Drogas e juventude são assuntos discutidos por pais, filhos e educadores. Partindo dessa premissa, foi criado em 1993 no Estado de São Paulo o Proerd - Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência. O modelo, que teve origem nos Estados Unidos, em 1983, é desenvolvido em mais de 58 países. Estudantes das redes pública e particular são os alvos do programa, que tem como lema “manter nossas crianças longe das drogas”. Em Fernandópolis, o programa funciona há cerca de 23 anos, sob o comando do cabo PM Hermenegilda Pierrobom Succi, ou simplesmente Hermê como é chamada pelos alunos do Proerd, ou Cabo Succi, seu nome de guerra na Polícia Militar. Não importa, Hermê faz parte da história de pelo menos 20 mil jovens estudantes que passaram por suas aulas. A maioria entendeu a lição e seguiu o caminho do bem, poucos se perderam em algum momento do caminho e enveredaram pelas das drogas e crimes. Ela esteve no programa Rotativa no Ar, acompanhada pelos cabos Vecchia e Alexandre, que também são instrutores do programa. Leia trechos da entrevista com a cabo Succi:
O Proerd está completando 30 anos e você atua no programa há quase 24 anos. Conta um pouco dessa história?
O Proerd foi criado em Los Angeles após grande apreensão de drogas. Isso foi em 1983 e deu muito certo, expandindo para mais de 50 países. Em 1992 vieram oficiais de Los Angeles e formaram alguns mentores do Proerd no Rio de Janeiro, mas não prosperou por lá. Em 1993, o programa foi trazido para São Paulo formando os primeiros mentores na Academia do Barro Branco. Desde então, o programa foi introduzido no Estado de São Paulo e estamos completando 30 anos com muito sucesso. Ao longo do tempo o programa foi se modificando e quem ganha com isso é a comunidade.
Nesses 23 anos, tem ideia de quantos estudantes passaram pelo programa em Fernandópolis?
A minha formação de Proerd é de 1999, no dia 3 de dezembro foi o início do meu curso. Acredito já tenham passado pelo programa mais de 20 mil estudantes. A minha primeira turma está completando 34 anos. E já tive a satisfação de ser convidada para formaturas em cursos de medicina, de engenharia e tantos outros, por ter feito parte da vida desses jovens. Isso é gratificante. Mas, temos também os dissabores, às vezes a gente tem que prender alguém que foi aluno do Proerd. E quando isso aconteceu, nenhum deles me desafiou. Sempre abaixavam a cabeça e sabiam que no passado alguém passou pela vida deles e pediu para que fizessem boas escolhas na vida. Essa situação também mexe com nossos sentimentos, sempre com aquelas cobranças, será que fiz o melhor, onde foi que errei em algum momento. Mas, a gente precisa entender que as pessoas fazem escolhas e precisam ser responsabilizadas por isso. É difícil, é triste, mas quando eles olham pra gente compreendem que alguém lá no passado tentou falar diferente.
"A nossa luta diária no Proerd é para que tenhamos bons cidadãos. Essa é a nossa missão"
Quando você iniciou no Proerd não tinha internet. Como lidam hoje com essa tecnologia?
