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“Minha maior vitória foi conseguir dar voz às necessidades da comunidade oncológica”



“Minha maior vitória foi conseguir dar voz às necessidades da comunidade oncológica”

Ao ser inserida no mundo oncológico aos 28 anos de idade, Natália Scalabrini, fundadora do Instituto Câncer Direitos em Fernandópolis se deparou com uma dura realidade. “Receber um diagnóstico de câncer não é nada fácil, tira seu chão. Para mim, não saber o que encontrar pela frente potencializava a angústia do diagnóstico”, diz nesta entrevista ao CIDADÃO.  
Mas, ela também se defrontou com uma situação que classificou como cruel: a falta de informação. A partir dessa realidade decidiu buscar respostas. “Eu não tinha todas as respostas naquele momento, mas eu tinha a oportunidade de acessá-las para então exercer os meus direitos. Muitos pacientes não tinham sequer o privilegio da informação, quanto mais o do próprio acesso aos seus direitos. Com certeza o cenário que eu via era bem mais cruel do que o que eu vivia”, diz. 
O Instituto Câncer Direitos foi criado e desde então a advogada e procuradora jurídica se dedica a disseminar informações e dar voz às necessidades da comunidade oncológica. “Quando falamos de direitos dos pacientes com câncer nós não estamos falando de normas, leis ou regras burocráticas. Nós estamos falando de vida! ”. Leia a entrevista:

Qual o propósito ao fundar o Instituto Câncer Direitos?
O Instituto de Ensino Câncer Direitos nasceu com uma proposta educativa de disseminação de informações jurídicas sobre os direitos dos pacientes com câncer. Quando demos início não tínhamos a dimensão do tamanho das necessidades da comunidade oncológica.  Não demorou muito para sentirmos o quão carentes de informação estavam os pacientes e os próprios familiares. O diagnóstico de câncer tira seu chão. Nos concentramos tanto na doença que acabamos nos esquecendo das questões periféricas. O problema disso é que algumas dessas questões periféricas podem ser facilitadoras dessa jornada, assim como o conhecimento sobre os seus direitos. 

"Muitos pacientes não tinham, sequer, o privilegio da informação, quanto mais o do próprio acesso aos seus direitos"

O que a impactou mais, a notícia inesperada do diagnóstico do câncer de mama ou a realidade que encontrou no sistema de saúde?
Receber um diagnóstico de câncer não é nada fácil. Para mim, não saber o que encontrar pela frente potencializava a angústia do diagnóstico. Foi então que me dediquei a buscar respostas, muitas das quais esbarravam nos meus direitos enquanto paciente. Eu não tinha todas as respostas naquele momento, mas eu tinha a oportunidade de acessá-las para então exercer os meus direitos. Muitos pacientes não tinham sequer o privilégio da informação, quanto mais o do próprio acesso aos seus direitos. Com certeza o cenário que eu via era bem mais cruel do que o que eu vivia. 

Quais são as maiores violações para quem se depara com o diagnóstico de câncer?
As violações são inúmeras e das mais variadas possíveis. Estamos falando desde pacientes que aguardam meses na fila de espera do SUS para o início do tratamento até pacientes que sofrem dispensa discriminatória em razão do diagnóstico de câncer. Dificuldade de recolocação no mercado de trabalho por preconceito. Negativas abusivas pelos planos de saúde dos tratamentos indicados pela equipe médica oncológica. Dificuldades de acesso a medicamentos, vacinas de alto custo. Pacientes cujos benefícios previdenciários são, muitas vezes, inacessíveis ante a falta de capacidade de resolução dada a fase complexa a que estão submetidos. Cobranças ilegais de profissionais por tratamentos já disponibilizados pelo SUS ou pelos planos de saúde.  Negativas de solicitações de isenções fiscais, dentre outros. Lamentavelmente, a maior parte dos direitos previstos em lei são violados. Desconheço um direito que seja aplicado de forma equânime e harmoniosa por todo o território brasileiro. 

"Cada dia que nos mantemos ativos em defesa da causa tomamos a consciência de que ainda há muito a ser feito"

Qual o impacto da falta de informação sobre direitos na luta contra o câncer?
Comecei a perceber que era a informação que empoderava o paciente e que eu precisava ser este instrumento que dava voz à comunidade oncológica. Costumo dizer que “O conhecimento sobre seus direitos te proporciona um tratamento mais digno” e isso é real. Quando falamos de direitos dos pacientes com câncer nós não estamos falando de normas, leis ou regras burocráticas. Nós estamos falando de vida! O direito de realizar uma cirurgia, uma quimioterapia, de fazer imunoterapia ou até mesmo de ter acesso ao seu tratamento dentro do prazo legal é vida. É por isto que eu me posiciono ativamente na causa oncológica. 

