Observatório

Em defesa da dignidade humana nas relações do trabalho



Em defesa da dignidade humana nas relações do trabalho

Amanhã, 1º de Maio, é Dia do Trabalho. Garantir o princípio da dignidade humana nas relações do trabalho é o grande desafio a ser alcançado na opinião do juiz Alessandro Tristão da Vara do Trabalho e do Juizado Especial da Infância e Adolescência em Fernandópolis. Nesta semana também foi comemorado o Dia do Juiz do Trabalho (26 de abril).O juiz atua como titular na Vara do Trabalho há cerca de 10 anos, tempo que é maior se somar o período que esteve por aqui como substituto. “Vim como juiz titular para Fernandópolis e nunca mais me removi mesmo tendo chance para assumir outras Varas”, disse em entrevista à Rádio Difusora FM e CIDADÃO.Integrado à comunidade, ele tem encampado ações sociais para mobilizar os empresários da cidade para o cumprimento constitucional do direito do menor aprendiz. Com isso conseguiu preencher 85% das vagas disponíveis. Trabalha também pela conscientização na destinação de parte do Imposto de Renda para o Fundo Municipal da Criança e Adolescente. Na entrevista a seguir, ele aborda diferentes temas inerentes ao trabalho. Leia:

O Juiz do Trabalho tem a função de decidir disputas entre patrões e empregados. Como o senhor se prepara para essa rotina diária?
É preciso esclarecer que, além dessas relações de trabalho no sentido estrito, a Justiça do Trabalho tem competência para outro tipo de ação. As ações de reivindicação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, entre sindicatos e empregadores, ações relativas a penalidades administrativas que são impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização do trabalho, entre outras. Quanto a esse preparo especifico para lide entre empregador e empregado, tem dois aspectos principais. De um lado, um aspecto mais objetivo, ligado a parte técnica. De outro, subjetivo, mais pessoal, envolveria a exposição para efetivamente proporcionar que as partes possam abertamente discutir as questões que são colocadas em juízo, para evitar uma ação judicial e que na verdade surja, como muitas vezes surge, uma conciliação entre os próprios envolvidos. 

Fala-se que na hora de decidir o juiz leva em conta o aspecto social. Isso é mito ou verdade?
Penso que isso é uma verdade, mas não com o sentido que muitas vezes é utilizado nestas falas, ou seja, muitas vezes se usa essa colocação no sentido pejorativo ou até de quebra de imparcialidade do juiz. E veja, o juiz ao tomar posse faz juramento e se compromete a cumprir e fazer cumprir a constituição e as leis. E a nossa Constituição, no primeiro artigo já elenca dentre os fundamentos da nossa República, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A lei de introdução às normas do direito brasileiro, que traz as diretrizes do ordenamento jurídico, determina expressamente que na aplicação de qualquer lei o juiz vai atender os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Até porque, não é o magistrado, mas o legislador que, em diversas hipóteses, reconhece a hipossuficiência de uma das partes. Em razão disso, ele estabelece normas para reequilibrar essas relações da sociedade. Trata-se na verdade de buscar a igualdade no tratamento das partes no contexto jurídico, ou seja, de tratar os desiguais na medida da desigualdade. 

"A igualdade significa tratar os desiguais na medida da desigualdade"

A Justiça do Trabalho pós reforma trabalhista. O que mudou?
Na verdade, foram mais de 200 dispositivos alterados na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, pela lei 13467 de 2017, denominada de Reforma Trabalhista. Os idealizadores desse projeto apregoavam à época que essas alterações seriam fundamentais para trazer segurança jurídica aos empregadores e ao mercado de trabalho. E um dos principais aspectos da mudança seria a modernização das relações de trabalho e principalmente o incentivo as contratações com diminuição do desemprego. Na época, o governo chegava a falar em criar 2 milhões de empregos em dois anos e 6 milhões em dez anos. Quatro anos depois da reforma, esse número de empregos prometidos não se concretizou. Dados do IBGE mostram que temos um desemprego praticamente igual à época anterior a reforma, de 11%. Na Justiça do Trabalho, com relação a demanda processual, é verdade, houve uma diminuição de processos e isso está sendo atribuída principalmente ao fato de impor ao trabalhador, em caso de sucumbência, quando ele perde a ação, o pagamento dos honorários advocatícios mesmo quando esse trabalhador é beneficiário da justiça gratuita. Acontece, todavia, que o STF reconheceu a inconstitucionalidade dessa tese e deve haver uma retomada da demanda de ações, que após a reforma, registrou uma queda de quase 30%. 

Estamos vivendo a comemoração do Dia do Trabalho neste 1º de maio. Qual é o maior desafio, na sua opinião, ainda a ser vencido nas relações do trabalho no Brasil? 
O desafio maior nas relações do trabalho é observar o princípio da dignidade humana e o equilíbrio entre as pretensões de cada um dos partícipes dessa relação. É um desafio não só das relações do trabalho no Brasil, mas global. Não é por outro motivo que esse é um desafio para a promoção,de forma concomitante, que a ONU denominou no seu oitavo objetivo de Desenvolvimento Sustentável, ou seja, o trabalho descente e crescimento econômico.

