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Os heróis da pandemia



Os heróis da pandemia

Estamos vivendo a Semana da Enfermagem. O dia 12 de maio é reconhecido como Dia Internacional da Enfermagem e do Enfermeiro. Nos últimos dois anos, essa classe assumiu protagonismo na linha de frente de enfrentamento da Covid-19, a pandemia que assombrou, e ainda assombra, a humanidade. São reconhecidos como os “heróis da pandemia”.Fernandópolis foi pioneira na instalação do primeiro curso de enfermagem na região. A primeira turma foi instalada em abril de 1984. Daqui saíram formados milhares de profissionais que hoje atuam Brasil afora. Um deles, José Martins Pinto Neto, ingressou em 1985, na segunda turma e se formou enfermeiro em 1987. Sonhava em fazer medicina, mas abraçou o curso de enfermagem, de onde saiu da condição de aluno para ser professor. Hoje mestre e doutor, ele continua como professor do curso de Enfermagem da FEF desde 1990 e também é professor na faculdade de Medicina da Universidade Brasil. Nesta entrevista, o enfermeiro/professor conta sua trajetória e diz que a pandemia fez com a sociedade valorizasse mais a enfermagem. Leia:

O senhor fez parte das primeiras turmas de enfermeiros formados na FEF?
Sim, eu ingressei no curso de enfermagem da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Fernandópolis, mantida pela Fundação Educacional no ano de 1985. O curso havia iniciado com a primeira turma em abril de 1984. Me formei pela segunda turma no curso que naquela época era de 3 anos e me formei em 18 de dezembro de 1987.

Naqueles primeiros anos era uma aventura chegar a faculdade, não?
De fato, quando cheguei aqui em março de 1985 para fazer a matricula no curso, me surpreendi com as instalações, porque era uma escola muito pequena. A minha casa, no sitio em Olímpia onde morava, era maior que o prédio da faculdade. Nunca vou esquecer daquele dia, bastante chuvoso e a gente encravou logo na entrada, porque não havia via de acesso asfaltada. Foram três anos de desafios e intensamente vividos no curso que era em período integral, das 7 horas da manhã até as 18 horas, e não havia facilidade de locomoção. Como a carga horária não cabia dentro desses três anos chegamos a ter um período de aulas à noite na EELAS. Mas, foram muitas aventuras. Me lembro de ter de ter pego carona com uma perua funerária com um caixão dentro, caminhão de leite, de charrete que a gente pegava ali onde era a rodoviária (hoje Mercadão Municipal) e ia até a faculdade cantando o hino da nossa turma até chegar lá. Não era fácil essa locomoção. Foram muitas as aventura, mas um período maravilhoso. A nossa turma que se formou era de 17 estudantes e até hoje a gente tem fortes laços de amizade e até conseguimos um encontro após 30 anos. 

"Foram tempos de aventura. A gente ia de charrete para a faculdade cantando o hino da nossa turma"

Como a enfermagem entrou na sua vida?
Não era desejo. Nunca havia prestado vestibular para enfermagem. Conhecia a profissão do cursinho, mas sempre prestei vestibular para medicina. Aconteceu que, uma pessoa fez inscrição para mim na Famerp em Rio Preto para o curso de medicina. E nesse período estava prestando vestibular em Maringá (PR) para Ciências Biológicas. Passei nesse vestibular e um dia me ligaram no sitio dizendo que havia sido aprovado no curso de enfermagem de Fernandópolis. Fiquei surpreso porque não me recordava de ter feito inscrição para enfermagem. A pessoa disse que eu havia prestado vestibular da Fundação Carlos Chaga para medicina e quem fez a minha inscrição colocou enfermagem como segunda opção em Fernandópolis. Decidi então fazer enfermagem e vim para a cidade e aqui fiquei até hoje.

O que te cativou tanto que fez com você permanecesse por aqui?
Já conhecia a cidade de Fernandópolis, tinha parentes aqui. Adorava vir passear nas minhas férias e correspondia muito com meus primos e primas via cartão postal que era a forma de comunicação. E conhecendo a escola, que era pequena, familiar, onde a Dra. Brígida (do Amaral Botelho Prudêncio) era nossa diretora e estava na condição de mãe. Eu a chamo de a minha mãezona até hoje. Ela é a mãe das nossas turmas. Ela, junto com uma equipe, instalou o curso e marcou a história da minha vida e de muitos profissionais. 

"Teremos que aprender a conviver com o coronavírus que vai continuar atigindo nossa população"

O seu desejo era medicina, e enfermagem veio por acaso...
Mas, me apaixonei pelo curso desde o início. A escola nos ensinou muito porque os professores que nos deram aulas eram formados em excelentes escolas do pais. Professores enfermeiros, que vieram de Bauru, Campinas. Naquela época a faculdade de enfermagem mais próxima era Bauru e Ribeirão Preto. Nossa escola foi pioneira aqui na região. Foi numa época de um contexto político chamado AIS (Ações Integradas de Saúde) que antecedeu a criação do SUS (Sistema Único de Saúde). Naquele momento, em 1983, o governo federal, ainda estava no regime militar, tinha como proposta descentralizar e municipalizar as ações de saúde e neste contexto, Fernandópolis ganhou o curso de enfermagem.

