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SETEMBRO AMARELO: “Temos que valorizar as queixas emocionais”



SETEMBRO AMARELO: “Temos que valorizar as queixas emocionais”

Neste ano, a campanha Setembro Amarelo tem como tema “A vida é a melhor escolha”. A ação nacional é organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina. Em Fernandópolis, o alerta esteve presente no Desfile de 7 de setembro, com a equipe de saúde municipal e foi tema de entrevista na quinta-feira, 15, no programa Rotativa no Ar da Rádio Difusora FM com a presença da médica psiquiatra Alinne Matias Terra Verdi. Nunca, em toda a história humana, falar sobre saúde mental foi tão necessário e desafiador principalmente neste pós pandemia de covid-19 que produziu uma explosão de casos de doenças mentais. Isso reforça a importância da campanha Setembro Amarelo que vem relembrar a essencialidade do esforço conjunto da comunidade médica e da sociedade na luta contra o suicídio e contra o estigma que esta questão carrega. Na entrevista, a psiquiatra lembrou que, “embora o suicídio seja um tema difícil para o ser humano, ele está acontecendo e podemos evitá-lo. A estimativa da Organização Mundial de Saúde é que cerca de 1 milhão de pessoas cometem suicídio anualmente no mundo. No Brasil, são cerca de 14 mil casos. Um dado triste é que esta é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e esse número que pode ser maior ainda subnotificação. Precisamos observar as pessoas à nossa volta e valorizar suas queixas emocionais", diz a médica. Leia a entrevista: 

Desde 2014 vem sendo desenvolvida a campanha Setembro Amarelo pela Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina. Fale do objetivo? 
O principal objetivo da campanha é a conscientização da sociedade que, embora o suicídio, seja um tema difícil para o ser humano, ele acontece e podemos evitá-lo. Temos estimativas de que 1 milhão de pessoas no mundo cometem suicídio anualmente no mundo. No Brasil são cerca de 14 mil suicídios por ano. Isso é muito triste. Para se ter uma ideia, esse número corresponde a população de uma dessas cidades que estão ao nosso redor como Ouroeste, Estrela d´Oeste. Isso é muito preocupante. Podemos dizer que essa é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Pessoas que estão na flor da idade e tem suas vidas interrompidas. Esse número pode ser até subnotificado, porque muitas vezes, a pessoa sofreu um acidente de carro que pode ter sido intencional e isso vai para a conta do acidente de trânsito. Por isso a campanha que é para lembrar a todos que precisamos observar as pessoas à nossa volta, valorizar suas queixas emocionais. O indivíduo, as vezes, tem vergonha, medo de falar, sobre seus pensamentos suicidas. Estamos progredindo e espero que a cada ano os números diminuam e o incentivo ao cuidado mental aumente em nosso país. 

Quais os sinais que devemos ficar atentos?
O principal é observar que a pessoa pode, por exemplo, ter um discurso de desesperança. 90% das pessoas que cometem o suicídio estavam vivenciando um transtorno mental, possuíam alguma doença psiquiatra, muitas vezes sem tratamento ou até com tratamentos malconduzidos. Essa desesperança sabota os tratamentos, porque o indivíduo tem uma dificuldade de acreditar que será possível se sentir melhor e voltar a ter brilho nos olhos, fazer planos para o futuro. Geralmente, com esse sofrimento a pessoa se retrai, fica apática, seu discurso é negativo, ou seja, sem nenhuma esperança. Nada mais interessa a ele. Esse problema não atinge apenas jovens, mas idosos que sofrem silenciosamente em meio as perdas e não sabem se expressar. E também entra a questão de que a psiquiatria ainda é um assunto tabu. O suicídio, então, mais ainda.

"No Brasil são cerca de 14 mil suicídios por ano e é a segunda causa de morte entre jovens. Isso é muito triste"

Tudo pode ser colocado na conta da depressão?
A depressão é uma das doenças, mas temos a bipolaridade, esquizofrenia, transtorno de identificação sexual, transtorno de personalidade, transtorno de ansiedade e pânico, uso abusivo de drogas e até mesmo pessoas que convivem com doenças crônicas que causam intenso sofrimento, entre outras. No caso da depressão ela é classificada em leve, moderada e grave com sintomas psicóticos. É uma patologia, uma disfunção emocional caracterizada por uma tristeza profunda sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura, desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa. É importante distinguir a tristeza patológica daquela transitória provocada por acontecimentos difíceis e desagradáveis, como a perda de uma pessoa querida. Por isso, é importante a família, os amigos, terem atenção para ajudar essa pessoa.

Como a população pode ajudar?
A população leiga em geral pode observar principalmente a apatia e mudança de comportamento, que ela deixou de fazer atividades que antes eram importantes e prazerosas. Geralmente começa com frases como “seria melhor morrer”, “se eu não estivesse mais aqui”, “poderia dormir e não mais acordar”, “não vejo mais motivos para continuar”. A pessoa pode até dizer que nunca pensou em suicídio, mas a tradução dessas frases é que a pessoa, sim, tem pensado em sair de cena, que morrer seria a saída. Um suicídio causa um grande dano ao redor. Vai gerar cerca de 20 pacientes psiquiátricos. Ficarão os traumas, as culpas, sentimentos de incapacidade nas pessoas ao redor. Todos entram em sofrimento. 

"Não temos como medir com a nossa régua o tamanho do sofrimento do outro"

O que fazer e o que não fazer?
A empatia, podemos dizer, é o começo. Ouvir essa pessoa, sem julgamentos. E propor ajuda, incentivando a busca o atendimento de um psiquiatra e um psicólogo. Em Fernandópolis nós temos os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e o Cisarf. Nos casos mais graves, onde a pessoa esteja em risco iminente, aí é uma emergência e deve se procurar a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) para preservar a vida. Agora na questão do que não devemos fazer, o que piora muito uma situação é o julgamento e frases do tipo “pare com isso, você tem tudo”, “Ah, isso é falta de fé, você precisa ir mais a igreja”, “isso é frescura, vai passar”. Esse tipo de frase desvaloriza o sofrimento da pessoa e faz com ela se retraia e se sinta ainda mais culpada. Não temos como medir com a nossa régua o tamanho do sofrimento do outro. Não podemos desvalorizar que internamente existe um desequilíbrio de neurotransmissores que estão provocando essa tristeza intensa, angustia, apatia, falta de energia. Isso é o mesmo que não acreditar nas doenças emocionais produzidas pelo nosso cérebro.  Então, vamos procurar um especialista e buscar ajuda. 

"Esse problema não atinge apenas os jovens, mas idosos que sofrem silenciosamente em meio as perdas"

Qual o papel da fé em questões como essa?
Sem dúvida, a fé é importante, independente de religião. Fé significa esperança e está entre os fatores de proteção. Ninguém aqui vai incentivar a pessoa só a melhorar a fé. Da mesma forma que a gente não falaria para as pessoas pararem com os hipertensivos, com a insulina, os remédios que a pessoa precisa para outras doenças. A fé é importante porque ajudará a pessoa a ter esperança, pensamentos positivos. Mas, não podemos substituir o tratamento apenas por fé.

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