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“Nós somos povo e sabemos das nossas necessidades”



“Nós somos povo e sabemos das nossas necessidades”

Moradora raiz do Jardim Araguaia, Neusa Vieira, a Neusinha, como é conhecida, coordena um dos projetos sociais de grande repercussão. Nascida e criada no bairro, onde o pai foi um dos primeiros moradores, ela conhece a realidade como a palma da mão. “Estudei nas escolas do bairro, cresci e participei dos projetos sociais. Hoje desenvolvo projetos para crianças como eu fui”, diz. Fez faculdade com bolsa Escola da Família e se formou em Psicologia.
Neusinha compara a Associação Coração em Ação a uma prefeitura com suas secretarias. “Nós trabalhamos com Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Lazer, Empreendedorismo e Meio Ambiente. Nós somos povo, sabemos das nossas necessidades, então nós mesmos é que elaboramos os projetos que vêm de encontro com as nossas necessidades e procuramos por parceiros, tanto do setor público, quanto privado, para desenvolver as ações e beneficiar a todos”, enfatiza.
Foi no projeto Formiguinhas que atende cerca de 80 crianças entre meninos e meninas no futebol e com a formação do time feminino “As Belas da Bola” que surgiu a iniciativa que mobiliza a população para doação de absorventes íntimos na campanha “Meninas de Hoje, Mulheres do Amanhã” que já ganhou a adesão de vários estabelecimentos comerciais. Leia a entrevista:

Você se define como moradora raiz do bairro Jardim Araguaia?
Nasci e cresci aqui no bairro, onde estou há 38 anos. Meu pai foi um dos primeiros moradores. O Jardim Araguaia era parte de uma fazenda que foi loteada pelo senhor Wilson Alves Ferraz. Antigamente os bairros eram lançados sem infraestrutura como hoje. Aqui não tinha asfalto, não tinha água encanada, era poço, a maioria das casas tinha privadas, não havia sanitário, as vezes era esgoto a céu aberto. Passamos muitas dificuldades aqui no bairro. Eu tenho 38 anos e pude acompanhar o progresso, a construção do Postinho de Saúde, da Cemei Wilson Alves Ferraz e diversas outras estruturas que tem aqui, como o comércio que foi aumentando, as igrejas que foram chegando. Participei de tudo isso e por isso tenho todo esse carinho pelo meu bairro, pela minha gente. É a minha comunidade.

"O objetivo da Associação é mudar a visão que as pessoas têm da nossa comunidade, trabalhar a valorização do nosso povo"

Qual a luta de vocês neste momento?
O nosso bairro foi considerado por muito tempo de periferia, tem aquele estigma de bairro carente. Então a gente vem avançando aos poucos, o objetivo da Associação Coração em Ação é mudar a visão que as pessoas têm da nossa comunidade, trabalhar a valorização do nosso povo. A gente vem mostrando os talentos que existem aqui, os artesãos, as pessoas bacanas que habitam e fazem trabalhos lindos. Por isso estamos procurando aproveitar tudo que temos de bom para trabalhar a valorização do território e da própria população.

Explique o trabalho da Associação Coração e Ação no bairro?
Prá ficar fácil das pessoas entenderem, vamos comparar a Associação com uma prefeitura dentro da comunidade. A prefeitura tem as secretarias e a associação tem as pastas que a gente chama de Diretoria e cada uma delas tem um coordenador. Nós trabalhamos com Saúde, Educação, Cultura, Esporte, Lazer, Empreendedorismo e Meio Ambiente. Cada uma dessas pastas pode desenvolver diversos projetos. Dentro da pasta do Esporte nós temos um projeto que está dando muito certo, vai caminhando muito bem, que é o Projeto Formiguinhas que utiliza o futebol para desenvolver as crianças e adolescentes em ações de cidadania, como valorizar os vínculos familiares, comportamento, respeito, trabalho em equipe, a liderança, a autovalorização, ou seja, trabalhamos o desenvolvimento integral dessas crianças e adolescentes dentro do projeto Formiguinhas.