Você não virou médico, mas é professor na faculdade de medicina?
Sim, também. Estou na Fundação Educacional de Fernandópolis como docente desde abril de 1990. Então tive a oportunidade de participar da formação acadêmica de todos os enfermeiros formados pela FEF. Só não ministrei aulas para as três primeiras turmas porque era estudante. Desde 2005, dois anos depois da instalação do nosso curso de medicina, também estou participando da formação das 18 turmas de medicina da Universidade Brasil, onde estou há sete anos como assistente de coordenação do curso, supervisor do módulo de saúde coletiva (que é o único módulo longitudinal do curso que vai do primeiro ao oitavo período e depois no internato) e também como supervisor do internato.

Imaginava chegar onde chegou quando começou o curso de enfermagem?
Não. Sempre me dediquei, desde o início, me apaixonei pela enfermagem, por isso decidi seguir a carreira acadêmica. Fiz especialização em saúde coletiva e gerenciamento em serviços de enfermagem. De 97 a 2004, fiz mestrado e doutorado na USP Ribeirão Preto e São Paulo.

"A enfermagem foi protagonista na pandemia, salvando vidas. Ficaremos na história"

Estamos na semana da Enfermagem e em meio a pandemia, os profissionais da enfermagem mostraram a importância no momento mais crucial vivido pela humanidade. Como o senhor avalia esse momento histórico?
A enfermagem mundial teve um protagonismo muito grande durante a pandemia da Covid-19. No Brasil, segundo o Conselho Federal de Enfermagem, estão cadastrados 656.384 enfermeiros. Quando lembro da minha inscrição no conselho (42.503) como aumentou o número de profissionais em atividade desde a década de 80. Temos ainda 1.559.358 técnicos de enfermagem, 442.987 auxiliares de enfermagem e 300 parteiras e, mais recentemente, 338 obstetrizes. Todos tiveram um protagonismo muito grande junto com uma equipe multiprofissional no atendimento a Covid. A sociedade, a partir da pandemia, está dando mais valor a enfermagem. Tanto que agora o Congresso aprovou projeto de lei para instituir o piso salarial do enfermeiro, do técnico e do auxiliar. Sabemos que o Congresso está em busca de financiamento para arcar com os R$ 16 bilhões necessário para custear esse piso salarial. Essa é uma demanda antiga, de quando era aluno. Das 14 profissões de nível superior na área da saúde, éramos a única a não ter o piso salarial definido em lei, nem uma carga horária estabelecida de 30 horas semanais. É um momento impar para todos nós profissionais da enfermagem.

Mudou o foco na formação dos profissionais de enfermagem?
Houve uma mudança de paradigma na formação. Hoje o enfoque deve ser voltado para preparar os profissionais de saúde na promoção da saúde, proteção, prevenção de doenças e agravos, diagnóstico precoce, tratamento, ações de reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. Diferente do enfoque que era dado no passado. O curso de enfermagem da FEF desempenhou e ainda desempenha um papel importante na formação de profissionais sintonizados com essas diretrizes. O curso de enfermagem da FEF sempre foi referência e continua sendo um curso de qualidade. Todos os professores do curso somos egressos da própria faculdade. São crias da casa. Temos também o curso de enfermagem da Universidade Brasil que também tem professores formados na FEF. 

O senhor encampou um trabalho na faculdade sobre a hanseníase que é uma doença milenar com a qual convivemos até hoje. Com a Covid será a mesma coisa? Teremos que conviver? 
De fato, a hanseníase foi a doença que escolhi trabalhar no meu mestrado e doutorado e trabalhei 25 anos como enfermeiro de Vigilância do Governo do Estado. Devemos lembrar que a Covid-19 causada pelo coronavírus se tornará uma doença endêmica. Então, teremos que aprender a conviver com este vírus que vai continuar atingindo nossa população. Teremos que saber usar a etiqueta respiratória, talvez teremos que usar a máscara por um bom tempo em determinados momentos. Estamos vendo aí escolas retomando a recomendação do uso de máscara por causa do aumento de casos. Esses movimentos nós vamos ter que conviver. No país existem hoje mais de oito doenças consideradas endêmicas ou hiper endêmicas como a hanseníase continua sendo em Fernandópolis porque estamos com a prevalência de oito casos para cada 10 mil habitantes. E a covid será mais uma delas, que será de caráter endêmico, assumindo em alguns momentos um caráter hiper endêmico. Temos malária, esquistossomose, filariose, chagas, hepatites virais, hanseníase, tuberculose, HIV/Aids, consideradas doenças de caráter endêmico.  

Na semana da enfermagem, qual mensagem o senhor deixa para a classe?
Eu quero estender a homenagem a todos os líderes de enfermagem do município, da Santa Casa, da UPA, SAMU, que durante a pandemia foram fundamentais nas ações desenvolvidas no atendimento da nossa população. Também as duas instituições de ensino, FEF e Universidade Brasil, que participaram ativamente desse momento para salvar vidas. Essas lideranças da enfermagem merecem essa homenagem nesta semana porque salvaram vidas. Perdemos 389 pessoas, mas milhares foram salvas com atuação de toda a equipe. Nesta pandemia, o protagonismo foi de muitos profissionais, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos que formaram na linha de frente. Foi um trabalho impar que não vamos esquecer. Ficaremos para a história...
 

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