O médico infectologista de Fernandópolis Dr. Márcio Gaggini completou no último dia 13 de março, 22 anos de Fernandópolis. “Foi o meu berço, eu que era recém-nascido na medicina quando aqui cheguei em 2000”, disse em entrevista ao CIDADÃO e Rádio Difusora FM, no dia em que se comemorava o Dia do Infectologista (11 de abril). “Quando escolhi a profissão, escolhi por amor e não me canso. Fernandópolis foi a cidade que me proporcionou tudo isso, que me recebeu tão bem. Dei os meus primeiros passos como médico na Santa Casa e sou muito grato. Trabalho na rede municipal desde 2001 e tenho muito orgulho. O Cadip – Centro de Atendimento a Doenças Infectocontagiosas - nem sei se a minha primeira ou segunda casa”, diz o médico que se orgulha de ter recebido o título de Cidadão Fernandopolense. Lembra que a Infectologia caminha junto com a história da humanidade e diz que o advento da Pandemia da Covid-19 foi uma oportunidade, como médico infectologista, de participar da história da humanidade. Recorda ainda os momentos de angustia que viveu, como médico e paciente, durante a pandemia da Covid e guarda como troféu o frasco da primeira dose da vacina. Acrescenta que a tranquilidade que vivemos hoje é resultado da vacinação. Leia a entrevista:
Em que momento o senhor decidiu ser médico infectologista?
Eu sempre converso com os alunos que a escolha da especialização é o momento mais difícil da vida, até mais difícil que escolher ser médico. Eu entrei na faculdade querendo ser ginecologista, passei pela ginecologia e obstetrícia, acabei não me adequando, mudei para a área de clínica médica e naquele momento estávamos vivendo um momento muito difícil da pandemia de HIV (Aids), quando ainda se isolava a maioria dos pacientes. Num dia em que estava na enfermaria do hospital Emilio Carlos em Catanduva, me chocou bastante ver as pessoas internadas, aquele sofrimento e isso influiu na minha escolha. A infectologia era uma especialidade que não era muito reconhecida e não tinha muito procura. Aquilo me fez escolher algo que poderia ajudar o próximo. Foi uma escolha de vida e não me arrependo. Eu comecei a residência em 1997, na Faculdade de Medicina de Marilia, e fui indicado para vir para Fernandópolis. No dia 13 de março de 2000 foi o primeiro dia que trabalhei aqui na cidade. Foi o dia que dei os primeiros passos na Santa Casa. Foram dias difíceis no início, mas só tenho a agradecer a todos do hospital que receberam tão bem.
Em algum momento passou pela sua cabeça que poderíamos vivenciar uma pandemia como da Covid-19?
É uma pergunta importante para minha vida. Anos atrás em uma palestra eu contava um pouco da história da infectologia, que caminha junto com a história da humanidade. Se pegarmos as principais doenças que acometeram a humanidade, a infectologia está junto nessa história. Desde as icterícias que eram as hepatites virais na época de Hipócrates, 400 anos antes de Cristo, que foi uma das primeiras doenças infecciosas da medicina a ser relatada. Depois tivemos a peste bubônica que quase acabou com a população do mundo no século XIV e a gripe espanhola em 1918. Então cheguei a indagar na aula, se um dia iria enfrentar uma dessas grandes pandemias. Não sabia o risco que estava correndo. Mas, fazia parte da minha vontade e escolha. Não me arrependo, sabia dos riscos que tinha que correr. Sofri bastante, quando estive internado contaminado pela Covid, vivi momentos de muita angústia, não me reconhecia dentro do hospital. Mas, tive a força de Deus para superar e continuar atendendo as pessoas durante a pandemia. É muito bom ter uma profissão em que você participa da história da humanidade.
"É muito bom ter uma profissão em que você participa da história da humanidade"
O senhor falou da angustia de ser paciente da Covid, mas como médico, qual foi o momento mais duro nesta pandemia?
Acho que o momento mais triste da minha vida como médico foi março de 2021 com a chegada da variante Delta quando, por mais que achássemos que estávamos preparados, foram momentos difíceis. Estávamos com superlotação no hospital (Santa Casa) e a UPA chegou numa tarde que tinha 28 pacientes internados. Foi desafiador, um momento crítico em ver tanto sofrimento. E não era só em nossa cidade, faltavam leitos no estado inteiro. Outro momento importante foi o dia da vacinação. Vou até contar algo pessoal. Guardei o vidrinho da minha primeira vacina como troféu na estante da minha sala. Se a gente não tivesse a vacina, o que aconteceu agora com a Ômicron ia ser mais terrível ainda, a gente não ia ter local para cuidar e teríamos muito mais óbitos. Graças a Deus chegou a vacina.
A chegada da vacina impediu o pior cenário para a pandemia?
