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Meu filho com TDAH. E agora?



Meu filho com TDAH.  E agora?

Cada vez mais os pais estão se defrontando com este questionamento. Excesso de energia acumulada, dificuldade de se relacionar e inquietude são sinais que podem levar ao diagnóstico do TDAH – Transtorno do Desenvolvimento da Atenção e Hiperatividade. “A criança nasce assim e não tem cura. O tratamento exige a terapia, a medicação, quando necessário, e tem que iniciar aos sete anos quando a personalidade da criança está formada”, explica a psicóloga Flavia June. Ela é sincera com pais. “Ainda existe um grande estigma. Muitos (pais) acham que só vai ao psicólogo quem tem problemas mental. A gente precisa pensar que quanto mais cedo se der essa atenção para a criança, melhor será o resultado. Por isso a aceitação dos pais é importante”. E alerta: “Tratamento não é só a famosa Ritalina. A Ritalina é só um medicamento usado em alguns casos no contexto escolar. A criança precisa da terapia”. A entrevista é um alerta aos pais para que prestem atenção aos filhos que não param quietos ou “vivem no mundo da lua”. Leia:

Explique o que é TDAH?

É o Transtorno de Desenvolvimento da Atenção e Hiperatividade. A gente tem o TDAH em três subtipos. A criança pode apresentar o tipo predominante hiperativo, que são as crianças que não param quietas não porque não querem, mas porque não conseguem. Temos o tipo predominante desatento e um terceiro tipo que é misto, que além da desatenção apresenta também a hiperatividade.

Quais são os sinais que podem levar ao diagnóstico?

Toda criança vai desenvolvendo a personalidade até os 7 anos. Este transtorno não aparece na infância, mas criança nasce com ele. É um transtorno, não tem cura. Geralmente o problema aparece com mais ênfase quando a criança vai para a escola, onde ela precisa cumprir regras, desenvolver habilidades, competências que exigem algumas funções mentais. A criança que tem o TDAH não consegue se organizar no tempo, no espaço, ficar quieta. Os sinais mais comuns são: crianças com cadernos desorganizados, que pula folhas, que não consegue terminar a prova durante o horário padrão, não consegue ficar parada ou prestar atenção na aula.

O  problema (TDAH) aparece com mais ênfase quando a criança vai para a escola, onde ela precisa cumprir regras

Desde os primeiros meses de vida, os pais conseguem perceber esse transtorno?

Os primeiros sinais dessa criança hiperativa ou desatenta, começa a aparecer desde os primeiros anos de vida. Você fala “não” para uma criança hiperativa, ela ouve, porém não consegue se controlar, ela mexe, ela desafia. Ela não entende o “não” que é um dos organizadores da mente humana. Então, desde pequena ela começa a desafiar. A criança hiperativa não para quieta nem na hora de dormir. Outra característica da hiperatividade antes do processo de escolarização é a criança que se mexe muito durante o sono e acorda em outra posição, apresenta sonambulismo. Ela não desliga. Essas crianças têm dificuldade para atingir o sono mais profundo (sono Rem) e não descansam. Elas acordam no meio da noite e querem sair da cama.

Como é possível controlar esse quadro?

Existe um número muito grande de crianças com esse transtorno, muitas estão sem diagnóstico, porque os pais acham que é normal e só vão procurar o atendimento quando o professor alerta para o problema. Esse diagnóstico normalmente é dado aos sete anos e os pais logo querem um remedinho, a pílula do perlimpimpim com efeito mágico para resolver o problema.

Tratamento não é só a famosa Ritalina. A Ritalina é só um medicamento usado em alguns casos no contexto escolar

Há casos de os pais não admitirem essa situação?

Ainda existe um grande estigma. Muitos acham que só vai ao psicólogo quem tem problemas mental. A gente precisa pensar que quanto mais cedo se der essa atenção para a criança, melhor será o resultado. O psicólogo faz a orientação aos pais, aos professores sobre o manejo com essas crianças no ambiente escolar. Precisamos pensar, em termos de diagnóstico. A criança hiperativa não passa ser hiperativa depois de um determinado tempo. Ela sempre foi hiperativa e sempre será hiperativa. E é na escola que começa a apresentar uma inquietude maior, porque ela não dá conta de executar as atividades escolares.

Sem a devida assistência, como essa criança chega a adolescência e fase adulta?

