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“Sem prevenção é o futuro que está em jogo”, alerta médica



“Sem prevenção é o futuro que está em jogo”, alerta médica

O mês da conscientização sobre o câncer do colo do útero é comemorado todos os anos em janeiro para incentivar mulheres a estarem mais atentas à sua saúde. Prevenção é o principal objetivo da campanha “Janeiro Verde”. Para a médica ginecologista de Fernandópolis Maria Christina Dias Prado, a prevenção é tudo e está disponível seja através do tradicional exame conhecido como Papanicolau, da vacinação ou mesmo uso de preservativos, a popular camisinha. Em 2022, segundo o Ministério da Saúde, a taxa de cobertura vacinal contra o HPV foi de 57 % em meninas, e 37% em meninos, e a cobertura de Papanicolau não atingiu 20% da população alvo (mulheres entre 25 e 65 anos de idade), números que, segundo projeções da OMS – Organização Mundial de Saúde -, não permitirão a eliminação da doença neste século no país. Apesar de plenamente prevenível, o câncer de colodo útero continua matando. “É o futuro que está em jogo. É muito fácil prevenir. Sexo faz parte da vida, mas o problema é o sexo irresponsável”, alerta a médica, em entrevista ao CIDADÃO e Rádio Dfiusora FM. Leia a entrevista:

Explique o que é o câncer do colo do útero?

Nós temos três tipos de cânceres prevalentes nas mulheres: o câncer de pele, câncer de mama e câncer do colo do útero. No caso, o câncer do colo de útero, alvo da campanha neste mês de janeiro, vem tendo maior incidência, principalmente após a segunda década de vida, permanecendo o risco até na faixa de 50 a 60 anos. O câncer do colo do útero é um tumor sexualmente transmissível, porque quem causa o câncer é um vírus que é o HPV Papilomavírus Humano. Só que temos diferentes tipos de papiloma. Tem os que chamamos de não oncogênicos, que não tem risco de formar câncer de colo de útero, mas que causam as famosas verrugas vulvares. Sempre que vemos pacientes com verrugas vulvares, sabemos que são portadoras de HPV não oncogênico. Mas, temos também o HPV que chamamos de oncogênico, que entra no núcleo da célula e acaba alterando o genoma da célula causando esse crescimento desordenado do epitélio do colo uterino. Só que o grande problema do HPV é que ele não atinge apenas o colo, pode atingir todos os outros epitélios do trato genital inferior, principalmente vagina e vulva. Tanto que quando chega uma paciente com lesão suspeita de carcinoma de colo nós fazemos uma avaliação completa do trato genital porque ela pode ter outros tumores concomitantes.

Como é feito o rastreamento do câncer do colo do útero?

O Ministério da Saúde preconiza para o rastreamento do câncer do colo, as pacientes entre 25 e 65 anos de idade, porque esse é o período que temos uma maior prevalência do aparecimento do carcinoma. Esse rastreamento é através do exame que todos conhecem que é o Papanicolau, o preventivo do câncer do colo do útero. Inicialmente são feito dois exames consecutivos a cada ano. Se tiver os dois exames consecutivos normais, posso passar a realizar o preventivo a cada três anos. Isso porque as alterações provocadas pelo HPV são de crescimento lento, tanto que as vezes pode levar de 10 a 20 anos para se manifestar. Muitas vezes ouço as pacientes falando que não gostam de fazer o preventivo, de ir ao médico e procurar doença. Isso não é procurar doença, é prevenir a doença. O importante não é a medicina curativa, mas sim a medicina preventiva. Como disse, esses tumores são de crescimento lento e, por isso, totalmente preveníveis. Digo sempre que, morre de câncer do colo do útero hoje em dia quem quer.

Ainda morre mulher com câncer do colo de útero porque muitas não procuram fazer o exame preventivo, infelizmente

E ainda morre mulher com câncer do colo do útero?

Ainda morre mulher com câncer do colo de útero porque muitas não procuram fazer o exame preventivo, infelizmente (Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer – Inca – foram registradas cerca de 6,5 mil mortes decorrentes do câncer no Brasil em 2019). Os números ainda são muito elevados apesar de todas as campanhas que fazemos para a prevenção. Hoje, em qualquer Unidade de Saúde a mulher pode realizar o preventivo que é o Papanicolau, de graça. E não tem que esperar as campanhas. Hoje fazemos duas campanhas anuais, em janeiro (janeiro verde) e concomitante com a campanha preventiva do câncer de mama (outubro rosa). Não há desculpa para não realizar o preventivo.

