O médico pediatria Haroldo Teófilo de Carvalho é um dos primeiros formandos do curso de medicina de Fernandópolis. Hoje, aos 35 anos, é Mestre e Doutor em pediatria e professor Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu. Ele foi um dos convidados para o Congresso Médico do curso de Medicina da Universidade Brasil. Em Fernandópolis, pôde se reencontrar com a cidade que diz nutrir grande paixão e com o médico pediatra, Dr. Luis Antonio Baraldi, a quem se refere como mentor e grande inspiração. Na passagem por Fernandópolis ele resgatou o projeto da UTI Pediátrica, que ele e o Dr. Baraldi chegaram a bancar o projeto. Segundo Haroldo, o projeto não saiu do papel por falta de vontade política. Mas o médico ressalta a importância dessa unidade pediátrica para a região. “Hoje sobrecarregamos o sistema de saúde de Rio Preto porque não temos essa UTI para atender desde o recém-nascidos até adolescentes com 16 anos”. Ele foi entrevistado pela Rádio Difusora FM e jornal CIDADÃO. Leia:
Começou cedo na medicina?
Ingressei no curso de medicina com 17 anos. Precisei ser emancipado para vir para Fernandópolis. Sou mineiro e para que a gente pudesse pegar o ônibus precisava do documento de emancipação emitido por juiz. Fui emancipado e lembro até hoje o momento que fui ao Fórum com o meu pai e o juiz me deu um sermão do que deveria e o que não deveria fazer sendo um adolescente emancipado. Cheguei em Fernandópolis com 17 anos, onde fiz a minha graduação em medicina, fiz a residência médica em pediatria. Fui residente de uma das primeiras turmas da medicina e, em seguida, fui para Botucatu, onde fiz residência médica em terapia intensiva em um dos maiores centros de terapia intensiva do Brasil. Depois fiz cardiologia pediátrica, fiquei um ano em Cleveland nos Estados Unidos, estudando apenas pós-operatório em cirurgia cardíaca em pediatria. Retornei ao Brasil, fiz mestrado e doutorado e prestei concurso público para ser professor da Unesp em Botucatu. É imensurável o carinho que tenho por Fernandópolis. Há 10 anos, junto com o Dr. Baraldi lutamos para implantar na Santa Casa de Fernandópolis uma Unidade de Terapia Intensiva pediátrica. Infelizmente, nosso sonho não se concretizou e não pude retornar a Fernandópolis que era o meu plano. O destino seguiu outro rumo.
"É preciso vontade política para instalar em Fernandópolis uma UTI Pediátrica"
Por que o projeto da UTI pediátrica não saiu do papel?
A UTI pediátrica demanda uma disposição política e da instituição hospital muito grande. Há 10 anos, eu e o Dr. Baraldi pagamos do nosso próprio bolso uma planta de UTI, fizemos o orçamento, a programação necessária, mas infelizmente quando foi preciso que alguém levasse o projeto para a DRS, Secretaria Estadual de Saúde e Ministério da Saúde não tivemos esse apoio e o plano acabou sendo enterrado. É questão de vontade política, exclusivamente política. Por que? Médicos e a estrutura se consegue. Mas, fazer com que o estado perceba a necessidade, esses dados precisam chegar em Brasília. E nós precisamos dessa UTI. Quantas e quantas noites e madrugadas, sábados e domingos, eu, o professor Aristides, professor Mauro, professor Baraldi, montamos em uma ambulância em Fernandópolis para levar criança para Rio Preto. Não esqueço um caso que perdemos, porque a ambulância quebrou em Meridiano. A criança tinha condições de chegar em Rio Preto. É triste falar disso, mas é a realidade. Hoje, Fernandópolis com mais de 70 mil habitantes, com curso de medicina nesse padrão, um programa de residência médica que está completando 10 anos, é uma cidade que precisa de uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Esse tipo de unidade é diferente de uma unidade neonatal. Na unidade pediátrica nós internamos de recém-nascidos até crianças com 16 anos. Na neonatal a gente interna só recém-nascidos. A nossa necessidade seria uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica que sanaria os problemas que temos com recém-nascidos e crianças maiores. E por mais que possa parecer que não há demanda, não podemos nos esquecer que temos uma microrregião muito grande. Votuporanga não tem Terapia Intensiva Pediátrica, tem apenas a neonatal. Então, são duas microrregiões que sobrecarregam o sistema de saúde de São José do Rio Preto.
O senhor tratou na palestra do tema infecção grave na pediatria. É uma questão que preocupa?
Um dado interessante que nós publicamos recentemente no jornal inglês Lancet, um dos maiores referenciais em medicina no mundo, mostrou que de cada 10 crianças que chegam ao pronto-socorro duas terão sepse (infecção generalizada). O problema da sepse é que o diagnóstico é difícil, deve ser muito bem feito e de forma precoce, caso contrário, de cada 100 crianças seis morrerão. E quando a gente fala em 100 crianças, estamos falando em um dia de atendimento numa cidade do tamanho de Fernandópolis. Cem crianças são atendidas na cidade, seja no pronto-socorro, na clínica da criança ou nas unidades de saúde. Então, dessas cem crianças, seis morrerão, caso o diagnóstico não seja bem feito. Porém, em Fernandópolis temos um centro formador, de graduação e de residência médica, onde os alunos são bem preparados para diagnosticar esses casos. Por isso não ouvimos falar de crianças que morrem por essas condições aqui em Fernandópolis. Claro que é uma condição excepcional. Apresentamos para os alunos no Congresso como é esse diagnóstico, como deve ser feito em tempo hábil e com instituir um tratamento adequado para que essas crianças possam voltar para suas casas e não percorrerem o caminho, que a gente chama de caminho sem volta.
