Observatório

“Só pedimos justiça”, diz médico



“Só pedimos justiça”, diz médico

Nas últimas semanas, uma polêmica veio à tona sobre a questão salarial dos médicos de carreira do município. Por conta do teto salarial (fixado com base no salário do prefeito), os médicos não estavam recebendo benefícios que tinham direito por lei. Isso incluía o triênio (benefício pago ao servidor de carreira a cada três anos), a sexta parte (concedida ao servidor que completa 20 anos de carreira) e até horas extras. Tudo porque excedia o teto salarial. Em meio à polêmica, o médico Dr. Fernando Marques Ferreira que atende há 12 anos na rede municipal, assumiu a liderança das negociações em busca de uma solução. A frase acima é dele. A justiça a que se refere o médico é que, a partir da negociação e aprovação do projeto que eleva exclusivamente o salário do prefeito a R$ 25 mil a partir de 1º de janeiro de 2022, eles poderão receber as bonificações a que tem direito por lei. “Não teve aumento salarial para os médicos”, reafirma nesta entrevista concedida ao jornal CIDADÃO e Rádio Difusora. O médico também comentou a cobrança sobre o atendimento à população e enfatizou que a estratégia saúde da família tem que funcionar 100%. Leia a entrevista:


Explica para a população esse projeto aprovado pela Câmara elevando o teto salarial do município para resolver distorções salariais dos médicos?
Replicando a palavra do vereador João Pedro: justiça. Foi feito justiça. Não teve aumento salarial, os médicos continuam recebendo o mesmo salário. O que muda é que a gente vai começar a receber nossas bonificações como o triênio, sexta parte e até horas extras. Eu digo a população para não se atentar ao aumento do salário do prefeito. O que foi feito esta noite (terça-feira) foi justiça.

A polêmica é pelo fato de que para se fazer justiça precisou aumentar o salário do prefeito e, neste caso, prevalece a discussão política?
Com certeza. Todos os vereadores estavam cientes do projeto. Não tem outra questão a não ser política ou ego. Achei que teve vereador que usou do ego e virou toda essa discussão, até um pouco acalorada, mas a gente preza pelo bom senso. Teve um diálogo bacana e o bom senso prevaleceu. Um pouco da discordância foi totalmente política. Não vejo outra razão.

Não havia outra forma de corrigir essa injustiça?
De todas as formas que a gente estudou, conversamos com o jurídico, buscamos outras opiniões de gente da área, e essa era a única forma que tinha, perante as leis do município e leis federais, para termos essa equiparação salarial, aumentando exclusivamente o salário do prefeito. Foi a única forma encontrada. 

"Não teve aumento, os médicos continuam recebendo o mesmo salário. Só poderemos agora receber nossos direitos"

Explica uma situação prática dessa injustiça?
Com o triênio ou sexta parte, se você requer, vem no seu salário, é descontado o imposto e o benefício é revertido no holerite, ou seja, ele só entra no holerite, é cobrado o imposto, mas você não recebe. Volta para o caixa da prefeitura por que estava acima do teto salarial do município. Então, além de não receber o seu direito, você pagava imposto sobre ele. E isso vinha ocorrendo há cerca de um ano e meio sem receber, por exemplo, o triênio. 

Isso ocorreu exatamente em meio a pandemia, quando mais se exigiu da classe médica?
Só ver o caso do Dr. Márcio Gaggini. Ele trabalhou imensamente durante a pandemia, não pôde receber nada de horas extras. Entre aspas, ele se doou para a prefeitura. Nós médicos não poderíamos trabalhar na Santa Casa ou dar apoio na prefeitura, porque ultrapassava o teto e não se podia receber nada. Isso prejudicou muito. Quantas Unidades de Saúde ficaram sem médicos por causa do salário baixo e outras cidades pagando acima desse valor durante a pandemia. Como funcionário público de carreira por 10, 12, 15, 20 anos na prefeitura, abraçamos a causa da pandemia, fomos à luta sem receber praticamente nada em troca. A única coisa que estamos pedindo agora, que foi decidido nessa sessão com os vereadores, foi a readequação do teto salarial para que possamos receber um direito que já era nosso e vinha sendo descontado. Foi só isso que pedimos, receber o nosso direito adquirido por lei.