Foi uma grande mudança, tanto que houve adequação do nosso material. No início eram 17 lições e para a época, era um material muito bom, porque a gente trabalhava com questões do dia a dia. Tinha aulas especificas sobre maconha, depois veio o crack. Tinha também aulas sobre autoestima e valorização pessoal. Com o tempo, houve necessidade de colocar outro elemento nas escolhas das crianças: a inteligência emocional. Quando você entrega o material pronto, elas não pensam, apenas copiam. Se queremos uma geração que pensa, que seja questionadora, precisamos aguçar isso. Baseado nisso é que foi elaborado estudo para adequação do material incluindo a inteligência emocional como destaque. Então, temos um programa feito para as crianças e onde elas tomarão decisões de criança. São situações da vida real e terão que decidir sobre o que entendem como positivo e negativo, para fazer a melhor escolha. A gente percebe que as questões familiares estão muito diferentes de quando programa começou. Vemos isso, tanto na classe baixa como na classe média/alta. Como trabalhamos em escolas públicas e particulares conseguimos ter essa amplitude e compreender que são crianças da mesma idade e que a única diferença é que um tem muita coisa material e o outro não tem nada. Mas, continuam sendo crianças e necessitam que a gente passe informações a elas. Essa oportunidade em sala de aula engrandece muito. Todo o instrutor Proerd não é melhor do que ninguém, só que a gente consegue entender muito melhor as crianças e adolescentes que encontramos nas ruas. Dificilmente você consegue passar noções positivas para uma criança que é filho de quem está no cometimento de algum crime, está preso, ou mesmo vive a rotina de tráfico de drogas. Para essa criança será muito difícil sair desse contexto, mas é possível. Fazemos a nossa parte, levamos o conhecimento, mas a escolha é dela, sobre o que vai querer para o futuro.
"Fazemos a nossa parte, mas a escolha é do jovem, sobre o que vai querer para o futuro"
Como fazer a mensagem chegar àquela criança que vive uma realidade diferente da proposta pelo Proerd?
A principal característica é você sempre falar a verdade, embora muitas vezes aquela vida é uma mentira para que ela se sinta confortável dentro de casa. Nós como Policial Militar, enquanto instrutor do Proerd, temos que ser verdadeiros com aquela criança. Essa resistência, de ver a Polícia como algo negativo, vai caindo dia a dia, a partir do momento que começa a conhecer o nosso trabalho, conhecendo o policial que está presente e com isso a gente consegue falar para elas sobre as regras escolares e que, quando somos adultos, tem as leis. Assim como quando as regras escolares são quebradas tem punição, para os adultos são as leis que aplicam a punição. Então temos que ser verdadeiros e tentar entender o porquê da não aceitação. A nossa luta diária é para que tenhamos bons cidadãos. Essa é a nossa missão.
A questão das drogas é a ainda a principal preocupação com as crianças?
As drogas assustam muito devido à facilidade de acesso. Se você disser que quer experimentar uma droga, aparecerão meia dúzia de pessoas oferecendo. Então, as drogas seguem ainda como uma grande preocupação, mas a questão social é sim outro grande problema, porque fará com que aquele jovem opte por escolhas mais difíceis, deixando de lado as coisas boas que aprendeu, porque acha que só será melhor se tiver posses. A droga me assusta nesta questão social, de busca pelo poder. Também falamos muito sobre bulliyng, fazendo as crianças reconhecerem os valores pessoais. Somos únicos, não temos que ser rotulados. Ninguém gosta de ser rotulado e as crianças precisam entender o valor que elas têm dentro de casa, na sociedade e na escola. E só vamos conseguir ter um futuro legal quando elas realmente entenderem o valor que tem.
"Na luta contra o bulliyng, a missão é fazer as crianças reconhecerem valores pessoais"
Qual a faixa etária que Proerd alcança?
Nós temos o programa para as séries iniciais que chamamos de kids que compreendem do pré, até o quarto ano. Tem o “caindo na real” para o quinto e sétimo anos. Está chegando agora, vamos iniciar os treinamentos, que é o “caindo na real” para o colegial. É bem maduro e muito interessante para trabalhar com os jovens. Teremos também o Proerd para os pais. Já tivemos essa experiência em Mira Estrela por três anos e posso dizer que foi a melhor experiência que tive com adultos em relação ao Proerd. A gente fala com as crianças, mas precisamos avaliar a base deles. Estamos com o lançamento do livro em braile para estudantes cegos ou com letras maiores para crianças que tem baixa visão, além do livro para aqueles que são do espectro autista. Ou seja, o Proerd está abraçando a todos na luta contra as drogas e o bullying.