A vacinação contra o HPV é outra forma de prevenção?

Sim, a vacina do HPV está disponível nas Unidades de Saúde desde 2012, tanto que já estamos vendo o resultado dessa vacinação com a redução de casos de neoplasia intraepiteliais que são precursoras do carcinoma de colo. Apesar dessa queda, ainda é muito alto. Orientamos as mães que levem suas filhas a partir dos 10 anos de idade para tomar a vacina. Não só as meninas, mas os meninos, porque também são portadores do vírus e temos observado o aumento da prevalência do carcinoma de pênis. A vacinação para os meninos é mais recente e está disponível a partir dos 12 anos. Para as meninas a partir dos 10 anos. Isso é importantíssimo, porque o resultado virá lá na frente.

Orientar sobre sexo seguro não é incentivar, mas prevenir contra HPV, sífilis, gonorreia e outras dezenas de doenças

Esse grupo ainda é muito reticente à vacinação?

Os jovens são muito reticentes e muitas vezes, as próprias mães que pensam que se levar a filha para tomar a vacina estará incentivando a procurar relações sexuais. Sempre que elas vão ao consultório, orientamos sobre a prevenção de uma gravidez precoce e a importância de usar a camisinha para prevenir outras doenças sexualmente transmissíveis, não apenas o HPV, mas também a sífilis, a gonorreia e outras dezenas de doenças que estão circulando novamente. Orientar não é incentivar, mas prevenir.

A falta de informação ainda afeta a prevenção?

Sim. Eu já fiz muitas palestras em escolas sobre prevenção do câncer do colo do útero, da gravidez na adolescência, com orientação para as meninas para que estudem, se preparem para um futuro melhor. Esse é também o papel da escola, mas os principais responsáveis pela orientação e educação dos filhos são os pais. Vemos hoje os jovens iniciando a vida sexual cada vez mais cedo e a nossa maior preocupação é que essas meninas e meninos não têm parceiros fixos. A troca de parceiros aumenta o risco de exposição não apenas ao HPV, mas também a outras doenças. Hoje, na prevenção não é apenas o Papanicolau, a vacinação, mas também o uso do preservativo, a famosa camisinha, seja masculina ou feminina, que também está disponível, de graça em todas as unidades de saúde. Estamos vendo um aumento assustador de outras doenças, como a sífilis, a gonorreia que tínhamos dado como esquecida há alguns anos, voltando a ter muitos casos. O HIV que está aí e parece que as pessoas perderam o medo. Tem um monte de tratamento, mas e a qualidade de vida dessas pessoas que terão que tomar medicamentos pelo resto da vida?

Se queremos ter um futuro saudável, uma velhice saudável, nós temos que viver bem, cuidando da nossa saúde desde jovem

Prevenção é a palavra-chave?

Sem dúvida. É o futuro que está em jogo. É muito fácil prevenir. Sexo faz parte da vida, mas o problema é o sexo irresponsável. Concordo com a teoria de que cada um faz o que quer com seu corpo, mas as consequências das nossas escolhas é que podem refletir no futuro. Eu escolho, eu faço e depois vou colher o resultado do que plantei. A medicina preventiva, não apenas em relação ao câncer do colo do útero que é o foco da campanha janeiro verde, mas de outras doenças como o câncer de mama, o câncer intestinal, no caso, com mudanças de hábitos alimentares, com aumento da quantidade de fibras, lactobacilos e maior ingestão de líquidos. E a partir dos 40 anos temos indicado às pacientes a realização de colonoscopia porque se pegarmos lesões em fase inicial as chances de cura desses tumores são muito grandes. A maioria dos tumores temos como prevenir. Hoje a realidade se chama medicina preventiva. Tudo em nossa vida se chama prevenção. E esse cuidado com a prevenção e cuidados com a saúde tem refletido na expectativa de vida. Nós é que escolhemos o futuro que queremos. Sempre lembro que quando criança, passava na frente do Cemitério da Saudade e via aquela frase que muitos nem observam: “Se desejas morrer bem, vive bem”. E isso é uma verdade absoluta. Se nós queremos ter um futuro saudável, uma velhice saudável, nós temos que viver bem, cuidando da nossa saúde desde jovem. Por isso falo sempre que, se as meninas e os meninos querem ter um futuro melhor, cuidem da saúde desde agora. Não deixe para prevenir depois que as doenças já vieram. Tem que prevenir desde cedo. 

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