A volta às aulas e a vacinação de crianças e adolescentes contra a Covid estão no centro dos debates e o Conselho Tutelar de Fernandópolis diz que já está preparado para atuar. “O aluno que não foi vacinado tem direito de ir à escola, mas ele também tem direito de ser vacinado. Não discutimos as razões de cada um para vacinar ou deixar de vacinar o filho. Mas, temos a lei para aplicar e vamos aplicá-la”, diz o presidente do Conselho Tutelar Agenor Manoel da Silva, que assumiu o cargo em janeiro, no revezamento entre os conselheiros.
Psicólogo de formação, ele aborda nesta entrevista as dificuldades enfrentadas durante a pandemia e garante que o Conselho não ficou um dia sem funcionar. Lembra que chegou a ficar sozinho no atendimento porque os outros conselheiros estavam com Covid. “No ano passado teve a fatalidade da morte do seo João (presidente João Batista dos Reis), por covid-19. Foi um baque, nós perdemos uma pessoa que tinha informações preciosíssimas, tinha carisma, ao mesmo tempo que corrigia, também afagava”, relembra.
O Conselho Tutelar funciona na Avenida Geraldo Filete, esquina com a Rua Rio Grande do Sul, no Coester, com atendimento presencial das 8 às 17 horas. O telefone é o 3442-5125. “Temos o celular 24 horas, todos os dias, a qualquer hora que a pessoa precisar: 99783-0788”, cita. Leia a entrevista:
O que o levou a se candidatar a ser um Conselheiro Tutelar?
Moro em Fernandópolis desde 1974. Sou psicólogo de formação, gosto muito de gente, mesmo que seja difícil, com comportamentos inadequados. Gosto de gente e lá nós temos oportunidade de todos os dias de trabalhar com pessoas. É uma forma de devolver uma parte para a sociedade de Fernandópolis que me acolheu. Como cidadão, quero dar minha participação e, junto com os demais conselheiros, fazer o melhor. Todo assunto para nós é importante, relevante, e procuramos atender a todos com equidade.
Já conseguiu atender sua expectativa como conselheiro, após dois anos de trabalho?
Nesse mandato ocorreu a pandemia que foi uma situação atípica. Acho que se não fosse isso daria para desenvolver vários outros programas com maior abrangência. Eu diria que quero mais. Todos os conselheiros estão preparados para o trabalho, são assistentes sociais, enfermeiros e psicólogos, e possuem capacidade de fazer mais. Esperamos que a pandemia cesse e que possamos nestes próximos dois anos fazer mais, ir as escolas, promover palestras de orientação. É um desejo que temos e esperamos realizar essas ações.
Houve aumento nos atendimentos durante esse período de pandemia?
Manter adolescentes presos dentro de casa é muito difícil. Obviamente eles procuravam transgredir as regras da pandemia, queriam sair e promoviam algumas festas clandestinas. A polícia era chamada e quando tinha menores, éramos acionados. Em uma dessas festas, uma conselheira que estava de plantão foi acionada e havia 16 menores. Precisamos conduzir todos para suas casas, entregar para os pais. Depois os pais foram chamados para aplicação de medidas de proteção aos menores e aos responsáveis para que esse fato não voltasse a ocorrer novamente. Além disso, as famílias estavam acostumadas a viverem muito pouco tempo juntas e a partir do momento que a pandemia impôs essa convivência por bastante tempo, gerou conflitos de gerações, de interesses e, em alguns casos, fomos acionados para fazer a mediação.
Neste período de confinamento das famílias houve aumento da violência doméstica e abusos contra menores?
Sim, até um aumento significativo. Como disse, é muito difícil a convivência entre gerações. Os adolescentes e jovens têm uma demanda. Os pais, que saiam para trabalhar, de repente tiveram que ficar em casa, todos confinados num espaço pequeno. Houve agressões, tivemos registros de filhos que se rebelaram. Muitos pais, sem condições para lidar com essas situações, nos procuravam pedindo auxiliá-los. Hoje a agressão, a violência física ou psicológica, é tida como crime. As vezes os pais tentavam de outras formas e não conseguiam e, então, precisavam buscar ajuda. De acordo com a lei, com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pudemos ajudá-los.
"A pandemia expôs a dificuldade da convivência entre gerações e isso gerou conflitos"
Como o Conselho Tutelar está acompanhando a volta às aulas?
