Fernandópolis vem se destacando em ações de combate a violência contra a mulher. Muito desse trabalho vem sendo capitaneado pelo projeto OAB para Elas criado em julho, uma iniciativa voluntária que reúne grupo de advogadas para prestar assistência
às mulheres vítimas da violência doméstica. A advogada Vanessa Buosi é a coordenadora do projeto e revela que o grupo já reúne 20 advogadas que foram capacitadas pela OAB Bauru para atuarem no projeto. Os ganhos são muitos neste ano, da instalação da sala Lilás na Delegacia de Defesa da Mulher, ao lançamento de uma cartilha, o Bazar Solidário, até ações que vieram das autoridades, como o decreto que vai cobrar do agressor o tratamento da vítima pelos SUS, até as ações educativas que o poder judiciário está implementando. “Apesar dos avanços, percebemos que falar de violência contra a mulher ainda é um tabu”, diz a coordenadora Vanessa Buosi nesta entrevista:
O que é o projeto OAB para Elas?
É uma iniciativa voluntária da OAB de Fernandópolis que consiste na orientação jurídica gratuita a mulheres de baixa renda e que é prestada pelas advogadas inscritas na subsecção de Fernandópolis. As advogadas fazem plantão na DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) e futuramente nos plantões policiais, local do fato, dando esclarecimentos e ajudas não apenas na área criminal que é a questão do Boletim de Ocorrência, medidas protetivas, que isso a Polícia Civil tem assistido às vítimas, mas também na área civil. Ela sai da polícia com uma medida protetiva em mãos, o agressor é afastado do lar e o que ela faz agora? Então a gente dá toda a orientação com relação a divórcio, guarda dos filhos, partilha de bens e, em parceria com a FEF, estaremos buscando recolocar essa mulher no mercado de trabalho, porque as vezes ela nem tem emprego e precisa de capacitação. Essa é uma iniciativa conjunta com a FEF que para 2024 a gente busca implantar em Fernandópolis.
Qual o balanço desse trabalho recém iniciado?
O projeto foi lançado em julho deste ano, mas de lá pra cá realizamos não só os atendimentos de mulheres encaminhadas pelos CRAS e pela DDM com orientação jurídica, mas também desenvolvemos em parceria com outras Comissões da OAB e também com o curso de Direito da FEF palestras e rodas de conversas que tinham como tema recorrente a violência contra a mulher, pois esse também é nosso objetivo: trazer conscientização e informação para a população. Então fechamos 2023 de forma positiva, já nos preparando para em 2024 continuarmos ainda mais atuantes na prevenção e no combate à violência contra a mulher.
"Os maiores desafios foram, e talvez sempre serão, o preconceito e o tabu que ainda existem"
Muitas conquistas chegaram na esteira do projeto OAB para Elas?
Sim, podemos citar a implantação da Sala Lilás, o lançamento de nossa Cartilha que foi muito sonhada e idealizada pelo projeto em conjunto com a Turma de Jornalismo da FEF e também nosso Bazar Solidário, realizado no último sábado e que foi uma forma de nos conectar, nos aproximar das mulheres que estão nos bairros, que muitas vezes estão em situação de vulnerabilidade e violência, mas que, por alguma razão, ainda não conheciam nosso projeto.
Aliás, Fernandópolis assumiu uma posição de vanguarda nesta luta contra a violência doméstica, não?
A gente tem que comemorar muito essa iniciativa de Fernandópolis que foi pioneira em regulamentar que o agressor de mulher terá que arcar com os custos do atendimento médico da vítima no SUS. Temos que valorizar essa ação do prefeito André Pessuto e o delegado seccional de Polícia Dr. Everson Contelli, que é um estudioso sobre o tema. Formalizar esse decreto e implantar o que já existe na lei Maria da Penha é de suma importância nesta luta. Isso abre novos horizontes para Fernandópolis. Para 2024 tem também um projeto educativo de autoria do juiz de Direito Dr. Vinicius Castrequini que se somará no combate a violência contra a mulher. São autoridades que estão buscando mudar essa realidade.
Quais os desafios ainda a serem enfrentados?
Os maiores desafios foram, e talvez sempre serão, o preconceito e o tabu que ainda existem sobre o tema que abordamos. A violência doméstica e violência de gênero ainda são temas que a sociedade tem dificuldade em abordar. Então, no início algumas portas foram fechadas, mas com o apoio do judiciário, do Ministério Público, universidades e também da imprensa local, estamos conquistando aos poucos esse lugar de fala dentro da nossa comunidade.
"Buscamos criar um elo de confiança para que a mulher nos procure quando ocorrer um episódio de violência"
E como chegar até essas mulheres?
O nosso projeto já é bem conhecido no meio jurídico, na sociedade em geral, mas a gente percebe que as vezes existe uma resistência. Falar em violência contra a mulher é um tabu em nossa sociedade que é machista, é patriarcal, as pessoas ainda têm vergonha de falar sobre o tema e a vítima de se expor. O que a gente busca é criar um elo de confiança com essa mulher para que ela nos procure quando ocorrer um episódio de violência. O OAB para Elas surgiu exatamente para tirar as dúvidas e dar a devida assistência.
Campanhas em veículos de comunicação de massa ajudam a quebrar essa resistência?
Já melhorou muito, mas em contrapartida, ao mesmo tempo que se fala muito, que a violência tem sido debatida, que pessoas famosas vêm a público e expõe esse tipo de violência e a gente vê os índices dessa violência aumentando. Pesquisa recente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que de janeiro a junho deste ano 722 mulheres foram vítimas do feminicídio. No nosso país, quatro mulheres morrem todos os dias vítimas da violência em razão do gênero, de ser mulher. Existe o movimento das pessoas falarem sobre a violência, porém, ela tem sido muito recorrente e esse tipo de violência ainda é normalizada na nossa sociedade.
"A violência de gênero não tem cor, não tem raça ou classe social. Ela é presente em todas as camadas sociais"
E quando se vê casos como da apresentadora Ana Hickmann e da cantora Naiara Azevedo se tornando públicos, constata-se que a violência não atinge apenas a mulher da periferia?
O agressor da mulher não tem um estereótipo. Ele pode ser um bom cidadão, que convive na sociedade todos os dias, é muito educado, mas comete violência doméstica. Mulheres da alta sociedade e celebridades virem a público e exporem essa realidade da vida delas, é muito importante para aquela mulher da periferia que, segundo os índices, é a maior vítima, se identifique com o caso e veja que se ela conseguiu quebrar o ciclo eu também consigo. É difícil, porque como vimos no depoimento da Ana Hickmann que é difícil identificar que está sendo vítima da violência, seja verbal, física, ou psicológica do parceiro que está ao lado dela, e que ela confia plenamente. A violência de gênero não tem cor, não tem raça ou classe social. Ela é presente em todas as camadas sociais.
E os planos para 2024?
Para 2024 queremos aumentar o número de voluntárias para abrangermos ainda mais os atendimentos na DDM e nos plantões policiais e também aumentar a rede de apoio e proteção à mulher vítima de violência através de parcerias com entidades e empresas privadas de nosso município.