"Só cheguei onde cheguei porque tive como mentor intelectual o Dr. Baraldi"
Da época quando o senhor estudou em Fernandópolis, para hoje, mudou muita coisa?
A primeira pessoa que encontrei aqui em Fernandópolis foi o meu mentor intelectual, a pessoa que me emociona muito, que é o Dr. Baraldi. Ele foi a minha inspiração dentro da pediatria e até hoje é a maior inspiração dos jovens médicos da cidade de Fernandópolis. Costumo dizer que, se toda a faculdade de medicina tivesse um Dr. Baraldi, teríamos uma geração de pediatras nota 1000. Já foi uma emoção grande chegar em Fernandópolis e retornar na Universidade Brasil onde me formei. Na minha época ainda era Unicastelo e nós tínhamos muita dificuldade de conseguir qualquer coisa. Lembro das greves e manifestações que fizemos pelas ruas de Fernandópolis, pedindo ar-condicionado e uma melhor estrutura. Eu volto e encontro a universidade com estrutura de última geração. Estou numa das melhores faculdades públicas do Brasil (Unesp de Botucatu) onde não tenho a estrutura que temos aqui. Fiquei emocionado em ver como tudo mudou e como o campus está maravilhoso. Eu disse na palestra para os alunos, que nós plantamos o que eles estão colhendo hoje. Foi a semente plantada lá atrás por uma estrutura melhor.
Pediatria era um sonho ou surgiu durante o curso?
Descobri isso durante o curso. Costumo dizer para os meus alunos, no primeiro e segundo ano, que se eles têm alguma ideia do que querem fazer, essa ideia vai mudar com o passar dos anos. Durante o curso, nossa mente se abre, conhecemos grandes professores e grandes inspiradores que ajudam a definir nossas escolhas. A minha escolha se deu durante o curso por gostar do que fazia e por ter tido grandes inspiradores. O Dr. Baraldi é o maior inspirador da minha carreira profissional. Só cheguei onde cheguei porque tive como mentor intelectual o Dr. Baraldi com quem converso até hoje. E pasmem, depois anos, pensando que ele teria uma Ferrari, uma casa de campo, o Dr. Baraldi tem WhatsApp. Nunca imaginei que veria o Dr., Baraldi com WhatsApp. Falei para ele que o próximo passo é entrar no Instagram.
"Sem vacinação, iremos encher nossos hospitais com doenças preveníveis e de alta taxa de mortalidade"
Vemos hoje uma queda de interesse pela pediatria. Isso preocupa?
Preocupa, porque a pediatria é considerada uma das cinco áreas básicas da medicina (clínica médica, cirurgia geral, medicina da família e comunidade, ginecologia e obstetrícia e pediatria). A pediatria responde por pelo menos um quinto da população mundial, ou seja, cerca de 1 bilhão de crianças. E hoje nas residências médicas temos menos candidatos e um número de vagas muito grande. Em Botucatu, temos o terceiro maior serviço de pediatria do Brasil. Porém, temos apenas 17 vagas de residência em pediatria no primeiro ano e 19 vagas de subespecialidades pediátricas. Após cinco anos, tivemos uma concorrência este ano que podemos chamar de alta. Foram 273 candidatos para 17 vagas. Porém, quando fazemos a divisão, temos menos de 10 candidatos por vaga. E isso chama a atenção porque esses 10 candidatos por vaga não são só aqueles que prestam no curso de medicina de Botucatu. Eles também prestam outras faculdades. E quando vão sendo aprovados, acaba que no final nós temos sobras de vagas. Precisamos reavaliar e reaver o espaço que é do pediatra.
O que preocupa o pediatra atualmente?
É a queda nos índices de vacinação. Temos o maior programa de vacinação do mundo e, em crianças, já sabemos, a vacina erradicou uma série de doenças graves que antes matavam. Na época do início de carreira dos doutores Baraldi e Aristides, crianças morriam por sarampo, coqueluche, morriam ou ficavam neurologicamente afetadas por paralisia infantil. Depois que que foi instituído em 1988 o Plano Nacional de Imunização nós erradicamos algumas doenças e atingíamos próximo de 90 a 95% de taxa de vacinação. Para algumas vacinas, como por exemplo a da paralisia infantil, em alguns estados do Brasil não atingimos 35%. E só quem viu um paciente com paralisia infantil sabe a importância da vacina para prevenir a doença. Temos que ficar alerta com essa queda na taxa de vacinação, para não vivermos novamente uma década de 50 onde iremos encher nossos hospitais com doenças preveníveis e de alta taxa de mortalidade.