Existem algumas comorbidades associadas que, se não tratadas, podem levar a criança a ser um adolescente que possivelmente se envolverá com drogas, adolescentes que gostam de transgredir, porque não conseguem cumprir as regras e não têm medo. Então temos aí o transtorno opositor desafiador. O tratamento exige a terapia, a medicação, quando necessário e tem que iniciar aos sete anos quando a personalidade da criança está formada. Isso, para melhorar a qualidade de vida, para evitar que, quando adulto, seja uma pessoa que não consegue sequer parar em empregos, não consegue lidar com as regras e horários, por exemplo. É muito doloroso ver um filho sofrendo bullying, porque as outras crianças acabam que não aceitam o comportamento dela. Por isso, precisamos compreender que o melhor para nosso filho é tratamento para que ele seja inserido no meio. Quando ela sabe que tem esse transtorno, consegue se colocar no mundo e consegue se expressar. Quando ela não tem conhecimento, também não sabe porque age daquela forma e porque não controla os impulsos.

Precisamos compreender que o melhor para nosso filho é tratamento para que ele seja inserido no meio

Como é feito o diagnóstico?

Muitas vezes essas crianças chegam com pseudo-diagnóstico onde a mãe já pesquisou no “Dr. Google”. Não somos nós, psicólogos, que fazemos sozinhos esse diagnóstico. Existe uma equipe multidisciplinar (psicólogo, neuropediatra ou psiquiatra infantil). Ao psicólogo caberá aplicar uma bateria de testes, entrevistas e questionários para levantar o histórico, porque esses sintomas devem estar presentes pelo menos seis meses na vida da criança. Precisamos entrevistar os pais, os professores, porque a criança hiperativa não é só hiperativa em um ambiente. A desatenta, não está no chamado mundo da lua só em um contexto. Ela está desatenta em todos os contextos da vida dela. A gente também precisa observar o comportamento da criança. Só o médico é que pode dar o diagnóstico de TDAH e se precisa ou não de medicamento. Existe aí uma série de crianças tomando medicação sem necessidade. Quem quer o melhor para o filho vai buscar a assistência de uma equipe multidisciplinar para obter esse diagnóstico.

O que explica o TDAH?

A neurociência explica que são fatores genéticos. Em 80% das crianças que têm esse transtorno, se formos investigar, vamos verificar que os pais também têm. Então um dos fatores é genético. Temos também algumas alterações cerebrais na região frontal, responsável pela memória, atenção, concentração e que transmite os impulsos de sinapse mais rápido, por isso, ela não para quieta.  Tem também os fatores ambientais: pais que fumam, bebem, por exemplo. Hoje temos uma vida corrida que exige que a mãe trabalhe fora e isso representa uma falta de atenção para a criança que, se já tem predisposição genética a desenvolver o transtorno, isso será apenas um facilitador para a hiperatividade

Após o diagnóstico fechado, como a família pode auxiliar no tratamento?

Primeiro é a aceitação, que é a fase mais difícil. Na verdade, os pais não aceitam que os filhos são hiperativos ou desatentos. Então, eles colocam a culpa na escola, que não está preparada, que o professor pegou birra do filho. Teve a aceitação e o diagnóstico, vamos elaborar um plano de trabalho. Se o tipo dela é hiperativo, precisa estar numa terapia onde ela possa se compreender e compreender qual foi o gatilho que está levando a determinado comportamento, sem poder controlar os impulsos, os sentimentos e até numa atividade física compatível. Porém, precisamos prestar atenção também naquelas crianças quietinhas, que os pais dizem que vivem no mundo da lua, que são preguiçosos. Não é nada disso, eles simplesmente não conseguem terminar a lição, se organizar para estudar, nem juntar os materiais que precisa levar para a escola. Por isso a aceitação dos pais é importante. O psicólogo entra para orientar os pais, professores, no manejo e ajudá-los a trabalhar esses conflitos. É um conjunto, para que todos possam compreender e ajudar. É um transtorno, não tem cura. Com tratamento e terapia, essa criança poderá ter uma adolescência e fase adulta próxima da normalidade. A partir do momento que ela se compreende, começa a ter uma postura e uma diminuição dos sintomas, que a gente chama de comorbidades, que vai prejudica-la nas relações interpessoais. Tratamento não é só a famosa Ritalina. A Ritalina é só um medicamento usado em alguns casos no contexto escolar, por isso não é dado em casa, nem nos finais de semana, ou quando está de férias. A Ritalina é uma medicação que vai agir somente na atenção e concentração, para que não fique em prejuízo escolar. A criança precisa da terapia.

Como evitar o preconceito?

É muito comum essas crianças, além de sofrerem porque não querem ser assim, elas sofrem buyilling dos colegas que já são orientados pelos pais para evitarem contato com ele. Enquanto psicóloga entendo que é preciso a conscientização dos pais para a aceitação que o filho tem um transtorno do desenvolvimento que precisa de tratamento. Ninguém quer ter um transtorno. Não é preciso só diagnóstico. 

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