Rafael Guerra de Aquino nasceu sendo notícia de jornal. Foi o primeiro fernandopolense a nascer no dia 1º de janeiro de 1980. Aos 42 anos, o professor dá vida ao palhaço Ferrugem desde 1998. Na semana que se comemora o Dia Universal do Palhaço (10 de dezembro), Aquino fala de sua experiência com o Ferrugem. “Nós, enquanto pessoas, temos muito medo da nossa vulnerabilidade, enquanto que o palhaço brinca com isso. E esse brincar com a vulnerabilidade se torna uma potência. Até ouso a dizer que aprender com o palhaço essa forma de ser e existir como pessoa, de reconhecer e aceitar suas vulnerabilidades é uma forma de ser uma pessoa mais potente, mais produtiva, mais criativa e mais humana”.
Rafael de Aquino, fundador da Mirabolante Companhia e do grupo Palhaços de Plantão e responsável pela realização do EuRiso, fala da oitava edição do Encontro Internacional de Palhaços, que está em andamento, e anuncia para 2022 a volta do EuRiso presencial. Leia a entrevista com Rafael Guerra de Aquino/Ferrugem:
Quando o palhaço Ferrugem entrou na sua vida?
Me tornei ator profissional em 1998 e foi nesse ano que conheci um grupo em um festival que fui com o Grupo SOS Teatro em Resende no Rio de Janeiro, quando nos apresentamos na Academia das Agulhas Negras. Era o grupo Teatro de Anônimo. Esse grupo, naquele ano iria fazer encontro de palhaços em Rio Preto Anjos do Picadeiro. Me encantei com as histórias e decidi participar desse evento. Desde então, nunca mais parei de estudar o palhaço e de trabalhar com essa figura de maneira profissional, artística. Já tinha animado festas, mas entendido mesmo o oficio, as técnicas que o palhaço utiliza, como se comunicar com a plateia, isso fui aprimorando a partir desse encontro em Rio Preto em 1998. Esse foi o encontro que nos inspirou a fazer o EuRiso em Fernandópolis.
Quem foi a inspiração como palhaço?
Tem muitos mestres que conheci, principalmente no Anjos do Picadeiro, alguns até já faleceram como Nani Colombaioni, um palhaço tradicional de circo, era italiano. Tem também o Chacovachi, palhaço argentino, que participou da edição online do EuRiso. Tem outro palhaço italiano, que era do Palhaços sem Fronteiras, Tortell Poltrona, que foi grande inspiração. Algumas mulheres palhaças como Lily Curcio, uma uruguaia que hoje vive em Campinas. Foram muitas referências que foram compondo o que o Ferrugem é hoje.
"Com a pandemia, apesar dos prejuízos, a gente aprendeu muita coisa nova, se desafiou a levar nossa arte para a rede"
Como define a figura do palhaço?
Os artistas são de uma arte real que é a arte da rua, do circo, mas a figura do palhaço está em todas as artes, inclusive na sétima arte (cinema). O maior palhaço da história da sétima arte foi Charles Chaplin que sem dizer uma palavra fazia a gente rir. O papel do palhaço é ser essa figura anti-heroica com quem a gente se identifica, justamente porque todos nós temos nossos defeitos e nossas qualidades. Quando o palhaço toma uma tortada, a gente se sente representado na nossa inaptidão, que muitas vezes escondemos, não revelamos. Nós, enquanto pessoas, temos muito medo da nossa vulnerabilidade, enquanto que o palhaço brinca com isso. E esse brincar com a vulnerabilidade se torna uma potência. Até ouso a dizer que aprender com o palhaço essa forma de ser e existir como pessoa, de reconhecer e aceitar suas vulnerabilidades é uma forma de ser uma pessoa mais potente, mais produtiva, mais criativa e mais humana.
O palhaço, podemos dizer, é mais do que fazer rir?
Sim. Isso ficou muito claro que o papel do palhaço não era só fazer rir, quando fomos fazer o trabalho de palhaço no hospital. O Palhaços de Plantão já tem 21 anos (vai fazer 22 anos em janeiro) e em muitos quartos que a gente entra, as vezes a criança não ri, só que ela segue a gente no corredor, ela participa, ela está curtindo, o que demonstra que o mais importante na nossa vida é que possamos nos relacionar verdadeiramente com as pessoas. Como professor, tenho outra profissão, precisamos entender que divertido não é o contrário de sério. Divertido é o contrário de chato. É possível ser sério e divertido.
