Caderno Viva

Estresse no trabalho: quando a pressão ultrapassa o cansaço



 

“O que você quer ser quando crescer?” é uma das perguntas mais ouvidas por crianças ao longo da infância. Professor, advogado, bombeiro, ou qualquer que seja a resposta, ela definitivamente não vem seguida pelo adjetivo estressado ou infeliz. No entanto, é assim que a grande maioria dos trabalhadores se sente - ao menos por um período de sua vida profissional. O grande problema é quando a ansiedade, irritabilidade e insatisfação aumentam a ponto de tirar da pessoa a possibilidade de controlá-los, prejudicando a saúde física e emocional de quem as sente.

Pode parecer que não acontece com frequência mas, depois dos acidentes físicos como luxações, fraturas e traumatismos - típicos da construção civil e setores semelhantes -, as reações graves ao estresse representam alguns dos acidentes de trabalho mais registrados pela Previdência Social. Os registros comprovam que mais do que sintomas, levados para casa ocasionalmente, o estresse pode trazer consequências sérias para a vida das pessoas com ocupações laborais.

A cobrança de chefes, colegas e do próprio mercado estão entre as principais causas de tanta tensão. De acordo com uma pesquisa, divulgada pelo Instituto de Pesquisa e Orientação da Mente (Ipom), esse ano, o motivo que mais causa estresse entre os brasileiros (38%) é a convivência com chefes e colegas agressivos ou mal humorados.

O vilão

O trabalho é o principal causador de estresse no país. Os brasileiros só perdem para os japoneses entre os povos que mais sofrem com o mal. As reações físicas ao estresse variam de pessoa para pessoa, segundo explica a presidente do departamento de Medicina do Trabalho da Associação Médica de Minas Gerais, Walnéia Cristina de Almeida Moreira: “Mas o mais comum é apresentar um cansaço maior que o habitual, irritação aos mínimos motivos, dificuldade de relacionamento no trabalho e em casa, cefaleia, taquicardia, sudorese e desânimo para as atividades do dia a dia”. Os sintomas podem aparecer de maneira aguda, em crises, ou crônica.

Apesar de existirem profissões mais propensas a serem afetadas pelo mal, como bombeiros, médicos e atendentes de telemarketing, qualquer profissional pode estar propenso a sofrer com o estresse. No entanto, quando o assunto é bem estar laboral, a postura adotada pelas empresas nem sempre leva em conta o que o funcionário realmente precisa, é o que afirma a psicóloga com especialização em Bem Estar no Trabalho e professora da Universidade de Brasília (UnB), Magali Costa Guimarães. Ela conta que muitos programas de bem estar no trabalho implantam atividades como ginástica laboral, caminhadas, massagens terapêuticas e similares. “Mas não se muda as condições de trabalho, a estrutura organizacional, as relações pessoais e não se mexe no que realmente causa pressão”, ressalta.

Para ela, se uma empresa preza mesmo pela qualidade de vida de seus funcionários é necessário, antes de tudo, ouvi-lo. “Fizemos um estudo com funcionários públicos sobre o que era qualidade de vida para eles. Em momento algum tivemos como resposta academias ou atividades do tipo. O que eles querem é ter relacionamentos positivos, reconhecimento e menos pressão”, afirma.

Além dos adoecimentos psicológicos, o estresse também aumenta o risco de infartos e diabetes.

Adoecimentos

O estresse não é o único tipo de adoecimento psicológico que pode surgir no ambiente ocupacional. A depressão é um problema quase tão frequente quanto o estresse, mas que tem motivações diferentes. Walnéia Moreira conta que um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere que, até 2020, 80% dos trabalhadores do mundo terão se afastado do trabalho em algum momento de sua vida laboral devido à depressão.

Segundo ela, na maioria das vezes, o trabalho não é a causa da depressão, mas ele pode atuar como concausa quando não existe adaptação positiva ou prazer na atividade realizada. “A depressão é mais frequente em atividades em que temos um fator chamado monotonia, ou atividades em que o trabalhador não se adapta seja ao tipo de trabalho, à organização do trabalho ou apresenta problemas de relacionamento com chefia ou colegas. Mas entendo que este quadro é muito amplo, correlaciona-se a vida moderna em geral e o trabalho atua como um dos fatores causadores”, explica.

O risco trazido pelo estresse não é só emocional. Uma pesquisa da University College of London, divulgado em 2014, identificou uma relação entre o estresse causado pelo trabalho com o aumento do risco de doenças do coração. Segundo a pesquisa, pessoas com trabalhos com muitas demandas e pouca autonomia são 23% mais propensos a sofrer ataques do coração, em comparação com pessoas que não passam pelo mesmo tipo de situação.

No mesmo ano, um estudo canadense, publicado na revista Occupational Medicine, sugeriu que mulheres com trabalhos demandantes têm um risco maior de desenvolverem diabetes. A falta de autonomia também foi o principal fator de risco. O estudo foi conduzido por nove anos e identificou que 19% dos casos de diabetes em mulheres foram atribuídos ao estresse causado pela falta de autonomia. A percentagem é maior que para casos de comportamentos prejudiciais à saúde, como tabagismo, uso de álcool e alimentação ruim. No entanto, a obesidade continua sendo a maior causa de diabetes (42%) entre os participantes.