"Nós mesmos é que elaboramos os projetos que vêm de encontro com as nossas necessidades e procuramos por parceiros"

Usando a analogia da prefeitura, quem é o “prefeito” da Associação?
Eu fui essa “prefeita” por alguns anos, porque fui a idealizadora e fiquei por seis anos. Hoje sou coordenadora geral, mas temos uma diretoria Executiva e, atualmente, a presidente é a Cleide Lopes Filete. Nada acontece sem passar pela diretoria. É uma Organização Social de fato e muito bem organizada. O mais interessante é que é uma organização feita pela sociedade civil, é a política pública sendo feita na íntegra, na prática. A própria população sendo representada, tipo, o poder emana do povo e a vontade do povo é soberana. Nós somos povo, sabemos das nossas necessidades na Saúde, Educação, Cultura, enfim, então nós mesmos é que elaboramos os projetos que vêm de encontro com as nossas necessidades e procuramos por parceiros, tanto do setor público quanto privado, para desenvolver as ações e beneficiar a todos.

Hoje vocês ocupam alguns espaços do bairro? Quais?
Na área de lazer (minicampo) inaugurado em maio pelo prefeito André Pessuto fica a sede do Projeto Formiguinhas de futebol. A sede da associação fica no prédio onde antes funcionava a pré-escola ao lado da Escola Estadual Fernando Barbosa Lima.

"Esse é um trabalho de formiguinhas, onde cada um pode fazer um pouquinho e contribuir para transformar o mundo de alguém"

Dentre as iniciativas, ganhou destaque a campanha para arrecadar absorventes para atender as necessidades das meninas. Como anda o projeto?
O projeto Formiguinhas de futebol ele atende cerca de 80 crianças e adolescentes do bairro. Recentemente começamos a receber meninas. Decidimos formar um time de futebol feminino que se chama “As Belas da Bola”. Principalmente neste período de pandemia temos atendido as famílias com cestas básicas, roupas, etc. Temos um mapeamento das famílias mais carentes da comunidade e procuramos fazer a destinação. Nesse trabalho de atendimento, observamos que as meninas que moram na casa onde faltava o alimento, também não tinha itens de higiene pessoal, não só o absorvente, que foi o que mais chamou mais nossa atenção, mas faltavam outros itens como desodorante, creme corporal, papel higiênico, coisa que não acompanham uma cesta básica. Numa visita no CRAS para trabalhar com as famílias do território foi levantada essa demanda. É um tema que está ganhando abordagem mundial e trouxe às claras essa necessidade. Conforme estudo, as meninas chegam a faltar 45 dias da escola por falta de absorvente durante a menstruação e muitas chegam a usar sacolas plásticas, pedaços de pano e até pedaço de pão com risco para a saúde íntima delas. Nós, como projeto social decidimos abraçar a causa e como trabalhamos em parceria com os setores público e privado, lançamos a campanha “As Belas da Bola contra a Pobreza Menstrual” que, graças a Deus está dando super certo. As caixas da campanha estão em supermercados da cidade para recolher as doações e já arrecadamos grande número de absorventes que será destinado aos quatro CRAS da cidade para dispensação desse material de forma correta, para chegar a quem precisa de fato.

Onde as pessoas encontram essas caixas para a doação?
Já estamos em vários mercados e pretendemos colocar em mais pontos. Até agora supermercados Pessotto Cohab, Flex, Extra e Max, Pejô, Santa Cecília, Mini Mercado Araguaia e Mini Mercado Filetti, Farmácia da Brasilândia. O intuito é trabalhar a empatia da população geral, não apenas das mulheres. Observamos muitos homens fazendo a doação. É claro que as mulheres conhecem essa necessidade, porque é da natureza feminina. A população toda está tendo a oportunidade de desenvolver a empatia, de se colocar no lugar do outro, praticar a caridade e devolver a dignidade humana. Esse é um trabalho de formiguinhas, onde cada um pode fazer um pouquinho e contribuir para transformar o mundo de alguém. A proposta da associação e de todos os projetos desenvolvidos por ela é mostrar à população que é possível fazer a diferença com pequenos gestos em favor do próximo.

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