Você se realiza plenamente como palhaço...
Com certeza. Aquele frio na barriga antes de entrar em cena sempre vem, assim como quando termina, aquela sensação boa de trabalho cumprido. É um desafio, mas ao mesmo tempo, uma paixão muito grande.
"Aprender com o palhaço a reconhecer e aceitar suas vulnerabilidades é uma forma de ser uma pessoa mais potente"
O EuRiso que está em andamento ocorre em meio a comemoração do Dia Universal do Palhaço (10 de dezembro) e a versão online possibilita uma interação que ultrapassa fronteiras físicas?
Com certeza, esse foi um dos ganhos que a gente teve com essa ida para o online. A gente teve perdas, como a possibilidade do encontro, de estar perto das pessoas olhando no olho. Mas, teve os ganhos como a possibilidade de trazer uma pessoa senão fosse online, a gente ganha em alcance, mais pessoas tem acesso ao encontro, de alguma forma. Acho que entre ganhos e perdas, a gente ainda sai ganhando e muito. Esse é o oitavo EuRiso, mas na verdade já foram nove edições, porque o último (em março) a gente não contou como uma edição, contamos como EuRiso na rede, porque a gente imaginou que iriamos fazer essa versão que estamos fazendo agora de forma presencial. Quando começamos a fazer o planejamento das ações, ainda não tinha nada liberado e era necessário andar com a produção. Por isso decidimos por mais uma edição online. Esse foi o único ano com duas edições.
Saudade do circo na praça?
Muita saudade. O EuRiso, não só pra gente, mas para todos os artistas que vêm e também para a cidade, traz uma energia no começo do ano que está ligada com essa lona de circo, com o amor, com a afetividade e o riso que a gente transborda nesse período que nos dá energia para passar o resto do ano. Faz um pouco de falta não podermos nos abraçar em um evento assim.
"Precisamos entender que divertido não é o contrário de sério. Divertido é o contrário de chato. É possível ser sério e divertido"
O EuRiso que começou na quarta-feira, 1º, terá intensa programação até o dia 12. Onde acessar?
A transmissão das atrações ocorre pelo facebook do EuRiso e também pelo YouTube. No nosso site (www.euriso.com.br) tem todas as informações da programação que tem oficinas permanentes, desenhos para colorir, oficinas em vídeo, as OlimPiadas, dois espetáculos, bate papos. Como diria o bom palhaço, não deixe de perder.
A arte foi uma das mais afetadas durante a pandemia. Como estão se superando na rede?
Por um lado, os artistas de maneira em geral, principalmente aqueles que viviam só do trabalho artístico, tiveram prejuízo muito grande, porque pararam de vender seus trabalhos. Não fosse a Lei Aldir Blanc, uma lei federal criada para oferecer auxilio para que o artista pudesse fazer circular sua arte online, teria sido pior. Conseguimos sobreviver, apesar de tudo, por conta deste subsidio e a possibilidade de ir para o online com esse apoio. Agora, a partir daí o artista teve um outro desafio, além de sobreviver, de fazer com que sua arte fosse efetiva no virtual. Cada artista no seu universo foi criando possibilidades diferentes. Assim como na outra edição do EuRiso tivemos espetáculos que foram na plataforma sympla (fechada) que o expectador aparece na tela para quem está se apresentando, era possível pedir para o público se manifestar. Algumas coisas foram possíveis neste sentido. Outras, a interação ficou por conta dos comentários. Temos uma atividade que aconteceu no EuRiso na Rede, e que vamos ter de novo nessa edição, que foi a OlimPiada, uma competição entre palhaços onde tem jurados que comentam essas participações. Nessa edição os jurados serão todos palhaços, sem contar a participação do público que interage. Com a pandemia, apesar dos prejuízos, a gente aprendeu muita coisa nova, se desafiou a fazer na rede, o que fazíamos de outras formas. Com tudo isso, temos um saldo muito positivo.
Tem expectativa de quando voltaremos a ter o EuRiso presencial?
Depende da pandemia, mas conseguimos aprovar um outro projeto com o governo do Estado para fazer um EuRiso em julho de 2022, daqui a pouco mais 7 meses. Só não sabemos ainda se vamos colocar a lona ou se iremos estilizar, construir um universo do circo na praça, mas sem lona, aproveitar o palco. Existe essa alternativa da gente decorar como se a praça toda fosse um circo.