"A prometida geração de empregos com a Reforma Trabalhista não aconteceu"

Qual foi o impacto da pandemia no trabalho da Justiça do Trabalho?
A Justiça do Trabalho, como todo o Judiciário, precisou se adaptar a essa nova realidade, a realidade da pandemia. Em Fernandópolis, de maneira especifica, não deixamos de realizar as audiências. Mantivemos o atendimento jurisdicional por meio das audiências telepresenciais. Com isso a pauta de audiências da Vara de Fernandópolis é hoje a mesma daquela antes da pandemia em termos de tempo para a realização das audiências. O maior impacto, talvez tenha sido a necessidade de testar o novo. Com isso a pandemia teve um efeito catalisador na criação desses novos meios de acesso à Justiça. Penso também que o novo veio para ficar. Estive numa reunião com advogados na OAB de Fernandópolis e a percepção é de que, na grande maioria dos processos, haverá a opção dos próprios advogados pela realização das audiências telepresenciais, mantendo regra geral esse modelo que foi adotado durante a pandemia, embora os trabalhos presenciais na Vara do Trabalho de Fernandópolis foram retomados integralmente nesse mês de abril.

Nesse período também a Justiça do Trabalho ganhou sua casa própria...
Acredito que tenha sido um ganho muito grande para toda comunidade o fato da Vara do Trabalho e do Juizado da Infância da Infância e Adolescência funcionar em sede própria. Mais importante, a questão da localização, agora perto do Fórum, da Câmara de Vereadores, da Prefeitura, da sede da OAB. Houve ali uma facilidade inclusive para o deslocamento dos advogados porque havia uma reclamação muito grande em relação a estacionamento na área onde estava a sede anterior. Sem contar com a proximidade da Estação Rodoviária que permite aos jurisdicionados de outras cidades tenham um acesso mais fácil.

A questão de tempo das ações trabalhistas. Isso gera angustia no magistrado?
A realidade na Vara do Trabalho em Fernandópolis, é de uma pauta muito exígua. Então o tempo de duração de um processo na primeira instância, na nossa jurisdição, é muito menor. Os próprios índices da Justiça do Trabalho têm sempre colocado a Vara do Trabalho de Fernandópolis entre as primeiras do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e também, em certa medida, entre as primeiras do Brasil. Uma das questões, é justamente a questão do tempo que o processo demanda. E isso tem sido muito rápido. Aí há o tempo dos Tribunais, onde o processo, dependendo da situação, ele pode ir para a segunda, ou terceira instância ou eventualmente até para o Supremo Tribunal Federal. É um tempo que está fora do nosso controle. Acredito que seja uma angústia, não só minha, mas de todos os magistrados que lidam com isso, os casos de processos transitado em julgado, e que não há meios de fazer o cumprimento da liquidação, seja porque o devedor não possui mais bens, seja porque esses bens são de difícil alienação e fica a sensação angustiante para o magistrado e, muito pior do lado de quem tem aquela sentença, e não consegue efetivamente na execução os valores que foram determinados para pagamento daquele processo. 

"85% das cotas de Menor Aprendiz em Fernandópolis estão preenchidas"

A Justiça do Trabalho tem se empenhado no projeto do jovem Aprendiz junto ao empresariado. Houve avanço nos últimos anos?
Temos sensibilizado as empresas para que cumpram a obrigação legal de oferecer essas vagas de menor aprendiz. Temos obtidos avanços. Em 2019, nós realizamos o denominado Dia da Aprendizagem, reunindo empresas e menores interessados na aprendizagem. Essa iniciativa resultou na contratação de mais de 300 jovens aprendizes. No ano passado promovemos uma audiência coletiva, que realizamos de forma remota por causa da pandemia, com a participação de 93 empresas e aí o foco foram as empresas de menor porte, porque as de maior porte já tinham se enquadrado.  Logramos acordos com 59 empresas e a contratação de 105 jovens aprendizes. O resumo dessas duas iniciativas indica uma grande adesão no cumprimento das cotas de aprendizagem em Fernandópolis e respectiva jurisdição. No início tínhamos disponíveis 530 cotas na jurisdição, o que representava 70% das cotas que não eram preenchidas. Hoje podemos dizer que temos o cumprimento de 85%. As poucas empresas que não cumprem essas cotas estão sujeitas a medidas judiciais por parte do Ministério Público do Trabalho e medidas administrativas por parte da Fiscalização do Trabalho. É bom que se diga, que essa questão da aprendizagem, é garantir ao jovem o direito constitucional à profissionalização e qualificação para o mercado de trabalho por meio de uma formação técnico, profissional e metódica. Ao mesmo tempo conseguimos combater a evasão escolar, pois nessa aprendizagem matrícula e frequência são obrigatórias. E todo o incentivo a aprendizagem contribui também para erradicação do trabalho infantil, a promoção da inclusão social, o combate ao desemprego entre os mais jovens e a prevenção ao envolvimento ou a incidência infracional. 

Estamos em época da declaração do imposto de renda e a Justiça do Trabalho também tem incentivado a destinação social, não?  
Muitos contribuintes, pessoas físicas podem, independentemente se possui imposto de renda a pagar ou a restituir, destinar uma parte para projetos de proteção à criança e adolescente. O único requisito para realizar essa destinação é fazer a declaração pelo formulário completo. No momento da declaração é possível destinar até 3% do imposto devido para o Fundo da Criança e do Adolescente da nossa comunidade. Os recursos arrecadados podem ser aplicados unicamente em programas de proteção e garantias dos direitos das crianças e adolescentes. No canal do YouTube do Juizado Especial da Infância e Adolescente de Fernandópolis há ali um vídeo, uma webinar com todas as orientações sobre a destinação do imposto de renda, que promovemos no ano passado com os contadores da jurisdição para incentivar as doações. Ali tem o passo a passo para a destinação. É possibilidade que o cidadão tem de destinar esse dinheiro para projetos sociais aqui na cidade em vez de enviar para os cofres da União. E isso tem custo zero para o contribuinte.

Observatório