"A cobrança da população é sempre é bem-vinda, para a gente melhorar o atendimento. Tem que funcionar 100%"

Qual foi o impacto dessa questão salarial no momento que a prefeitura precisava contratar médicos?
Influenciou demais negativamente. Veja bem, chamaram praticamente dez médicos concursados. Desses, só dois assumiram os postos no município. Colegas que trabalhavam com a gente aqui foram embora para outras cidades. Hoje Fernandópolis terá que fazer um novo concurso público para contratar pessoas para continuar atuando na atenção básica de saúde, porque não temos esse profissional. Hora que o médico vê o edital de concurso com salário, mas quando conversa com um, com outro e ficava sabendo que não receberia benefícios previstos em lei, desiste. Então prá que ter um plano de carreira? Eu prefiro trabalhar numa OS (Organização Social), vou receber muito mais e tendo o mesmo direito que um funcionário de carreira. 

Na região tem prevalecido contratações de médicos via OSs que não atrela salário ao teto salarial do município?
No município de Fernandópolis tem uma lei que não pode ter mais OS. Então são funcionários de carreira, estatutários, mas a maioria dos municípios da nossa macro e micro região são todos contratados por OSs, praticamente não tem vínculo nem com a população, nem com a administração local. São contratos de serviço. 

"Com o projeto aprovado, a prefeitura terá menos dificuldade para contratar médicos"

Com o teto elevado, ficará mais fácil o município contratar médico?
Com certeza, além de ficar mais fácil para o município contratar, nós que já estamos trabalhando na rede há vários anos vamos ficar numa situação mais confortável. Eu já tenho 12 anos de prefeitura, daqui a pouco terei 20, 30 anos, eu quero me aposentar aqui, ficar no município. Quero que meus filhos se formem também fiquem aqui. Quantos amigos não foram embora. Com esse entendimento na Câmara, aprovando esse projeto, isso vai dar uma diferença grande, abrindo para novas contratações via concurso em 2022. 

Na votação do projeto, houve cobrança sobre a qualidade do atendimento na rede. Como avalia?
Sempre é bem vinda a cobrança, para a gente melhorar. Não é porque elogiou um, elogiou o outro (médico), é a nossa estratégia de saúde da família, é uma rede que tem que funcionar 100%. Provavelmente são problemas pontuais, fáceis de resolver com uma reunião, uma reestruturação para adequar isso. É difícil agradar a todos, as vezes tem paciente que não entende, as vezes tem aquele dia que o médico não está bem, ou o paciente quer um determinado exame que o médico não julga necessário e há o estresse. Mas, a maior queixa que a gente tem talvez seja no acolhimento. Então é preciso ter uma interação na unidade onde ocorre o problema, com treinamento, capacitação, coisa simples de resolver. Agora o Cidinho (vereador Cidinho do Paraíso) falou uma realidade: se o profissional não se adequa, é só reclamação, a prefeitura tem que entrar com alguma ação e resolver isso. Agora, a gente é funcionário público, só tem o slogan de médico, mas somos funcionário público da rede municipal como qualquer outro funcionário. Então, tem funcionário bom, funcionário mediano, ruim? Sim. É onde temos que melhorar, capacitar esses funcionários para atender a população como precisa. 

Saiu satisfeito dessa sessão, com o projeto aprovado?
Satisfeito com a sessão, decepcionado com alguns vereadores, porque foi muito debatido esse assunto e, na minha opinião, houve manobra política para ficar bem perante a população. Não tinha nenhum desavisado, no meu ponto de vista, mas respeito a opinião de todos e continuo aberto a conversar com todos.

Observatório