O médico fisiatra Flávio Benez, que também é diretor técnico da Unidade de Reabilitação Lucy Montoro e professor do curso de Medicina da Universidade Brasil, fez o alerta para o risco de acidentes medulares que aumenta, principalmente neste período do ano, com a chegada do verão e cada vez mais as pessoas se reunindo em torno de piscinas, à beira de rios e cachoeiras. Ele foi vítima de um acidente doméstico em 2014, na piscina de sua casa, e ficou tetraplégico. Benez lembra que o mergulho em águas rasas é a quarta causa de lesão medular. Fala com a convicção de quem sofreu na pele a consequência de um acidente dessa natureza. “Prevenção é tudo”, diz. Em entrevista ao programa “Crias da Casa” da Rádio Difusora, Flávio Benez falou ainda do atendimento prestado pela Unidade Lucy Montoro na reabilitação de pessoas vítimas de acidentes automobilísticos, AVCs ou que sofreram algum tipo de amputação. Inaugurada em 2012, a Unidade de Fernandópolis completou
10 anos atendendo uma região onde moram cerca de 500 mil pessoas. São 52 cidades que enviam pacientes para o Lucy Montoro de Fernandópolis. A entrevista começa com o alerta do médico. Leia:
Com a chegada do fim de ano e verão aumentam os riscos de acidentes com lesões medulares. É hora de falar de prevenção?
Exatamente. Como já se sabe eu sofri um acidente doméstico com lesão medular e acabei ficando tetraplégico. E foi justamente nessa época, mês de janeiro, que ocorreu o acidente. Acabei batendo a cabeça no fundo de uma piscina e fraturando meu pescoço, minhas vértebras da coluna cervical e houve uma compressão medular. A lesão na medula que pode causar paralisia depende do nível. Você pode ficar tetraplégico ou paraplégico. Mergulhos em águas rasas, quedas em cachoeiras, representam a quarta causa de acidentes com lesão na medula, sem falar de traumatismo de acidentes automobilísticos, ferimentos por arma de fogo ou por outras doenças. Isso aumenta principalmente nesse período que temos as festivas de Natal e Ano Novo, as chuvas de verão, e uma maior procura por água. As pessoas não se preocupam com a profundidade antes de um mergulho. Cachoeiras, piscinas, pancadas de chuvas de verão exigem cuidados. Prevenção é tudo, porque depois a recuperação é lenta. Pra você ganhar um pouquinho de movimento pode levar tempo. Eu sei do que estou falando. Então, priorize a prevenção.
Há 10 anos, Fernandópolis é referência em reabilitação?
Sem dúvida. Para se ter uma ideia, atendemos uma população de 52 municípios que juntos somam mais de 500 mil habitantes. Já estamos trabalhando há 10 anos com ótimos índices, mantendo o padrão de humanização no atendimento, com profissionais capacitados e bem treinados e, claro, sempre procurando aperfeiçoar nossas técnicas para melhorar a qualidade de vida de quem busca o atendimento de reabilitação. Hoje no Brasil temos quase 15% da população com algum tipo de deficiência, ou seja, quase 25 milhões de habitantes com alguma deficiência, seja auditiva, visual, motora ou intelectual ou deficiências múltiplas. E essa população precisa ser atendida e incluída no mercado de trabalho. E é isso que fazemos aqui no Lucy todos os dias, das 7 horas da manhã às 7 da noite. Só paramos no sábado, domingo e feriado.
"Temos 15% da população com algum tipo de deficiência. E essa população precisa ser atendida e incluída"
Como é o atendimento no Lucy Montoro?
A gente trabalha com uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar. São seis fisioterapeutas, cinco terapeutas ocupacionais, três assistentes sociais, duas enfermeiras, dois educadores físicos, dois médicos atendendo só no Lucy Montoro, mais o pessoal da fonoaudiologia e psicologia, entre outros. Não dá para fazer reabilitação hoje se não trabalhar em equipe. A reabilitação começa na portaria do Lucy Montoro, no primeiro atendimento, no sorriso do porteiro, na recepção. Estamos atendendo pessoas com suas vidas devastadas, famílias arrasadas e a nossa função é tentar recuperar esse paciente o máximo possível dentro do que a realidade permite. Tanto a gestão administrativa como a gestão técnica têm que estar muito bem alinhada. Hoje estamos sob a gestão da OS – Organização Social – da Funfarme do Hospital de Base de Rio Preto que também abrange também o AME de Fernandópolis.
Qual o tempo que o paciente que chega ao Lucy Montoro permanece em tratamento?
