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“Sonhei ser médico e religioso para cuidar de vidas”



“Sonhei ser médico e religioso para cuidar de vidas”


No último dia 1º de maio foi realizada a ordenação diaconal na Catedral Diocesana Nossa Senhora da Assunção de Jales pelo bispo Dom Reginaldo Andrietta.  Essa é a segunda parte de um sonho que o médico geriatra de Fernandópolis Dr. Washington Henrique da Conceição está realizando. “Cursar medicina sempre foi um sonho, desde criança pensei  em ser médico, assim como ser religioso”, diz nesta  entrevista ao CIDADÃO. “São atividades muito parecidas, ambas cuidam de vidas”, completa.

Washington foi ordenado diácono no dia em que estava completando 31 anos. Nasceu em Fernandópolis em 1º de maio de 1989, filho de Vera Lúcia Bichof e Valdemir Antônio da Conceição e tem uma irmã chamada Luana Carla da Conceição. Devido ao trabalho de seu pai, administrador de fazenda, Dr. Washington morou em muitos lugares.  Até os seis anos, residiu em Santana da Ponte Pensa, depois em Campo Grande-MS, em Pirajui-SP, e, por fim, aos 16 anos retornou para Fernandópolis, onde mora com seus avós maternos. Dedicado, o jovem que se formou médico como destaque de sua turma, estudou sempre em escola pública, com exceção do colegial, período em que ganhou uma bolsa de estudos numa escola particular de Fernandópolis. Hoje divide a rotina entre atendimentos de pacientes na Unidade Básica de Saúde, na linha de frente de atendimento a Covid-19 e agora como diácono da Igreja Católica, que ele define como  oportunidade de auxiliar Deus na construção de seu Reino. No final do ano ele deve ser ordenado padre e diz que nunca pensou abrir mão de uma em função de outra. Leia a entrevista:

"Nosso trabalho é a forma como auxiliamos Deus na construção do seu Reino e sou muito feliz de saber que posso auxiliá-lo como médico e religioso"

O senhor se formou em medicina em 2013 e se especializou em geriatria, foi ordenado diácono. Como define esse caminho trilhado até aqui?
Cursar medicina sempre foi um sonho, desde criança pensei em ser médico, assim como ser religioso. Aos poucos fui descobrindo como tudo isso aconteceria, a principio parece um pouco estranho, mas hoje vejo que são atividades muito parecidas, ambas cuidam de vidas. Posso definir esse percurso como um caminho de buscas e alegrias. Com certeza tive dificuldades e desafios, mas todos foram superados com a graça de Deus. Nosso trabalho é a forma como auxiliamos Deus na construção do seu Reino e sou muito feliz de saber que posso auxiliá-lo como médico geriatra e religioso.

Como foi viver a emoção de ser ordenado diácono?
São João Paulo II afirma: “O diaconato empenha ao seguimento de Jesus, nesta atitude de serviço humilde, que não só se exprime nas obras de caridade, mas investe e forja o modo de pensar e agir” (L’Osservatore Romano, ed. portuguesa, n. 43 (24/10/93), p 12). Ser diácono é servir a Igreja na pessoa dos mais necessitados. A ordenação foi um momento muito especial em que, pela imposição das mãos e oração do nosso Bispo Dom Reginaldo Andrietta, fui fortalecido com a graça sacramental. Sem Deus não podemos fazer nada por isso recebemos esse dom, que nos garante a força necessária para a missão. Recordo ainda outra fala de São João Paulo II que falando sobre os diáconos relata que: “apresentam um rosto característico da Igreja, à qual tem prazer de estar próxima do povo e de sua realidade cotidiana para arraigar em sua vida o anúncio da mensagem de Cristo”. Apesar das fragilidades e erros busco seguir os passos de Cristo que se fez servo por amor.

De onde veio a inspiração para Medicina e para o Sacerdócio?
Foi algo muito natural, não me recordo de um momento específico, mas de uma inquietação que foi se transformando em certeza e que me conduziu até aqui. Deus é todo poderoso e pode fazer o extraordinário, mas sua ação na maioria das vezes é sútil, respeitando a liberdade e o tempo dos seres humanos. Inquieto estava meu coração enquanto não repousava Nele.

