Fernandopolense é notícia no mundo. Lucas
Alvizi, 33 anos, virou referência mundial com artigo publicado na renomada revista científica Nature Communications. O artigo é resultado de uma pesquisa
de longos anos que Lucas participa desde a USP
e concluída agora na University College London.
“O principal objetivo da pesquisa foi identificar fatores genéticos que expliquem o aparecimento de fissura de
lábio e palato (lábio leporino) durante o desenvolvimento
do feto, uma das malformações mais comuns e no mundo
a frequência é de 1 para cada 700 nascimentos.
O estudo é mais uma peça do quebra-cabeças sobre como a condição é desencadeada, visando, no futuro, interferir no processo para prevenir a malformação. A gente fica feliz quando pode dar uma resposta”, explicou Lucas.
Hoje morando em Londres, na Inglaterra, o fernandopolense fez o ensino fundamental na Escola Afonso Cáfaro, o colegial no Anglo e estudou Ciências Biológicas na USP. Doutor em Genética Humana pelo Centro de Pesquisas Sobre o Genoma Humano e Células-Tronco da USP, Lucas é filho da fisioterapeuta Sandra Alvizi e de Luiz Cruz e irmão de Thiago e Matheus. Os principais trechos da entrevista que concedeu para a Rádio Difusora FM e jornal CIDADÃO, o leitor lê a seguir:
Conta um pouco da sua história de Fernandópolis a Londres?
Eu estudei até minha oitava série na escola estadual Afonso Cáfaro, um lugar muito especial para mim porque foi onde desenvolvi minha curiosidade. No ensino médio fui para o Colégio Anglo já pensando em vestibular. Passei no vestibular da USP e fui para São Paulo estudar Ciências Biológicas. Desde o começo da minha trajetória no curso, já tive curiosidade por pesquisa. Trabalhei um pouco com genética animal, genética de plantas e acabei conhecendo o laboratório que trabalhava com genética humana, investigando causas de doenças e foi onde me estabeleci. Esse laboratório fica no Centro de Estudos de Genoma Humano da USP onde se investigava várias origens de doenças genéticas.
Como começou essa pesquisa que foi publicada recentemente em revista cientifica de renome mundial?
Ainda na graduação começamos a estudar fissura de lábio palato (lábio leporino) durante o desenvolvimento do feto. Essa pesquisa faz parte de um projeto maior que começou há mais de 15 anos na USP, sob coordenação da Profa. Maria Rita Passos-Bueno (Centro de Pesquisas sobre Genoma Humano e Células Tronco-USP). Fissuras de lábio e palato são uma das malformações mais comuns e no mundo a frequência é de 1 para cada 700 nascimentos. O objetivo era descobrir as causas, principalmente do aspecto genético. Importante mencionar que as fissuras lábio palatinas são consideradas multifatoriais, ou seja, existe um componente genético, mas também existe um componente ambiental. Em 2012 comecei meu doutorado com a ideia de entender essa combinação de genética e ambiente. Foi aí que comecei a me aprofundar na epigenética. Em 2017, durante o meu primeiro pós-doutorado, eu comecei a investigar famílias com fissura. Nessas famílias identificamos o gene que, quando mutado, aumentava o risco de fissura. Porém, era claro pra gente que só a mutação em si não conseguia explicar 100% a ocorrência de fissura nessas famílias. Em 2019 consegui uma bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para vir para Londres e, posteriormente, fui contratado pela University College London como pesquisador e propus a continuação desse projeto, mas dessa vez com uma carga de experimentos mais focadas em embriões e no teste de combinar inflamação e genética e acompanhar o desenvolvimento da face. O estudo, publicado na Nature, elucida pela primeira vez que a malformação é gerada por dois eventos, um genético e um relacionado ao ambiente celular durante o desenvolvimento do embrião.
"É muito prazeroso numa pesquisa quando se consegue responder uma pergunta e ver que isso terá impacto na sociedade"
A partir da conclusão dessa pesquisa qual será a contribuição para a população de risco para desenvolvimento da fissura lábio e palato?
Do ponto de vista da pesquisa, a gente não pode ficar sugerindo muita coisa até outras pesquisas clínicas darem uma certeza maior. Mas, o que descobrimos neste estudo é que se tem uma combinação genética e um dos fatores ambientais que investigamos é a inflamação que durante a gestação pode acontecer de várias formas. Pode ser por conta de obesidade que pode gerar inflamação no útero e no embrião. A gestante pode ter algum tipo de infecção ou algumas outras causas. O que esperamos é que essa pesquisa abra caminho para outras pesquisas clínicas preventivas. Será que se a gente tentar prevenir alguns fatores de risco que vão levar a inflamação, conseguiremos evitar um outro caso de fissura em uma família de risco, onde já ocorreram casos de fissura? Acho que é por essa linha que novas pesquisas poderiam ir. Claro que isso cria impacto muito grande nas famílias. Família com caso com fissura fica com medo de ter novos filhos e repetir o caso. É uma questão delicada, porque quem nasce com a fissura passa por várias cirurgias, desde os quatro meses de vida até os 20 anos. Tem vários problemas para alimentação e de fala. Isso é uma questão de saúde pública importante. Por isso, esperamos que a partir desse estudo possa se desenvolver algumas estratégias preventivas. Acreditamos que esse será o próximo passo.
"Ter o trabalho publicado na Nature é uma realização muito grande, é a oportunidade de dar um retorno para a sociedade através da pesquisa realizada"
Como foi para você ter essa pesquisa publicada em uma revista cientifica de renome mundial como a Nature?
É uma mistura de emoção, porque ter um artigo publicado, não importa a revista, é resultado de muito trabalho, de muito esforço. Quando surgiu a oportunidade de publicar na Nature, só deles aceitarem o trabalho para revisão já foi uma vitória. Ter o trabalho publicado é uma realização muito grande, é a oportunidade de dar um retorno para a sociedade através da pesquisa realizada. É muito prazeroso numa pesquisa quando se consegue responder uma pergunta e ver que isso terá impacto na sociedade.
"Fissuras de lábio e palato são uma das malformações mais comuns. A pesquisa revela que ela é gerada por dois eventos, um genético e um relacionado ao ambiente celular"
Como é a sua rotina em Londres?
A minha rotina é de pesquisa. Mudei minha área, não trabalho mais com genética humana, mas com pesquisa com embriões de animais. Minha rotina é laboratório, fazer meus experimentos que na maioria das vezes dá errado, a gente repete até que uma hora funciona e quando isso acontece, ficamos felizes. Quando sobra tempo, saímos para tomar sol, isso quando tem sol aqui em Londres.
Pretende continuar pela Europa?
O futuro a gente nunca sabe. Eu estou aqui com meu marido, o Vitor que é de São Paulo, que veio comigo em 2020 e começamos essa empreitada juntos. Na verdade, foi uma estória engraçada. A gente veio prá cá e deu duas semanas estourou a pandemia e fechou tudo. Agora que a vida está continuando, a gente tem planos de ficar mais um tempo aqui e, talvez, dependendo de oportunidade, ir para outro lugar da Europa. O Brasil é a nossa casa, mas não sabemos quando voltar e se voltaremos. Por enquanto, estamos aproveitando o momento. Indo para o Brasil, vou direto para Fernandópolis e para a beira do rio. Estive aí recentemente, no carnaval