As pessoas desconhecem direitos básicos? Dê exemplos...
Com toda a certeza sim. A primeira violação já se inicia com a suspeita do diagnóstico. A sociedade médica de oncologia tem sido repetitiva ao nos alertar que o “Câncer não espera”. Sabemos que quanto antes o diagnóstico for feito maiores as oportunidades de tratamento e, consequentemente, melhores os resultados. Esta necessidade, de diagnóstico célere, foi reproduzida pela Lei dos 30 Dias, que busca garantir justamente que os exames elucidativos do diagnóstico sejam concluídos no prazo de 30 dias no SUS para então iniciar-se o tratamento, dentro do prazo legal de 60 dias, garantido, este, pela Lei dos 60 Dias. Ambas as leis são de extrema importância, pois é a partir delas que tudo mais decorre, no que se refere ao tratamento propriamente dito. Antes do paciente cogitar em garantir uma quimioterapia, uma radioterapia, imunoterapia, cirurgia, ele precisa ter este diagnóstico confirmado e ser encaminhado para início do tratamento. O conhecimento da Lei dos 30 dias e dos 60 dias é fundamental para uma pessoa que se torne paciente oncológico. 

O Instituto existe há mais de dois anos, quais foram os avanços?
O Instituto de Ensino Câncer Direitos existe há quase três anos. Nascemos sem ter a dimensão do quão profundas eram as necessidades da comunidade oncológica. Cada dia que nos mantemos ativos em defesa da causa tomamos a consciência de que ainda há muito a ser feito. O Câncer Direitos produz conteúdo educativo de acordo com as dúvidas narradas pelos pacientes e com os relatos de violações sobre esses direitos. 
A nossa comunicação está totalmente alinhada aos anseios do público oncológico. Por isso as informações sobre os direitos que compartilhamos são praticadas pelos pacientes. Recebemos, diariamente, relatos de pacientes revelando a conquista de seus direitos a partir das informações educativas que disponibilizamos. 

"O grande desafio ainda é fazer chegar informação segura e de qualidade para os pacientes e familiares em tempo hábil"

Qual é o maior desafio a ser vencido neste projeto?
O grande desafio ainda é fazer chegar informação segura e de qualidade para os pacientes e familiares em tempo hábil. Quanto mais informado este paciente estiver, decisões mais conscientes ele conseguirá adotar. Sabemos que as famílias que mais precisam de informação são as que menos fazem essa busca. Eles são, literalmente, pacientes passivos, que aguardam e aceitam o pouco que lhe é proposto. A forma com que temos trabalhado para ultrapassar essa barreira é ampliar nosso alcance no digital. Estamos em várias redes sociais, além do site www.cancerdireitos.com.br e do canal no youtube, cujo crescimento tem sido exponencial. Estamos próximos à marca de 100 mil visualizações, em menos de um ano de canal. 

Neste mês, o Outubro Rosa, quais são as ações que estão sendo implementadas pelo Instituto?
O Outubro Rosa é, sem dúvida, um momento de grande oportunidade para reforçarmos a importância do diagnóstico precoce. Mas, eu, enquanto paciente, sentia falta de um Outubro Rosa idealizado para mulheres que já são oncológicas. Um Outubro Rosa que fosse além da fala sobre “prevenção”. Um Outubro Rosa que, de fato, pensasse nas necessidades dessas mulheres que já tiveram o contato com o câncer de mama. Acredito que o Outubro Rosa também tem que ser pensado com ações resolutivas e efetivas do que ficou após o câncer. Foi com este pensamento que idealizamos a Campanha de Outubro Rosa com o tema da Reconstrução Mamária pelo SUS. A Sociedade Brasileira de Mastologia, em recente estudo, afirmou que apenas 20% das mulheres tiveram acesso à cirurgia de reconstrução mamária, entre os anos de 2008 a 2015. Esses números são alarmantes e é este o cenário que a Campanha de Outubro Rosa promovida pelo Instituto Câncer Direitos pretende melhorar. Idealizamos e desenvolvemos um passo a passo, com quatro vídeo aulas disponibilizadas durante este mês de outubro no canal do YouTube do Instituto, para que as mulheres que se trataram pelo SUS consigam ter acesso à cirurgia de reconstrução e simetrização. 

Na sua luta contra o câncer de mama, qual a maior vitória?
Acredito que a minha maior vitória foi conseguir dar voz às necessidades da comunidade oncológica. Estamos, de forma gradativa, demonstrando ao paciente que existem mais recursos legais disponíveis para auxiliá-los na garantia de um tratamento mais digno. Nem sempre a busca desses direitos é fácil. Ainda temos muitas questões burocráticas que desestimulam essa busca. Nossa missão tem sido demonstrar que é possível e como essas possibilidades podem influir diretamente na qualidade de vida do paciente oncológico.

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