Depende da deficiência. Para esse paciente chegar a rede Lucy Montoro ele vem encaminhado via CROSS – Central Reguladora – passa por triagem, posteriormente é feita avaliação. Nessa avaliação são traçadas metas funcionais, dependendo do tipo de deficiência, seja uma sequela de AVC – Acidente Vascular Cerebral – ou um paciente amputado, acidentado, ou uma criança com sequela de paralisia cerebral, cada tratamento é individualizado e é proposto um plano terapêutico que vai envolver toda a equipe multidisciplinar e interdisciplinar e vamos trabalhar em cima disso, com metas a serem atingidas. Cabe ao médico fisiatra, junto com a equipe técnica, semanalmente discutir a avaliação de metas paciente por paciente. Caso esteja acontecendo algo diferente, fazemos as correções necessárias.
Qual o impacto da condição emocional no tratamento?
Se a cabeça não estiver boa, o corpo não responde. Nós passamos nos últimos dois anos por um período extremamente difícil por conta da Covid. Não paramos nenhum dia o atendimento no Lucy Montoro. Hoje estamos recebendo pacientes com sequelas da Covid. E temos que tentar melhorar a saúde mental dessas pacientes.
"Se uma loja não tem acessibilidade, não sou eu que sou o deficiente, é a loja que é deficiente"
O que é a chamada dor fantasma?
Não é só a dor fantasma, mas também a sensação fantasma. Quando o paciente, seja lá por qual causa, se submete a uma cirurgia de amputação de um membro, o seu cérebro não entendeu que você perdeu esse membro. E existem técnica na reabilitação que ajudam a melhorar essa sensação e a dor fantasma. Isso é trabalhado na fisioterapia. Mas, muitas vezes o paciente sente tanta dor que a gente precisa entrar com medicamento. Isso quando trabalhado na reabilitação os resultados são satisfatórios.
Como é o atendimento a uma pessoa que sofre uma amputação?
Um paciente jovem que teve uma amputação traumática, com certeza, terá uma recuperação mais rápida. Em cerca de três meses ele já é capaz de colocar uma prótese. Diferente de um paciente com mais idade, que tem comorbidades, diabetes, hipertensão arterial, o coração já não é o mesmo. Então não podemos sobrecarregar demais esse paciente para não causar um dano maior. Quando as pessoas têm uma amputação ou qualquer tipo de trauma, eles ficam extremamente vulneráveis. E esse é um grande problema. Vive-se uma ansiedade e uma expectativa muito grande e, em muitas vezes, na vontade de voltar a caminhar, por exemplo, acaba comprando uma prótese pela internet. Está vulnerável e tem sempre alguém para tirar proveito. É preciso muito cuidado e isso é um alerta que faço. Procure um profissional, um médico fisiatra ou o Lucy Montoro que vamos orientar. Não saia por aí comprando um equipamento. Uma prótese é feita a partir de um molde e isso comporta um trabalho de equipe para que esse paciente fique de pé e dê conta de andar com essa prótese. A adaptação à primeira prótese é sempre mais difícil. Com o passar do tempo o coto (ponta extrema de um membro amputado) vai afinando e se o paciente tiver alteração de peso, muda tudo, o encaixe não será o mesmo. Então é um processo de controle e manutenção contínuos e que exige disciplina. Da mesma forma que uma cadeira de rodas tem o desgaste, a prótese também.
"Temos uma das melhores legislações em relação a pessoa com deficiência, só que ela precisa ser cumprida"
O cuidado vai além da pessoa com deficiência?
Uma pessoa com deficiência pode impactar na rotina de uma família, em mais ou menos três a quatro pessoas. Não adianta trabalhar a saúde mental desse paciente, é preciso cuidar da saúde mental da família, ampliar a rede de apoio desse paciente.
Acessibilidade ainda é um problema?
Sem dúvida. É um problema que encontramos em todo lugar. Imagina sofrer um enfarte no 15º andar de um prédio, não entra uma maca no elevador. As nossas casas também não são preparadas para acessibilidade. Nós vamos envelhecer. Então encontramos muitos obstáculos no caminho. O que um deficiente quer é agilidade, mobilidade. Quantos cadeirantes, com cadeira motorizada, se vê por aí disputando espaço no meio dos carros porque é impossível andar na calçada? Se vou numa loja, que não tem acessibilidade, não sou eu que sou o deficiente, é a loja que é deficiente. Temos uma das melhores legislações em relação a pessoa com deficiência, só que ela precisa ser cumprida para evitar o isolamento social do deficiente.
Qual o custo de manter uma estrutura como o Lucy Montoro?
O custo é alto e aumenta quando o paciente agendado falta ao atendimento e toda uma estrutura fica ociosa. Infelizmente nós temos uma taxa de 20% de absenteísmo que o indicador de faltas no atendimento. Isso representa dinheiro indo para o ralo. Isso muitas vezes ocorre, porque falta transporte para o paciente sair de seu município e chegar ao Lucy Montoro.