 40 anos com diagnóstico de câncer de mama. Quando as mulheres devem se preocupar com o câncer de mama?
Quando falamos em termos de prevenção, a recomendação é para que as mulheres acima de 25 anos façam uma consulta especializada. Em muitos lugares a gente não tem a especialidade de mastologia, como já tem aqui em Fernandópolis. Mas, as mulheres têm o ginecologista que também é um médico que pode atuar nesta fase de prevenção. E quando ele vê que algo está errado pode encaminhar para um especialista. A partir dos 25 anos, a mulher tem que ir ao médico uma vez ao ano para fazer, principalmente, a avaliação de risco. Você falou que mulheres mais jovens estão desenvolvendo o câncer, isso é natural e está acontecendo mesmo. Hoje vemos muitas mulheres abaixo da idade recomendada para o rastreio, desenvolvendo a doença. Dá para diagnosticar antes se a mulher faz acompanhamento contínuo e se ela se conhece também e percebe algum sinal que possa suspeitar de que algo não esteja correto com as mamas. O outubro rosa é muito voltado ao câncer de mama, mas temos pensar na mulher como um todo. O câncer de mama pode acometer a mulher em qualquer idade, desde jovens até idosas. O que o Ministério da Saúde preconiza é que as mulheres acima de 50 anos façam a mamografia pelo menos a cada dois anos. E a Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que a mulher faça a partir dos 40 anos. Antes dos 40 anos, não há benefício no exame de mamografia, porque a gente não vai detectar os tumores pequenos, como se detecta nas mulheres mais velhas, porque a densidade das mamas é muito grande. Mas, na consulta o médico definirá se a mulher tem benefício de realizar outro tipo de rastreio, com exames mais avançados, ressonância ou ultrassom, a depender do risco que ela tem que pode ser pelo risco familiar e o próprio risco individual.
"A mamografia não é confortável, mas é totalmente tolerável e imprescindível para detectar lesões iniciais"
O que seria a causa do câncer de mama em mulheres mais jovens?
Depende do contexto que a mulher está inserida. O câncer é uma doença que se desenvolve em pessoas mais idosas, porque ele é dependente de uma mutação genética no nosso DNA. Podemos nascer com uma predisposição para ter essa mutação genética e a gente pode adquirir a mutação ao longo da vida. O que causa esse risco de mutação genética? Principalmente, os nossos hábitos de vida. A nossa sociedade moderna está com hábitos de vida pouco saudáveis. Não existe apenas uma causa para o câncer, é um contexto geral que inclui sedentarismo, obesidade, o tabagismo em suas variadas formas (cigarro, narguilé, cigarro eletrônico). Se formos olhar um contexto geral o grupo de todos os canceres de mama que existem, cerca de 90% não são associados com mutações genéticas, não vem do nosso DNA, da nossa família. A gente não herda, eles vêm dos nossos hábitos de vida. Então, não existe apenas uma causa do câncer, não é a mutação genética que a gente recebe da família e não é só um evento, é um contexto de várias coisas que causam mutação genética e que leva a pessoa a devolver o câncer no futuro.
Ao receber o diagnóstico, qual deve ser a preocupação da mulher?
Quando as mulheres recebem o diagnóstico elas já estão esperando. Ela percebeu a alteração e vai fazer a biopsia para o diagnóstico. A preocupação que a mulher deve ter nesse momento, a par da ansiedade que o diagnóstico traz, é perguntar ao médico quais as perspectivas de tratamento. Não existe nenhum tipo de câncer, por mais avançado que esteja, que não tenha tratamento. Algum tipo de tratamento a mulher vai receber para tentar frear o crescimento dessa neoplasia ou chegar mesmo a cura. O câncer tem cura hoje em dia e o que devemos levar em consideração é informar a paciente sobre as possibilidades que ela tem. A maioria das mulheres que recebe esse diagnóstico vai ficar curada, vai morrer de outra coisa. Não tem que se preocupar com morrer, no momento do diagnóstico. Cuidar da parte emocional é muito importante e precisamos ter um contexto de saúde, a saúde física, saúde emocional e espiritual, tem que estar tudo alinhado, principalmente no momento do diagnóstico que é muito delicado, muito intenso. Do diagnóstico ao tratamento tem uma longa jornada de exames e de procedimentos que precisarão ser feitos. Ansiedade excessiva não vai ajudar, pelo contrário, vai piorar.
Em que medida a mulher precisa se auto examinar?
O autoexame foi muito difundido nos anos 90, quando começaram as primeiras campanhas do Outubro Rosa para que as mulheres se conheçam. Não deve ser uma procura frequente de caroço na mama, mas de se conhecer e perceber alterações que possam vir a ser uma doença. As mulheres precisam conhecer o seu corpo de forma geral e não apenas as mamas. Então, elas precisam observar se uma mama está diferente da outra em determinado dia e, se após alguns dias de observação, persistiu a diferença, procure atendimento. Um mamilo que era pra fora e começa ficar para dentro, ou a pele alterou a cor, são sinais do câncer. As vezes os sinais precoces do câncer são imperceptíveis. Já vi casos de mulheres que não perceberam o nódulo e quem percebeu foi o companheiro. A mulher precisa se conhecer a ponto de perceber alguma diferença. O autoexame não substitui o exame de rastreio, nem a consulta especializada. Muitas mulheres têm medo da mamografia porque tem o estigma de que é doloroso. De fato, não é confortável, mas é totalmente tolerável e muito importante fazer. O autoexame não serve para rastreio, serve para a mulher se conhecer e procurar algum sinal para buscar o atendimento o mais rápido possível. A mamografia é imprescindível para detectar lesões iniciais.
O tratamento também entra na lista dos estigmas do câncer?
Quando a gente pensa em uma pessoa em tratamento contra o câncer logo vem à mente a pessoa careca, debilitada, com náuseas. Hoje em dia não é mais tão intenso como antigamente. Os tratamentos mudaram muito e estão mais modernos. Vai depender do estágio do diagnóstico. Quanto mais avançado, mais invasivo será o tratamento. O tratamento do câncer é multimodal, ou seja, precisa ter um acompanhamento multidisciplinar com vários especialistas e ele pode ser feito utilizando várias tecnologias, a quimioterapia, cirurgia, radioterapia, imunoterapia, hormonioterapia. Cada caso tem a sua indicação, é um tratamento individual. E a mulher deve lembrar que o tratamento é uma fase e um mal necessário para a cura desse câncer. O sofrimento da paciente tem que ser validado e é preciso cuidar da saúde mental, porque é um sofrimento. Não podemos romantizar. Pessoas que passam pelo tratamento sem muitos efeitos colaterais é porque estão com o emocional equilibrado, com esperança de que tudo vai passar e dar tudo certo.