Em que momento decidiu abrir mão de uma vida de luxo que a medicina poderia lhe proporcionar, de se casar, ter filhos, para ser religioso?
A medicina com certeza proporciona uma vida com algumas facilidades. Porém não foi o possível luxo que me fez pensar em ser médico, sou médico porque sou feliz cuidando de pessoas, aliviando dores e sofrimentos. Esse possível luxo custa caro também, são muitas horas de sono perdido, ausências em casa e muitas responsabilidades.  Hoje também vemos uma desvalorização do médico. Desvalorização pelos gestores, pacientes e até mesmo entre colegas de profissão. De qualquer forma sou grato por tudo que a medicina proporciona. Quando decidi ser religioso sabia das exigências, e posso dizer que tenho uma vida feliz, não me falta nada, talvez tenha até um pouco mais do que precisaria para viver.

Diria que ser padre é vocação?
Tudo é vocação. Ser jornalista, pai, professor, médico, padre, tudo é uma resposta a um convite de Deus. Deus em seu infinito amor nos convida a sermos participantes em sua obra criadora.

Qual foi a reação das pessoas, da família, dos seus amigos de faculdade, diante dessa escolha?
No principio muito difícil, causava um pouco de estranheza aos meus amigos e familiares, depois foi se tornando algo natural. Hoje fazem piadas, riem.

Pretende conciliar as duas funções, médico e sacerdote?
Não pensei em nenhum momento em desistir de uma em função da outra. Em minha história com Deus fui convidado a fazer os dois.


"Não consigo ser apenas um (médico) ou outro (religioso), minha constante busca é não separá-las mas permitir que um exista no outro"

Acredita ser possível separar o médico do religioso, ou eles se completam?
Na minha vida são atividades que se completam. Não consigo ser apenas um ou outro, minha constante busca é não separá-las mas permitir que um exista no outro, de tal modo que ambos possam coexistir, auxiliando no cuidado das pessoas. Atualmente o mundo busca separar as coisas, quando na verdade somos chamado a nos unirmos. A pandemia nos permitiu ver o quanto estamos ligados uns aos outros. A exemplo das primeiras comunidades cristãs devemos ser um só coração e uma só alma. (cf. At 4,32)

No Evangelho, encontramos a história de Lucas, o Evangelista, que era médico (é o padroeiro dos médicos) e virou apostolo. Foi inspiração?
Os santos com certeza são um grande exemplo a serem seguidos, são pessoas de carne e osso como nós que conseguiram viver o projeto de Deus, então Lucas foi um grande exemplo e incentivo. Hoje a Igreja conta com outros médicos que também viveram a santidade, entre eles cito São Moscati, que foi considerado um homem de fé e caridade, que assistia e aliviava os sofrimentos dos incuráveis, e até mesmo Santa Gianna que afirmava que a “santidade é o cotidiano da vida vivida à luz de Deus. ”  

Como foi viver a experiência na linha de frente na pandemia da Covid-19, na luta entre a vida e a morte?
A pandemia é uma grande fatalidade e muitas serão as perdas. Cuidar de pacientes com Covid é um trabalho muito intenso, seja pela necessidade de cuidados, seja por todos os sentimentos envolvidos. Tenho vivido esse momento com muita esperança.

Qual a maior lição da pandemia?
Acredito que o sentido de interligação. Estamos todos no mesmo barco, Papa Francisco diria que na casa comum. Então o sentimento que corresponsabilidade foi um grande aprendizado.


"Sou fernandopolense e escolhi esse local para viver, aqui convivo com pessoas batalhadoras que constroem a cada dia uma cidade melhor"

Qual mensagem à população que já o conhece como médico e logo o terá como diácono?
Sou o mesmo de antes, agora com alguns deveres a mais, porém o mesmo de antes. O desejo de ajudar e servir as pessoas ainda é o mesmo, talvez até mais intenso. Contem sempre comigo. Sou fernandopolense e escolhi esse local para viver, mesmo longe para estudar sempre mantive minhas raízes nessa terra que amo e admiro, aqui convivo com pessoas batalhadoras que constroem a cada dia uma cidade melhor.

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