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Quem desenvolver empatia sairá mais forte dessa pandemia



Quem desenvolver empatia sairá mais forte dessa pandemia

Os fernandopolenses vão completar na próxima semana dois meses de quarentena por conta da pandemia do coronavírus. A situação nunca vivida pela geração atual se resume em quadro de calamidade social, econômica e emocional. Sob esta ótica, o psicólogo Vítor Antenore Rossi recomenda atividades físicas, diálogos profundos, músicas, de preferência alegres e que não tenham letras melancólicas ou que lembrem traições e tristezas. “São boas ferramentas para diminuir o impacto do isolamento”, diz nesta entrevista ao CIDADÃO. Segundo ele, “os que conseguirem desenvolver empatia sairão dessa pandemia muito mais fortes do que entraram”.
Ele alerta que a situação é delicada e eleva a atenção com aqueles que podem experimentar um primeiro episódio depressivo. Afirma que os jovens lidam melhor com essa situação porque interagem nas redes sociais, diferente dos idosos que gostavam de conversar nas praças ou nas 
calçadas de suas casas. Leia a entrevista:
Qual o impacto da quarentena imposta pela pandemia do Coronavírus em pessoas com tendências depressivas? 
Essa é uma situação de calamidade social, econômica e emocional como nunca vista pela geração atual. A impossibilidade de viajar, frequentar academias e espaços públicos torna tudo muito mais complicado. A quebra de rotina costuma ser um fator importante para alguns depressivos, pois mantém a mente da pessoa sempre trabalhando com o novo. O afundamento em uma rotina muito rígida tende a relaxar a mente, exatamente o oposto do que é preciso nesses casos. Atividades físicas, diálogos profundos, músicas, de preferência alegres e que não tenham letras melancólicas ou que lembrem traições e tristezas são boas ferramentas para diminuir o impacto do isolamento.

"A impossibilidade de viajar, frequentar academias e espaços públicos torna tudo muito mais complicado"

O que recomenda a essas pessoas nesse período de quarentena?
Este é um cenário delicado, pois afeta diretamente todas as pessoas e infelizmente levará muitas a experimentarem um primeiro episódio depressivo. O mais importante a meu ver é cuidar daqueles que estão isolados, que moram sozinhos ou em outras cidades. Se você tem alguém nessas condições, certifique-se de chamar a pessoa por vídeo todos os dias. Peça que ela mostre a casa também, o comedouro dos animais e as plantas caso as tenha. Se observar que os animais estão estressados, as plantas secas, olheiras, ganho ou perda evidente de peso na pessoa, ligue o alerta. A pessoa depressiva que tende ao isolamento por causa da doença, será muito prejudicada se não tiver contatos sociais, mesmo que manifeste não querer fazer as chamadas. É importante insistir, pois a negligência pode levar a fins trágicos.
Você diria que os jovens, nesse momento, são os mais vulneráveis por causa da quarentena?
Não necessariamente. Os jovens estão lidando com frustrações mais abrangentes, formaturas adiadas, cancelamento de aulas, namoros impedidos, mas por outro lado tendem a ser mais conectados ao ambiente virtual desde cedo. Mesmo antes da quarentena tínhamos jovens que ficavam horas jogando com amigos, interagindo em redes sociais, recursos que os idosos não possuem, ao menos a maioria. Por esse motivo eu entendo que está difícil para todos, mas para os idosos que gostavam de conversar nas praças ou nas calçadas de suas casas a situação pode ser mais punitiva.
E como cuidar dos idosos que estão no grupo de risco e a recomendação de mantê-los isolados? 
Com muita paciência e compreensão. A quebra de rotina é muito sentida por eles, pois costumam fazer o mesmo roteiro há anos, talvez décadas. Coisas simples como ir a um mercado, andar pela cidade, conversar com vizinhos, receber familiares para almoços são muito importantes para eles. Some a isso o fato de muitos não terem continuado a estudar, de não compreenderem a ação de um vírus e terá uma mistura perigosa, regada a teimosia e surgimento de angústias. É importante ensiná-los a usar a tecnologia, as redes sociais, a fazerem chamadas de vídeo, enfim, fazê-los se sentirem vistos.

