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Quando ouvir o paciente faz a diferença



Quando ouvir o paciente faz a diferença

O médico Dr. Fernando Marques é clinico geral com especialização em geriatria. Com fala simples e muita empatia ele vem ganhando fãs/pacientes. Médico concursado do município por 12 anos e intervencionista do SAMU, ele aproveitou férias acumuladas e licenças prêmios para experimentar um período de dedicação exclusiva no consultório que mantém na clínica onde trabalha com o irmão, o também médico Alan Marques. Muitos dos seus pacientes não o conhecem por nome, mas pelo apelido Índio que ganhou ainda nos tempos de escola. Isso mesmo, o Dr. Índio concedeu entrevista no programa Rotativa no Ar da Rádio Difusora FM. A repercussão foi grande. Bom humor,simplicidade e atenção ao paciente são diferenciais na atuação como médico. Para ele, nunca é tarde para cuidar da saúde do corpo e da mente para ter qualidade de vida na velhice.  CIDADÃO separou trechos da entrevista para o seu leitor. Veja:

O pessoal chega no consultório e diz que quer se consultar com o Dr. Índio. É isso mesmo?
Muitos falam assim mesmo. O senhor que é o Índio? O apelido fala mais alto que o nome. Muitos nem sabem que meu nome é Fernando, as vezes os amigos mais próximos ou pacientes mais antigos é que sabem. Esse apelido é de uma fase da minha vida e que prevalece ainda e vem de quando mudamos de Votuporanga prá Fernandópolis. Meu pai (o Piazza) era bancário e gente ficava mudando de cidade em cidade. Na escola, me deram o apelido e ficou. Na época tinha muito cabelo, hoje estou careca, mas o apelido continua.

O senhor que atua como médico da Saúde Municipal decidiu experimentar uma fase com sua clínica médica. Conta essa novidade?
Trabalho na rede pública há mais de 12 anos. Na verdade, sou funcionário público concursado. Eu atendo na clínica há mais de 10 anos junto com meu irmão Alan Marques que é o Dermatologista. Na clínica fazia alguns horários, geralmente na hora do almoço e final de tarde. Conversando com secretário de Saúde Ivan Veronesi e o prefeito André Pessuto pedi uma licença do serviço público. Então hoje estou licenciado da Unidade de Saúde. Juntei licenças prêmios com férias vencidas e, nesses oito meses, vou fazer uma adaptação para decidir se vou ficar mais no consultório, ou se volto para a unidade de saúde. Nesse momento estamos atendendo o dia todo na clínica. Continuo ainda no SAMU como médico intervencionista, isso desde quando instalou o Samu na cidade na época do prefeito Luiz Vilar. Eu gosto mais da intervenção, já fiz muita regulação, mas o meu negócio é a urgência e emergência.

"Não adianta saber muito de ciência e não tratar bem ou escutar o paciente. A gente só tem um adjetivo antes do nome"

E a decisão pela especialização em geriatria?
Isso foi logo depois que me formei. Na verdade, queria fazer cirurgia geral. Na época da faculdade de medicina aqui em Fernandópolis a gente tinha muita oportunidade de fazer cirurgia, tinha poucos alunos, e os médicos, Dr. Aer, Dr. Flumignan (já falecido), Dr. Osny, Dr. Tarcísio, Dr. Fernando Bertucci, que eram da cirurgia em geral, davam muitas oportunidades. Foi então que percebi que não era muito a área que queria. Decidi mudar o foco. Já tinha formado, estava casado com uma filha, e a geriatria me chamou atenção. Fui para a especialização em São Paulo e voltei a atender em Fernandópolis. Atendia na Unidade de Saúde e no consultório. Nos primeiros dias dava até um desânimo, estava pagando para trabalhar. Os primeiros meses foram difíceis e depois foi melhorando e o consultório foi ficando autossuficiente. Hoje temos uma clientela bem regionalizada, até de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, e isso foi me dando coragem para experimentar durante um tempo ficar só no consultório. Me chamou a atenção o aumento da população idosa. Hoje naturalmente a população vai envelhecendo. Se olharmos para os países asiáticos, Japão e China, por exemplo, você vê que se vende mais fraldas geriátricas do que pediátrica. Por aqui a situação também está mudando. A pirâmide inverteu e hoje as pessoas vivem mais. A qualidade melhorou muito. Tenho paciente nonagenários com mais vitalidade que para a gente acompanhar não é fácil. É de se admirar.

Hoje você só trata paciente idoso?
Lá começa assim: primeiro vai o vozinho, depois vem a filha do vozinho, a filha da filha, a neta, e a gente acaba virando médico de família. Eles gostam do atendimento e a maioria dos meus pacientes tem meu celular. Isso passa confiança e melhora o estado geral do paciente. Só de conversar, às vezes, ele sai de uma crise de hipertensão, de ansiedade. Isso ajuda muito.

Conversa com paciente ajuda?
Muito. Isso é de cada profissional. A primeira coisa quando a pessoa chega no consultório é recebê-lo com sorriso aberto. Imagina a pessoa que chega no consultório, já está meio fragilizada, insegura e você de cara fechada? Primeira coisa é a empatia para deixar a pessoa à vontade. Isso abre caminho para criar vínculo. A dipirona, o paracetamol, a medicação em geral, é a mesma, mas quando você explica porque vai usar, o que ela vai fazer, aonde vamos chegar isso aumenta a segurança para o paciente. Costumo dizer que pra tudo tem jeito. Além de tratar as pessoas com respeito, temos de ouvir as queixas.