Durante a pandemia com as atividades remotas, as escolas nos procuravam quando os alunos que não estavam cumprindo as obrigações escolares. Chamamos os pais e os alunos, fazíamos as orientações pertinentes e depois aplicávamos uma medida com base no artigo 129 do ECA, onde os pais ficavam responsáveis por matricular, manter o aluno na escola, acompanhar a frequência e o desempenho. Caso isso não ocorresse, haveria sanções e o caso seria levado ao Ministério Público da Infância e Juventude. Não chegamos a isso, porque os pais entenderam a responsabilidade. Muitos pais, que já estavam longe da escola há muitos anos, foram atrás de pesquisar, aprender para poder ajudar os filhos nesse período. Houve então uma interação maior. Mas, foi um período em que fomos muito acionados pelas escolas. E procuramos dar uma resposta para todas as demandas. Resolvemos todos os problemas? Não, mas resolvemos uma grande parte deles. Até hoje recebemos demandas por vagas, horários nas escolas, transporte e procuramos auxiliar a todos, de acordo com o ECA que diz que o direito a Educação precisa ser atendido. Trabalhamos para evitar a violação de direitos, como por exemplo, ficar fora da sala de aula. Trabalhamos em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e com a Diretoria de Ensino para garantir esse direito.
E os casos de crianças que se recusam a voltar as escolas?
A partir do momento que for obrigatório retornar as escolas vamos mediar essas situações entre família, escola e criança. A partir do momento que o governo determinar que todas as aulas serão presenciais, assim terá que ser feito. Vamos analisar caso a caso.
"A gravidez na adolescência não envolve apenas a menina. Inclui o menino também"
No que se refere a vacinação das crianças contra a Covid, em que momento o Conselho deve agir?
Assim, que os prazos que foram dados para que os pais levem seus filhos para vacinação esgotarem, acho que seremos acionados a respeito para tomarmos alguma medida. Vacinação também é um direito violado se não acontecer. Esperamos que haja conscientização dos pais para que essa vacinação aconteça. Acredito que teremos uma demanda significativa neste sentido, mas já recebemos do Ministério Público orientação de que iremos atuar. O aluno que não foi vacinado tem direito de ir à escola, mas ele também tem direito de ser vacinado. Nós vamos atuar na preservação de direitos das crianças e adolescentes. É um assunto polêmico. Não discutimos as razões de cada um para vacinar ou deixar de vacinar o filho. Mas, temos a lei para aplicar e vamos aplicá-la.
Qual o atendimento mais frequente atualmente?
São demandas variadas. No início e final de ano, as escolas nos procuram bastante, assim como os pais. Mas, infelizmente, são os casos de uso de drogas que mais preocupam. Os pais, muitas vezes, estão perdidos por conta de não saberem o que fazer. Muitos nos procuram em buscas de orientações. Nós temos uma rede de assistência social, temos o CAPS AD (Álcool e Droga) onde tem uma equipe preparada para cuidar dos adolescentes e, às vezes, dos pais que também fazem uso de substâncias psicoativas. Fazemos os encaminhamentos para toda a rede de atendimento e, geralmente, tem dado bons resultados.
"Infelizmente, são os casos de uso de drogas que mais preocupam"
Drogas e gravidez na adolescência: o que preocupa mais?
Ambos. A gravidez na adolescência a gente divide em duas partes: gravidez de menor de 14 anos – estupro de vulnerável – que é caso de polícia. E a partir dos 14 anos, cobrar a família para que acompanhe essa adolescente durante a gravidez. Ainda no Brasil falta muita informação sobre isso. A média mundial a cada mil nascimentos é de 41 adolescentes compreendendo dos 10 aos 19 anos. No Brasil, é 53. No Japão, para cada mil, são quatro casos. Mas, nós vivemos outra realidade. Quando falamos de gravidez na adolescência, logo imaginamos as meninas grávidas. Não, gravidez na adolescência inclui o menino também. A menina não conseguiu a gravidez sozinha. Houve a participação do menino. A educação é para ambos. Embora as escolas devam cumprir o seu papel de formação, cabe aos pais a educação dos filhos, conversar, orientar. O momento da adolescência é muito conturbado para eles, onde fazem muitas perguntas e querem respostas que as vezes os pais não têm. A sexualidade é muito precoce, muitas meninas tem a menarca (primeira menstruação) aos 10 anos e aos 12 anos, às vezes, é inserida na vida sexual, sem orientação. Infelizmente temos atendido muitos casos de gravidez na adolescência em Fernandópolis. São casos que precisamos ter todo cuidado no trato.