"Este é um cenário delicado, pois afeta as pessoas e podem leva-las a experimentarem um primeiro episódio depressivo"

Os transtornos de ansiedade são a porta aberta para a depressão? 
Sim. De forma rápida é importante ressaltar que a ansiedade é uma função natural e só vira um transtorno quando começa a atrapalhar a vida de quem a sente. Um transtorno de ansiedade gera desgaste emocional, pois o indivíduo desperdiça energia psíquica com eventos que não podem ser resolvidos no presente. E como em qualquer economia básica, quem dá mais do que recebe acaba ficando em déficit. A baixa energia trará desmotivação, diminuição da libido, prejuízo profissional, matrimonial e social e poderá sim dar início ao surgimento de um episódio depressivo.
A depressão é tratada hoje como uma “epidemia”. Quais são os principais sintomas que indicam que o indivíduo está com depressão?
Sensação de tristeza, autodesvalorização e sentimento de culpa. Sensação de vazio, o mundo é visto sem cores, sem matizes de alegria. Sentimento de ser um fardo para pessoas próximas. Ideações suicidas ou desejo de dormir por semanas seguidas. Crença de que não será possível sentir alegria novamente. Lentidão motora, ausência de energia, preguiça ou cansaço excessivo, dificuldade de concentração e memória. Também são esperados insônia ou sonolência excessiva, diminuição ou aumento do apetite, principalmente pelo interesse em doces e carboidratos e redução da libido sexual.
É muito comum ouvir termos como “Era Rivotril” associada a proliferação de medicamentos de controle de ansiedade, insônia e depressão. Como avalia? 
O tratamento para a depressão demanda na maioria das vezes o uso de medicamentos associado à psicoterapia e mudanças gerais no estilo de vida. O psiquiatra tem a função de escolher o melhor medicamento para o paciente, pois por se tratar de uma doença que sofre influência de vários fatores, não existe um tratamento que seja igual para todas as pessoas. Esse é o perigo da automedicação, acreditar que o remédio que funcionou para um parente poderá funcionar para si. Até 95% dos pacientes apresentam remissão total quando fazem o tratamento da forma correta, seguindo as orientações médicas e psicológicas.
A luta contra a recaída é constante e dificilmente superada. Como evitar a recaída? 
O transtorno depressivo tem como característica a recaída, mas sua prevalência depende do número de episódios. Isso quer dizer que a pessoa que vivenciou um episódio, tem mais chances de voltar a tê-lo do que a que nunca o teve, mas chances menores se comparadas a alguém que já está no segundo. É possível que o indivíduo tenha um único episódio depressivo durante toda a sua vida se fizer o tratamento corretamente, porém, o que já teve três ou quatro, provavelmente terá que aprender a conviver com a cronicidade da doença. O melhor caminho para evitar a recaída é mudar hábitos, condutas, grupos sociais e qualquer outro comportamento que tenha funcionado como gatilho para o primeiro episódio. 
Além do preconceito, sabemos que é bastante difícil se relacionar com uma pessoa depressiva. Nesses casos, como desenvolver um relacionamento com uma pessoa depressiva?
Não é uma situação fácil. Um episódio depressivo pode durar meses e durante esse período alterações claras podem ocorrer como ganho ou perda de peso, ausência de higiene corporal e mental, irritabilidade, excesso ou ausência de sono. Fatores que mudarão completamente a rotina das pessoas que convivem com a depressão. É importante em alguns casos que o cônjuge ou outros membros familiares também passem por acompanhamento psicológico, pois poderão ser levados ao extremo de suas emoções em razão das dificuldades que surgirão.

"Acolha a quem puder e como puder, não cobre que o outro enxergue o mundo da mesma forma que você"

Segundo os especialistas, diversos fatores estão associados à um episódio depressivo. Quais são esses fatores?
Existem fatores que se iniciam por questões genéticas, cerebrais e outros que dependem de eventos emocionais, como a morte de uma pessoa querida, uma demissão inesperada, etc. Fatores gerais como histórico familiar, estresse crônico, disfunções hormonais, abuso de álcool e outras drogas e conflitos conjugais costumam influenciar muito na instalação de um episódio depressivo.

Para essa travessia, qual a recomendação que deixa aos fernandopolenses? 
Que respeitem as dificuldades das outras pessoas. Que entendam que existem sofrimentos além dos habituais como claustrofobia, germofobia (medo patológico de germes), hipocondria, medo de abandono. Transtornos emocionais e mentais são reais, não são pessoas fazendo graça, não é frescura, algumas realmente estão beirando a loucura, o pânico. As diferenças estão aí, acolha a quem puder e como puder, não cobre que o outro enxergue o mundo da mesma forma que você. Os que conseguirem desenvolver empatia sairão dessa pandemia muito mais fortes do que entraram.

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