Sem dúvida. Os números estão mostrando a eficácia da vacina, é só olhar o tanto de casos que tivemos com a variante Ômicron e o número de óbitos, felizmente, foi bem menor. O que ajudou muito foi a vacina. E é importante a gente falar de vacina, porque tem muita gente com a vacinação em atraso em Fernandópolis. Temos quase 4 mil pessoas em atraso com a segunda dose e desses, cerca de 700 são crianças. Se pegarmos a terceira dose, temos 14,6 mil pessoas com a vacinação atrasada. Nós estamos vendo o quanto a vacinação está sendo boa para o Brasil com a queda dos números. E temos a vacina disponível. Quero lembrar também a segurança que é fazer a vacina da gripe influenza e da covid ao mesmo tempo. Tem muitas pessoas com receio de fazer as duas juntas, mas pode tomar que é seguro.
"É difícil fazer novo lockdown, fechar o comércio, voltar com as máscaras, porque estamos acreditando na vacina"
Como o senhor analisa o cenário daqui para frente?
Quanto maior for o número de pessoas vacinadas, melhor será o cenário. É difícil fazer de novo o lockdown, fechar o comércio, porque estamos acreditando na vacina. O uso de máscara também será difícil voltar atrás. Lá no Cadip, por exemplo, vai ser o contrário, será difícil tirar a máscara daqui para frente, porque lá é um lugar muito suscetível. Já conversamos entre nós de não tirar a máscara, porque já deveríamos estar utilizando a máscara há muito tempo, porque ela não protege só da Covid, protege também da tuberculose, da hanseníase, de uma influenza e de outras doenças de origem respiratória que atendemos no Cadip. Mas, acho que para a população em geral será difícil retornar máscara, voltar o lokdown com o grau de vacinação que atingimos. Só que não dá para afirmar que não teremos novos casos. Teremos, mas serão mais brandos.
Sobre o projeto da Santa Casa de instalar uma unidade de infectologia? Qual a importância para a região?
É um projeto que depende muito do investimento do Estado. Quando começou a pandemia, a gente tentou adaptar o hospital para uma realidade pós pandemia que seriam leitos de isolamento. Não conheço outras cidades, mas acredito ser difícil algum outro hospital ter uma estrutura de leitos de isolamento como temos aqui na Santa Casa para desenvolver uma unidade de infectologia. Temos o espaço físico e a parte humana preparada. Temos também o programa de residência médica, com doze residentes de clínica médica no hospital. Isso é uma coisa que sempre luto. As vezes a pessoa reclama em ser atendido por um residente. Acho que tem que agradecer muito que esteja sendo atendido por um residente porque ele é um médico muito bem formado. Tem essa confusão de que residente é estagiário e não é médico. Ele é médico, muito bem formado, disposto a ajudar. Temos que valorizar muito a residência que nos ajudou na pandemia e ajuda muito no hospital. Eu digo que se não tivéssemos a residência, a Santa Casa já teria fechado. Temos vários fatores positivos que podem ser somados para ter a abertura desses leitos de isolamento no hospital.
"O Ministério da Saúde escolheu 24 cidades, entre elas Fernandópolis, para o projeto piloto de hanseníase no Brasil"
Embora a pandemia esteja dominando o cenário da infectologia, Fernandópolis tem um trabalho muito sério na área da hanseníase e a cidade foi escolhida como polo para projeto do governo federal?
A hanseníase foi importante na minha formação médica, desde que cheguei em Fernandópolis. Hoje faço parte da diretoria da Sociedade Brasileira de Hanseníase, sempre estou participando de congressos da especialidade. Agora, o Ministério da Saúde escolheu 24 cidades para fazer um projeto piloto para implantar a sorologia de hanseníase no Brasil com aval dos especialistas, mas antes precisa um estudo sobre como será utilizada. Um dos municípios escolhidos foi Fernandópolis. No Estado de São Paulo foram três cidades, a capital, Ribeirão Preto e nossa cidade. Isso dá orgulho, pelo reconhecimento do trabalho do Cadip, da cidade. A hanseníase era uma doença que, infelizmente, já era negligenciada e na pandemia foi ainda mais. A realidade está muito longe de controle da hanseníase.
Como médico infectologista qual seria o ranking de suas preocupações hoje?
Hoje não tem como não falar que a Covid está em primeiro lugar, o vírus é perigoso. Em segundo no ranking, não foge muito da Covid-19 porque já é esperado que em um período de 10 a 20 anos teremos uma nova pandemia de um vírus. A preocupação no ranking, são as infecções hospitalares, as bactérias resistentes, não só dentro do hospital, mas no meio ambiente, porque estamos tendo o uso desgovernado de antibióticos e antimicrobianos e isso está selecionando bactérias muito resistentes e não estamos descobrindo medicamentos para combatê-las. Isso é uma situação preocupante na área da infectologia. Acho que as três principais preocupações seriam essas. A quarta seriam as doenças negligenciadas, leishmaniose, hanseníase, malária, dengue. O HIV, as hepatites virais, a gente teve um ganho enorme nos últimos anos com tratamento e existe esperança de vacina para o HIV.
