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“O tema suicídio tem de ser falado o tempo todo”, diz psicóloga



“O tema suicídio tem de ser falado o tempo todo”, diz psicóloga

A apresentação do monologo “Sonho de um homem ridículo” no Teatro Municipal de Fernandópolis na terça e quarta-feira, abriu a possibilidade para o debate sobre o suicídio. A peça teatral adaptada a partir de um conto do escritor russo Fiódor Dostoiévski de 1877 conta a história de um homem que perdeu profundamente a vontade de viver e, por isso, chega à conclusão que a única forma de superar esse momento é o suicídio. “Não pode ser mais tabu falar sobre o suicídio porque acredita-se que estaria incentivando pessoas com pensamentos suicidas. É exatamente o contrário. A pessoa que tem pensamento suicida precisa falar. Se fala sobre isso é a oportunidade que a pessoa tem de ressignificar esse desejo e não levar a termo”, diz a psicóloga e coordenadora do grupo Seapsi – Serviço de Acolhimento Psicológico -  Edilaine Sanches Sano.Segundo ela, a ideia de trazer a peça teatral em março foi justamente para abrir o debate nos outros meses do ano e não apenas no mês de setembro durante a campanha “Setembro Amarelo”. A proposta com a apresentação da peça da Cia de Teatro Thauma neste mês “foi chamar a atenção para um tema que é social e importante e muitas vezes pouco falado, porque representa ainda um tabu.  O grupo de psicólogos do Seapsi é preocupado com questões sociais principalmente na atualidade que nós estamos vivendo”, enfatiza. Leia a entrevista:

Falar de suicídio ainda é um tabu. Por que ainda é um tema tão rejeitado?
Muitas vezes é por que existe aquele tabu de que, falar sobre tema incentiva a questão do suicídio. E nós, psicólogos, gostaríamos de chamar a atenção da população para exatamente o contrário. A pessoa que tem pensamento suicida precisa falar. Se fala sobre isso é a oportunidade que a pessoa tem de ressignificar esse desejo e não levar a termo. É sobre isso que a gente gostaria que as pessoas compreendessem o nosso objetivo enquanto profissionais que lidamos com isso o tempo todo em nossas clínicas. 

Setembro é dedicado ao tema, com a campanha “setembro amarelo”. Vocês querem trazer isso para os outros meses do ano?
Essa temática tem que ser falada, pensada o tempo todo. Por isso decidimos trazer a peça neste mês e não em setembro, exatamente para tratar do assunto. As pessoas não cometem suicídio apenas no mês de setembro. É um tabu e a gente precisa falar sobre isso o tempo todo, porque o tempo todo está acontecendo.

"É um tabu e a gente precisa falar sobre isso o tempo todo, porque o tempo todo está acontecendo"

Sinais que podem ser detectados no sentido de ajudar determinada pessoa com pensamentos suicidas?
Tem pessoas que deixam sinais, mas o sinal mais claro que identifica uma pessoa que está precisando de ajuda é o silêncio. Quando ela silencia, se afasta de tudo e de todos. Esse é um sinal de que a pessoa precisa de ajuda. Não podemos garantir que uma pessoa que fala a respeito do suicídio que ela vai cometer. E também não podemos dizer que não irá cometer. Esse é outro tabu também, o de dizer que as pessoas que falam não cometem. Em algum momento da vida a pessoa pode receber ajuda, tratamentos e ela estará melhor. Daqui pouco isso vem com intensidade e acontece. Não significa que o tratamento psicológico e psiquiátrico evitará que a pessoa cometa o suicídio, não é isso, mas é a nossa forma de colaborar com as pessoas. Sabemos que a prevenção é a grande solução. 