"Quanto mais vida ativa tiver, mais longevo e mais saudável vai ser. Se ficar sentado no sofá, vai atrofiar"

Quais as queixas mais recorrentes?
O que mais ouço no consultório é que a memória está ruim, será que é Alzheimer? Geralmente eles falam assim: olha sai para fazer uma coisa e dois passos depois já não lembrava mais. É hora de conversar com o paciente, saber como está a rotina e muitos se queixam que ficam sozinhos, os filhos moram fora, o que mexe com a ansiedade, humor, causa tristeza, angustia, acaba levando para um quadro depressivo. Isso atrapalha demais a memória. Nos quadros de ansiedade, do pensamento acelerado, o que acontece? A pessoa perde o foco, porque quando decidimos fazer uma coisa, logo pensamos em muitas outras coisas, e o foco ficou para traz. Quando paro e retorno ao foco, vou me lembrar do que estava fazendo. Muitas vezes encontramos uma pessoa muito conhecida, mas pensamos em tantas coisas que o principal, o nome da pessoa, não vem. Isso gera insegurança e medo. A maioria das perdas de memória não se trata de doença cognitiva, não é síndrome demencial. Temos vários testes para fazer. Até brinco com meus pacientes. Você se lembra que esqueceu? Então fica tranquilo. Escutar o paciente faz a diferença, esse é o diferencial. Não adianta saber muito de ciência e não saber tratar bem ou escutar o paciente. A gente só tem um adjetivo antes do nome. No mais somos todos iguais. Nós somos todos terminais e se a gente puder deixar coisa boa, melhor.

"Muitas vezes a pessoa, no físico, não tem nada, mas a cabeça precisa de atenção"

Como chegar com qualidade de vida na velhice?
Nunca é tarde para começar a cuidar da saúde. Primeira coisa é pensar na mudança do estilo de vida. Vou dar o meu exemplo: bebia, nunca fui de fazer atividade física. Por causa do esporte que pratico, o laço, meu braço só ia até uma determinada altura. Fui obrigado a ir para academia, fazer alongamento. Hoje não consigo parar mais. Precisei fazer uma mudança de estilo de vida, baseado numa patologia que tinha e pude ver o quanto é bom. Independente se é com 30, 40, 50 ou 60, não importa, depois que a gente começa, nos sentimos tão bem fazendo atividade física, mudando a alimentação, a rotina de sono, que não queremos parar mais. Só que é preciso um período de adaptação para mudar o estilo de vida e isso vai de 90 a 120 dias, para que o organismo entenda o que está acontecendo, e possa se readequar as mudanças. Estava lá folgadão, comendo, bebendo, engordando, sem fazer nada, de repente começo a me exercitar, mudar a rotina, gera desconforto. Como mudar então o estilo de vida? Coisa simples, uma caminhadinha de 30 minutos, três ou quatro vezes por semana, já é um bom começo. Todo mundo sabe o que é bom e o que é ruim. Tenho que entender que preciso gastar mais energia do que armazeno. Senão chegam as comorbidades, o diabetes, o colesterol, a hipertensão e outras que vão afetar a qualidade de vida. Então, estilo de vida pode-se mudar a qualquer tempo, em qualquer idade. Quanto mais vida ativa tiver, mais longevo e mais saudável vai ser. Se ficar sentado no sofá, vai atrofiar. A vida ativa é ter o que fazer. Se fico o dia todo ocioso, só vou pensar coisa negativa acumulando um monte de patologia.

Qual o peso da ansiedade entre os mais idosos?
Imagina o tanto que é ruim. Devemos entender, e muitos não entendem, que ansiedade, depressão, transtorno misto de ansiedade e depressão, síndrome do pensamento acelerado, síndrome de pernas inquietas, síndrome do pôr do sol, são doenças como qualquer outra, não é frescura ou doença de rico, como diziam antigamente. Hoje a gente vê que é o mal do século. Muitas vezes a pessoa, no físico, não tem nada, mas a cabeça precisa de atenção. Só que o quadro emocional é sempre cumulativo, porque sempre acumulamos um problema que se soma aos problemas anteriores. A ansiedade atrapalha em tudo, no humor, no estresse, qualidade do sono, irritabilidade com o parceiro e hoje temos muitas medicações de controle. Estudos mostram que dependendo do que o paciente apresenta a partir dos 60 anos você pode entrar com um ansiolítico que não é calmante, tanto que a gente toma de manhã para ir trabalhar, viajar, passear. É um estabilizador de humor. Então, tem muita coisa para fazer e melhorar o bem-estar do paciente. Na parte sexual, a gente tem muitas ferramentas para melhorar o desempenho tanto do homem, como da mulher. Não tem mais esse negócio de idade. Por isso usamos a linguagem mais simples possível para que eles possam entender e isso ajuda muito.

O chamado “Dr. Google” ajuda ou atrapalha?
Tem hora que ajuda, tem hora que atrapalha. Muita coisa é legal, porque o pessoal tem alguma dúvida e busca no google e vê que tem solução e aí procura a gente. Eu vejo o google como aliado, não como concorrente. É uma ferramenta que se usar ela bem, ajuda. Mas, é sempre bom lembrar que é uma informação e a consulta com o médico é fundamental. A tecnologia é fantástica, mas sem o ser humano não funciona.

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