Como se dá a prevenção?
A saúde emocional caracteriza-se como um bem-estar geral, diz respeito a uma análise dos fatores protetivos e de risco que podem afetar em menor ou maior grau a vida do sujeito. Pelo preconceito e julgamento, as pessoas não querem ser reconhecidas no lugar daqueles que têm transtornos mentais, com o risco de serem vistos como fracos ou descontrolados, algo que vai desde questões morais até as questões éticas. Descuidar da saúde mental pode abrir espaço para o agravamento do estado emocional, devido à interação da complexidade dos fatores de risco (genéticos, culturais e ambientais), podendo-se levar ao desenvolvimento dos transtornos mentais. A melhor forma de prevenção é estarmos atentos aos pedidos de ajuda, que não necessariamente se apresentam por meio da fala, mas também por meio de atitudes não verbalizadas que expressam a auto agressividade. Acredito no trabalho psicoterapêutico como forma preventiva e principalmente protetiva da saúde emocional. 

"Acredito no trabalho psicoterapêutico como forma preventiva e principalmente protetiva da saúde emocional"

As pessoas saíram da pandemia com a saúde mental bastante afetada. Isso preocupa?
Muito. Antes da pandemia nós atendíamos em nossos consultórios somente presencial. Com a pandemia, passamos a atender online. O Seapsi participou do projeto da Santa Casa de acolhimento psicológico para as famílias vitimadas pela Covid. Nós vimos a necessidade, a carência emocional e como as pessoas ficaram depois do Covid. Isso ainda continua. Ainda bem que temos agora essa nova forma de atendimento. Hoje voltamos no atendimento presencial, mas mantendo o online que é uma ferramenta importante nesse momento. 

O Seapsi surgiu como uma janela de esperança a quem não tinha acesso a um atendimento psicológico. Como está funcionando?
Sim. O Seapsi é um Serviço de Acolhimento Psicológico. Ele foi idealizado por um grupo de psicólogos no ano de 2018 nos moldes de alguns projetos também sociais de São José do Rio Preto. Foi lá que buscamos o modelo. O Seapsi tem dois objetivos principais: oferecer a psicoterapia para comunidade de baixa renda e facilitar o ingresso dos jovens psicólogos, os profissionais recém-formados, no mercado de trabalho. Sabemos que é muito difícil para um profissional que se forma começar a trabalhar, ter sua clínica e sua clientela. O nosso serviço é realizado em parceria com a Igreja Católica nas 10 primeiras sessões de atendimento. Há um valor que chamamos de custo simbólico. Após essas 10 primeiras sessões se o paciente desejar continuar, aí é um acordo entre ele e o profissional. Atendemos toda a comunidade de Fernandópolis e região. Os atendimentos são realizados nas clínicas dos profissionais. Não tem um atendimento diferenciado porque trata-se de um serviço que atende a comunidade de mais baixa renda. Os atendimentos são feitos em nossas clínicas igual aos de um paciente particular que chega até a gente. Esse valor simbólico é para as 10 sessões iniciais. Caso ele deseje continuar, os profissionais negociam e muitos deles continuam com esse valor simbólico. Essa contribuição simbólica, é importante que se diga, uma parte fica para para o profissional e outra parte é revertida para a comunidade. Muitas vezes atendemos pessoas sem o custo simbólico. Quando a pessoa não tem condições e precisa do atendimento, então quem paga esse valor simbólico acaba contribuindo com quem não tem condições.

"O Seapsi é um Serviço de Acolhimento Psicológico idealizado por um grupo de psicólogos no ano de 2018"

E como a pessoa chega ao Seapsi?
É uma parceria com a Igreja Católica, mas não tem vínculo religioso. Então, a parceria se dá com a igreja disponibilizando as secretarias das paroquias para as inscrições. Essas inscrições chegam até mim e redistribuímos entre os psicólogos que integram esse projeto. As paróquias Santa Rita no centro, São Bernardo no bairro São Bernardo e São Luiz Gonzaga na Brasilândia são as que recebem essas inscrições. 

Quantos profissionais estão no projeto?
Hoje contamos com profissionais em diversas áreas de atuação e de supervisores que acompanham esses profissionais, tudo para oferecer um serviço de qualidade tanto para crianças, adolescentes, adultos, casais e famílias. Nós temos dois segmentos. Na psicanálise temos 18 profissionais atuando e cinco supervisores e na TCC – Teoria Comportamental Cognitiva - temos seis profissionais e dois supervisores.

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